A decapagem de cabos é uma tarefa exigente e que demanda cuidados com a segurança dos trabalhadores que atuam na instalação e manutenção de redes elétricas de distribuição. Esses cuidados são essenciais, pois o serviço exige a remoção da camada protetora da superfície dos cabos para a execução de emendas ou conexões, ação que expõe os técnicos a riscos de acidentes ou descargas elétricas.
Ainda assim, essa tarefa é corriqueira na rotina desses técnicos e exige um esforço físico repetitivo considerável nos membros superiores. Além disso, suas condições de trabalho são desafiadoras, pois, em geral, eles dispõem de espaço limitado de movimentos, enfrentam condições climáticas adversas, e tudo isso é agravado quando os cabos possuem maior diâmetro ou estão energizados.

Para reduzir o desgaste físico desses profissionais e proporcionar mais segurança, agilidade e precisão nessa tarefa, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp desenvolveu um cabeçote decapador de cabos, um dispositivo acoplável a ferramentas aplicadoras de torque (como furadeiras e parafusadeiras, por exemplo), que executa a decapagem dos cabos e reduz significativamente o esforço humano da atividade. Além disso, com o cabeçote, a tarefa pode ser realizada de forma mais ágil e eficiente, favorecendo a saúde laboral dos trabalhadores e aumentando a precisão do serviço realizado.
O trabalho do grupo de pesquisa durou quatro anos e integrou um acordo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) estabelecido em parceria com a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). Sua patente foi licenciada pela Restar Brasil, uma empresa sediada em Porto Alegre (RS) e especializada no desenvolvimento de equipamentos e ferramentas para técnicos eletricistas. O processo de depósito da patente e seu licenciamento contou com a assessoria da Agência de Inovação Inova Unicamp, que também apoiou na negociação do acordo de PD&I.
A professora Sandra Gemma, da FCA Unicamp, destaca o caráter interdisciplinar e interinstitucional deste desenvolvimento. “A pesquisa reuniu especialistas de várias áreas, especialmente dos campos da ergonomia, biomecânica e simulação digital. Além desse aspecto multidisciplinar, a pesquisa envolveu uma instituição acadêmica com o setor empresarial. Trata-se de uma construção interinstitucional, com o envolvimento de especialistas de diversas áreas, o que permitiu alcançar um resultado satisfatório”, afirma Gemma.
A professora, que é especialista em ergonomia e coordena o Laboratório de Ergonomia, Saúde e Trabalho (ErgoLab) da FCA, destaca que a preocupação com o bem-estar dos técnicos foi uma prioridade na pesquisa. “Colocamos os trabalhadores no centro dessa discussão. Analisamos como realizam suas atividades, investigamos sua rotina e mapeamos suas dificuldades para desenvolver uma ferramenta ergonomicamente aprimorada e adaptada às suas necessidades”, explica Gemma.
Para o desenvolvimento do decapador de cabos, testes de campo foram realizados com técnicos eletricistas em um centro de treinamento da CPFL com o uso de cestos aéreos (plataformas elevatórias acopladas a veículos especiais). “Nessa tarefa de decapagem dos cabos, os técnicos fazem um movimento de vai e vem com uma lâmina, cortando a capa em espiral, como se descascassem uma laranja. Isso é desgastante e perigoso. Então, desenvolvemos o cabeçote que acopla a uma furadeira, permitindo que a remoção da capa seja feita eletricamente, reduzindo consideravelmente o esforço físico e melhorando a segurança”, detalha a professora.
Simulador
O desenvolvimento do dispositivo decapador também exigiu um extenso trabalho de simulação digital, área de pesquisa do professor José Luiz Brittes, integrante do Laboratório de Simulação e Automação (SIMAUT) da FCA Unicamp. Ele explica que, tão importante quanto criar uma ferramenta, outra preocupação do grupo foi a de desenvolver um método de pesquisa que permitisse outras aplicações similares: “A ferramenta aparece como resultado dos esforços, mas o que realmente desenvolvemos foi um método avançado de solução de problemas laborais”, afirma Brittes.
Ele explica que, nesta pesquisa, as simulações digitais foram empregadas para analisar cientificamente as condições laborais do trabalhador:
“A simulação digital é uma análise feita em cima de uma ferramenta computacional. Modelamos o eletricista, usamos um manequim e estudamos, por exemplo, os scores segundo o protocolo Rapid Upperlimb Assessment (RULA), uma ferramenta de análise ergonômica que avalia a postura dos membros superiores e inferiores”, afirma Brittes.
O desenvolvimento do decapador também empregou conceitos de biomecânica, como explica o professor Milton Shoiti Misuta, coordenador do Laboratório de Biomecânica e Instrumentação (LABIN) da FCA Unicamp. Segundo ele, a equipe utilizou sistemas de captura de movimento (Optitrack) e plataformas de força (Kistler) para analisar a tarefa de decapagem em ambiente controlado, simulando condições reais.
“Os dados coletados foram integrados aos da ergonomia e simulação digital. Esse processo nos permitiu compreender em profundidade as exigências físicas da tarefa e colaborar diretamente para o desenvolvimento de uma solução mais segura e eficiente”, afirma Misuta.
Esta é a 18ª edição do Prêmio Inventores que a Inova Unicamp organiza com o propósito de reconhecer e valorizar os inventores engajados na transferência de tecnologias da Universidade e na criação de empresas spin-offs acadêmicas no último ano.