A pesquisadora Ana Luísa Mortean Ribeiro tornou-se a primeira pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) e cotista a defender uma dissertação de mestrado na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Ribeiro abordou a obra de uma autora do feminismo negro. Com o título “O feminismo negro e a educação do amor no pensamento e na prática de Bell Hooks: movimento de lutas de libertação”, a pesquisa foi destacada pela banca pela originalidade e por contribuir para uma educação inclusiva, amorosa e antirracista. O trabalho teve a orientação do professor César Aparecido Nunes.

A dissertação investiga a filosofia de Hooks, uma autora norte-americana ainda pouco estudada no Brasil, especialmente no campo da educação. Dialogando com Paulo Freire e as questões dos direitos humanos, a agora mestre aproxima da pedagogia transgressora e da amorosidade o pensamento da escritora.
Hooks desempenhou um papel essencial no feminismo negro, uma vertente que aprofunda as críticas ao patriarcado quando evidencia os múltiplos níveis de opressão enfrentados pelas mulheres negras — muitas vezes invisibilizados pelo feminismo hegemônico, centrado na experiência de mulheres brancas, destacou o orientador da dissertação.
Além disso, sua obra escancara aquilo que só a vivência da mulher negra consegue revelar: as intersecções entre raça, gênero e classe. Hooks também propôs uma pedagogia transgressora, baseada no afeto, no diálogo e na libertação, aproximando-se com originalidade dos princípios de Freire. Sua proposta de uma educação ancorada na amorosidade e na luta pelos direitos humanos inspira trabalhos como o de Ribeiro, que destaca a potência transformadora de ensinar e aprender com afeto, respeito às diferenças e compromisso com a justiça social.
Segundo Nunes, a pesquisadora acrescentou algo inédito à sua dissertação ao analisar a pedagogia do amor e da amorosidade a partir da luta histórica pelos direitos humanos. “Essa é não só uma vitória pessoal da Ana, mas também uma vitória coletiva para todas as pessoas com deficiência e para todos os excluídos de uma sociedade desigual e injusta como a nossa”, ressaltou o orientador.
Ribeiro enfrentou desafios ao ingressar no programa por não entender como funcionava o processo seletivo. Com o passar do tempo, porém, compreendeu essa dinâmica e começou seu trabalho por meio do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (Paideia) da FE, no qual, como aluna especial, encontrou acolhimento. “No começo foi bem conturbado. Eu não sabia como entrar. Mas o Paideia me ouviu, respeitou meu tempo e me ajudou muito. Ainda faltam políticas mais específicas para outros tipos de deficiência, mas espero que, no futuro haja, cotas”, comentou.

O impacto da presença de Ribeiro no Paideia também mereceu destaque por parte de Nunes: “A gente aprende a dividir, escutar e conviver. A entrada da Ana modificou o grupo. O mundo tem lugar para todas as pessoas — e ninguém quer privilégio, apenas as mesmas condições a partir da própria singularidade.”
O processo de escolha do tema do mestrado também foi atravessado por vivências pessoais da pesquisadora. “Meu interesse em Bell Hooks surgiu porque ela trata de política pública, diversidade, direitos humanos. Ela não fala diretamente da deficiência, mas propõe ferramentas para pensarmos nossas lutas e contarmos nossas próprias histórias”, explicou Ribeiro.
Integrou a banca que examinou a dissertação a professora Maria Cristiani Gonçalves, vinculada atualmente ao Instituto Nacional de Pesquisa e Promoção dos Direitos Humanos e também uma pessoa com deficiência. Para Gonçalves, o trabalho de Ribeiro propõe uma prática real de educação inclusiva.
“A pesquisa dela denuncia as exclusões históricas e ao mesmo tempo apresenta anúncios: caminhos de uma educação a partir da amorosidade e da humanização. Trata-se de uma proposta para uma educação transformadora e libertadora, como propõe Paulo Freire”, afirmou.
O professor José Renato Polli, outro membro da banca, acompanhou a pesquisadora desde o processo seletivo e considera o trabalho um marco. “Ela é uma pessoa extremamente competente, com um trabalho bem escrito, sólido teoricamente. Isso representa uma mudança de postura da Unicamp. Que a história dela inspire outras pessoas com deficiência a seguirem nessa luta.”
A defesa da dissertação representa, segundo os envolvidos no processo, um avanço não apenas acadêmico, mas também político, simbólico e coletivo no que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior e nas produções científicas críticas.