
Um sistema que combina inteligência artificial (IA), visão computacional e câmeras ópticas e térmicas, embarcadas em veículos comuns, pode transformar a inspeção preventiva de redes aéreas de distribuição de energia elétrica. Desenvolvida por pesquisadores da Unicamp em parceria com concessionárias de energia e protegida por patente, a tecnologia foi licenciada, com estratégia da Agência de Inovação Inova Unicamp, para a Kasco Tecnologia, uma empresa spin-off acadêmica, que tem, entre seus sócios-fundadores, egressos da universidade que participaram da invenção.
A tecnologia já está em operação com três veículos da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e de sua subsidiária RGE Sul Distribuidora de Energia e também foi exportada para o Equador. O sistema substitui o método tradicional de inspeção, em que técnicos, posicionados em caçambas de carros, utilizam câmeras térmicas manuais para identificar anomalias relacionadas ao superaquecimento de componentes elétricos, preenchendo relatórios em campo.
O desenvolvimento da tecnologia surgiu de uma necessidade real das concessionárias de energia. De acordo com o professor Rangel Arthur, docente da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, as pesquisas começaram a partir de uma demanda do grupo CPFL para modernizar os processos de inspeção, que até então envolviam mais tempo, maiores riscos e limitações ergonômicas para os operadores.
“A CPFL nos procurou por volta de 2018 buscando soluções em inteligência artificial, tema que começava a ganhar força. A Inova Unicamp, desde o início, facilitou o processo, formalizando acordos de sigilo e pesquisa com a empresa. Ao longo dos estudos, propusemos um protótipo que eliminaria a necessidade de um funcionário na carroceria do veículo, modernizando a inspeção”, explica Arthur.
A solução possui um arranjo de quatro pares de câmeras que permite inspecionar a rede de forma contínua a uma velocidade de 30 km/h. O novo modelo depende de um único motorista, que percorre rotas pré-programadas enquanto o sistema, instalado no teto do carro, realiza a varredura automática das redes e alimentadores elétricos.
As imagens térmicas e ópticas, captadas pelas câmeras, são analisadas em tempo real pelos algoritmos treinados do Thermovision para detectar anomalias. A geração de relatórios é automática e pode ser enviada à central técnica da concessionária sem necessidade de intervenção humana.
Segundo os pesquisadores, antes, a inspeção de todos os alimentadores de uma cidade como Campinas poderia levar anos. Com a tecnologia Thermovision, ela pode ser feita com maior periodicidade e eficiência, reduzindo falhas e interrupções no fornecimento de energia.
O sistema funciona com câmeras térmicas de alta frequência, sensores ópticos, GPS e uma estação meteorológica embarcada, capaz de compensar interferências como vento ou temperatura ambiente. A inteligência artificial, por sua vez, identifica os elementos da rede, descarta imagens redundantes, compensa a trepidação natural de um veículo em movimento (que também pode interferir na qualidade das imagens) e classifica anomalias de forma automatizada.
Uma das dificuldades enfrentadas pelo grupo de pesquisa foi justamente manter a estabilidade da câmera. De acordo com os pesquisadores, o pré-processamento das imagens é importante para habilitar a rede neural e fazer o reconhecimento dos equipamentos. Contudo, dependendo do terreno, como em testes realizados em ruas de terra, a própria ligação de fios entre a câmera e a unidade de processamento pode apresentar problemas e, por isso, precisou ser ajustada.
O equipamento utiliza uma base com amortecedores para compensar a trepidação natural de um veículo em movimento; ainda assim, os pesquisadores também precisaram fazer essa compensação por software, aumentando a confiabilidade do sistema. Outro desafio científico e tecnológico foi o de combinar as imagens térmicas, que possuem uma resolução menor, com as imagens ópticas, que usam comprimentos de luz que o ser humano enxerga.
“Tivemos que buscar atributos das imagens térmicas que se relacionassem com os elementos da imagem óptica de tal forma que pudéssemos reconhecer o elemento superaquecido em ambas as imagens. Parece simples visualmente, mas como o sistema trabalha com resoluções diferentes, e as câmeras estão em uma separação física de cerca de 20 centímetros, foi preciso treinar a IA para fazer esse match entre as imagens”, explica Yuzo Iano, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp.
Impacto
A detecção precoce de aquecimentos atípicos em conexões elétricas permite ações preventivas, reduzindo o risco de interrupções no fornecimento, que geram transtornos e prejuízos à sociedade. Isso atende diretamente às metas regulatórias estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que exige padrões de qualidade e continuidade do serviço.
A tecnologia também aumenta a produtividade nas inspeções e melhora significativamente as condições de trabalho. Em vez de ficarem expostos em caçambas de caminhonetes, os operadores podem atuar em funções de análise e manutenção.