A própria experiência pessoal aliada a uma reflexão sobre o conceito de sustentabilidade levaram Wagner Gervazio, pós-doutorando da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, a lançar o livro A Dialética da Sustentabilidade, publicado pela Editora Dialética. Na obra, o engenheiro-agrônomo traça um panorama histórico a respeito da relação entre os seres humanos e a natureza, debatendo como a noção de sustentabilidade surgiu e para onde caminham os movimentos que pensam uma forma melhor de convívio da humanidade com o meio ambiente. O lançamento do livro acontece nesta sexta-feira (30), das 19 às 21 horas, na Casa do Lago. Acompanhe ao vivo pelo instagram @wagner.gervazio.
Filho de agricultores familiares, Gervazio nasceu em Alta Floresta (MT) e trabalhou na lavoura durante a adolescência, conseguindo iniciar a graduação somente após completar 21 anos – na comunidade onde morava, as escolas ofereciam até a quarta série do ensino fundamental. Especializando-se no estudo sobre assentamentos rurais e a agricultura familiar, o autor fez doutorado pela Unicamp sob a orientação de Sonia Bergamasco, professora titular da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), referência, no Brasil, no debate sobre a reforma agrária e o desenvolvimento rural sustentável.
A obra reflete quase três décadas de interações entre Gervazio e a natureza, como produtor ou como pesquisador. O leitor entra em contato com o tema da sustentabilidade hoje, conhecedo desde as teorias mais modernas sobre maneiras adequadas de ocupar o meio ambiente sem destruí-lo até o uso disseminado e publicitário da palavra, algo que não tem relação com as pesquisas científicas de fôlego. “Ao teorizar sobre questões da Amazônia e da exploração agrícola na busca por soluções sustentáveis à fronteira de expansão agrícola na região onde nasci, comecei a me debruçar de verdade sobre a sustentabilidade, partindo de premissas que não dialogam com a visão marqueteira adotada por empresas e a imprensa ao falar sobre o tema”, afirmou.
Marxismo e ecologia
Gervazio parte de uma perspectiva marxista, valendo-se da experiência comunitária que teve logo cedo. “Sempre participei das comunidades de base organizadas pela Igreja Católica na região. Passei por todo um processo de formação, participando de campanhas que sempre trouxeram temas relacionados à questão ambiental, à ecologia integral”, lembra-se ao comentar sua vida em Alta Floresta. “Estive sempre ligado às pastorais e aos movimentos sociais, das mulheres, de jovens e de agricultores de associações.”
Vendo na prática como o horizonte da sustentabilidade se materializava em uma região de fronteira amazônica, o autor estudou dois assentamentos locais a fim de verificar como esse conceito se aplicava naquelas ocupações. “Estudei, durante o doutorado, dois lugares distintos: o primeiro, um espaço convencional de assentamento; o outro, um projeto de desenvolvimento sustentável, que é um termo técnico para definir essa modalidade de presença humana rural”, disse.
A partir dessa experiência acadêmica, transformada em uma tese defendida em 2019 na Feagri, Gervazio começou a pensar em escrever o livro agora publicado. “Para além de meramente descrever o que vivenciei ao acompanhar de perto aquelas pessoas, me interessava publicar algo que de fato chamasse a atenção das pessoas para novas formas de conviver com a natureza, algo que revitalizasse a ideia de sustentabilidade de verdade”, explicou.
Segundo Gervazio, as bases marxistas de A Dialética da Sustentabilidade vieram dos trabalhos do teólogo Leonardo Boff e do intelectual John Bellamy Foster – este último, um revolucionário dos estudos sobre a obra de Karl Marx desde uma perspectiva ecológica.
Bem viver indígena
Durante a pesquisa de doutorado, iniciada em 2015, Gervazio promoveu vários encontros com os agricultores dos dois assentamentos para investigar o que entendiam por sustentabilidade, com ênfase na noção de bem viver. “Esse é um dos únicos conceitos de sustentabilidade com origem nos indígenas da América do Sul e da América Central, o que me deixou bastante interessado em explorá-lo com as duas comunidades”, disse o pesquisador. “[Esse conceito] nasceu com os povos originários de nosso continente. Foi uma experiência riquíssima conversar com os moradores e chegar a um consenso sobre o que eles entendiam por sustentabilidade e quais práticas adotar para desenvolvê-la.”
O autor se vale da estrutura dialética hegeliana clássica – tese, antítese e síntese – para explicar como a sustentabilidade floresceu. Como tese, o autor apresenta, no primeiro capítulo do livro, as origens da interação entre os seres humanos e a natureza, identificando o momento em que essa relação passa a ser predatória. No momento seguinte, Gervazio aborda a eclosão dos movimentos ambientalistas, ainda permeados por noções danosas ao meio ambiente.
Por fim, na terceira parte, denominada “A Solução da Contradição”, o conceito de bem viver é apresentado. Gervazio comenta nesse trecho sobre as novas racionalidades ambientais, mais afeitas às necessidades de um mundo em constante transformação. “Além do bem viver, falo também sobre como a agroecologia pode nos ajudar a conviver em harmonia verdadeira com o meio ambiente, voltando ao tempo em que os seres humanos e a natureza compartilhavam o mesmo espaço sem destruição”, afirmou. “O livro é, para mim, uma convocatória, um chamado à ação, um lembrete sobre como escolhas conscientes e mudanças nos modos de produção, consumo e convivência podem salvar o mundo.”
Título: A Dialética da Sustentabilidade
Autor: Wagner Gervazio
Editora: Dialética
Ano: 2024
Páginas: 84
