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Imagem de experimento em laboratório da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp
Imagem de experimento em laboratório da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp

Um estudo conduzido por pesquisadores da Unicamp revelou que, embora as agências de fomento à pesquisa ao redor do mundo estejam adotando iniciativas para promover a equidade, a diversidade e a inclusão (EDI), o progresso mostra-se desigual em meio a entraves institucionais e políticos. A análise sobre dez agências de diferentes países indicou que, apesar de um compromisso crescente com as ações inclusivas, muitas delas ainda carecem de estrutura, dados e mecanismos de avaliação eficazes para transformar o discurso em prática.

O estudo, realizado por pesquisadores do Laboratório sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (Lab-Geopi) da Unicamp, saiu publicado em maio deste ano na revista Science and Public Policy. Intitulado “Progress is neither swift nor easy: assessing funding agencies’ capacity to address science inequities” (o progresso não é rápido nem fácil: avaliando a capacidade de agências de fomento de enfrentar as desigualdades na ciência), o trabalho analisou documentos institucionais de agências da França, da África do Sul, do Reino Unido, dos Estados Unidos, do Brasil, do Canadá, do Chile, da Suíça e da Austrália.

“As agências de fomento são organizações fundamentais no ecossistema CT&I [ciência, tecnologia e inovação]. Elas têm tanto o potencial de promover uma maior igualdade no ambiente científico, ampliando a diversidade de perspectivas e, com isso, o potencial de inovação e impacto, quanto o risco de perpetuar desigualdades com suas práticas institucionais”, explicou Yohanna Juk, pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e uma das autoras do artigo.

A adoção de políticas de EDI na ciência tem ganhado destaque nas últimas décadas, impulsionada pela crescente conscientização sobre os vieses presentes nos processos de avaliação e financiamento das pesquisas. Embora o tema tenha se consolidado especialmente em torno das desigualdades de gênero, há um movimento crescente para ampliar o foco e adotar abordagens interseccionais que considerem também fatores como raça, etnia, deficiência física, orientação sexual e responsabilidades de cuidado.

Uma das autoras do artigo, a pós-doutoranda Yohanna Juk durante apresentação do estudo em evento internacional
Uma das autoras do artigo, a pós-doutoranda Yohanna Juk durante apresentação do estudo em evento internacional

A ausência de políticas efetivas de EDI pode contribuir para a reprodução de desigualdades históricas e para um ambiente científico menos aberto à inovação e à pluralidade de perspectivas. Quando bem implementadas, essas políticas têm o potencial de transformar o ecossistema de pesquisa em um espaço ainda mais criativo e potencialmente inovador.

O estudo identificou que, embora haja um movimento crescente entre as agências de fomento para incorporar práticas de EDI, a efetivação dessas políticas ainda enfrenta obstáculos significativos. Entre os dez órgãos analisados, a maioria reconhece a importância de uma abordagem interseccional – que leve em conta não apenas o gênero, mas também a raça, a etnia, a deficiência física, a idade e a responsabilidades de cuidado.

No entanto os níveis de institucionalização variam: poucas agências possuem unidades específicas para EDI e nem todas coletam ou divulgam dados desagregados sobre diversidade. A pesquisa também apontou que, em muitos casos, as iniciativas permanecem no campo do discurso, sem mecanismos robustos de monitoramento, avaliação e prestação de contas, o que levanta alertas sobre a possibilidade da prática de “gender washing” ou “EDI-washing”, quando há adesão superficial ao tema sem mudanças estruturais reais.

A partir de critérios criados para qualificar o alcance das iniciativas de EDI nas agências, o estudo constatou que as organizações do Reino Unido (UK Research and Innovation – Ukri) e da Austrália (Australian Research Council – ARC) apresentaram uma maior maturidade nas iniciativas, seguidas pela estadunidense National Science Foundation (NSF), todas com departamentos dedicados ao tema e diretrizes específicas para avaliadores e proponentes de projetos, além da coleta e divulgação pública de dados desagregados sobre diversidade.

Já as agências da América Latina e da Ásia, como as do Brasil, do Chile e do Japão, demonstraram avanços pontuais, carecendo ainda de mecanismos mais estruturados e transparentes de implementação e monitoramento das ações. Um destaque entre os países latino-americanos é o caso chileno, com a criação de grupos de trabalho voltados a identificar lacunas estruturais nos esforços de inclusão, enquanto o Brasil se diferencia por incluir questões relacionadas à maternidade e às responsabilidades de cuidado nas análises curriculares. Por outro lado, a agência japonesa foi a que menos explicitou informações, tendo foco restrito na equidade de gênero.

Embora avanços tenham sido registrados, especialmente em países com marcos regulatórios mais robustos, o estudo indica haver ainda um longo caminho até que as políticas de equidade, diversidade e inclusão sejam plenamente institucionalizadas e eficientes na promoção de transformações estruturais. Mais do que declarações de compromisso, afirmam os pesquisadores, faz-se necessário garantir que essas iniciativas façam-se acompanhadar por recursos, indicadores claros e mecanismos de monitoramento. “O mapeamento possibilita o intercâmbio de soluções, de boas práticas, e permite identificar áreas de maior progresso aparente, bem como as de maior resistência à mudança”, disse Juk.

Uma medida recente do governo estadunidense, a Ordem Executiva 14151 – assinada no dia da posse do atual presidente, Donald Trump –, suspendeu todas as ações de EDI financiadas com recursos federais, classificando-as como discriminatórias. Essa medida representa um grande ponto de interrogação a respeito do futuro das ações em curso nas agências analisadas no artigo – a NSF já viu cancelados projetos envolvendo EDI – e a respeito das ações de outros países.

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