Conteúdo principal Menu principal Rodapé
Cultura e Sociedade

A teoria de Vigotski continua essencial para compreender o ensino e a aprendizagem, diz pesquisador suiço 

Bernard Schneuwly, considerado uma referência mundial nos estudos sobre a linguagem e o desenvolvimento humano, é professor honorário da Universidade de Genebra

Referência mundial nos estudos sobre a linguagem e o desenvolvimento humano, o suíço Bernard Schneuwly – um dos principais pesquisadores da obra do pensador russo Lev S. Vigotski – participou do Seminário Internacional de Pesquisa do Desenvolvimento Humano em Vigotski, realizado na Unicamp, em abril último. O evento reuniu especialistas do Brasil e do exterior para debater os fundamentos da teoria histórico-cultural e sua contribuição para os processos educativos e o ensino contemporâneo com foco na educação especial sob a perspectiva da inclusão.

Durante o seminário, o professor honorário da Universidade de Genebra (Suíça) e também reitor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação lançou o livro Imaginação – textos escolhidos, com textos de Vigotski traduzidos diretamente do russo e que tratam da temática da imaginação. A obra conta com comentários e notas de um grupo de pesquisadores estrangeiros, além de capítulos inéditos sobre o papel da imaginação no desenvolvimento, sua relação com o brincar e o contexto histórico da obra do psicólogo russo.

Ao longo de sua carreira, Schneuwly se dedicou à didática e à linguagem como mediação do pensamento. Em entrevista para o Jornal da Unicamp, o professor defendeu que a teoria vigotskiana continua fundamental para a construção de uma escola que respeite o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e que promova o protagonismo do estudante. Durante o evento, o docente concedeu esta entrevista exclusiva.

O seminário, realizado pela Rede Interinstitucional de Pesquisadores de Desenvolvimento Humano, Educação e Educação Especial em Vigotski (Repede), contou com o apoio da Faculdade de Educação da Universidade e a organização das professoras Lavínia Lopes Salomão Magiolino (Unicamp), Daniele Nunes Henrique Silva (Universidade de Brasília) e Ana Paula de Freitas (Universidade São Francisco) e das doutorandas Fernanda Furtado Camargo, Vittória Bragagnolo Spaulonci Xavier da Silveira e Daniela Fernandes Rodrigues.

O suíço Bernard Schneuwly: A teoria de Vigotski permanece extremamente atual e essencial para enfrentar os desafios educacionais contemporâneos
O suíço Bernard Schneuwly: A teoria de Vigotski permanece extremamente atual e essencial para enfrentar os desafios educacionais contemporâneos

Jornal da Unicamp – Qual é a relevância da teoria histórico-cultural de Vigotski para os desafios da educação contemporânea?

Bernard Schneuwly – A teoria histórico-cultural de Vigotski continua sendo absolutamente essencial para compreendermos o ensino e a aprendizagem. Ele nos mostra que o desenvolvimento humano está profundamente vinculado aos processos de mediação cultural e às interações sociais. Em um momento no qual a educação enfrenta tantos desafios – desigualdade, tecnologias, mudanças curriculares –, é fundamental voltarmos a essa perspectiva que valoriza a construção coletiva do conhecimento e o papel ativo do sujeito. A teoria de Vigotski permanece extremamente atual e essencial para enfrentar os desafios educacionais contemporâneos, especialmente ao enfatizar a importância do ensino planejado, intencional e mediado por instrumentos. Ensinar significa transformar modos de pensar, de falar e também de agir. Defendo uma abordagem duplamente instrumental, que ofereça ferramentas tanto para os professores quanto para os alunos. Em minha longa carreira de pesquisa, articulei a didática da língua com uma perspectiva vigotskiana e piagetiana. Li Vigotski há cerca de 60 anos, em alemão, em uma tradução completamente diferente da versão inglesa. Essa leitura fundamentou toda a minha trajetória. Como aluno de [Jean] Piaget, pude comparar abordagens: Piaget tem um método mais técnico, mas Vigotski oferece uma teoria mais interessante, sobretudo quando se trata da linguagem.

JU – Ao longo de sua trajetória, o senhor tem se dedicado à didática e à linguagem como mediação do pensamento. Como sua leitura de Vigotski contribuiu para essa abordagem?

Bernard Schneuwly – Minha leitura de Vigotski me levou a compreender a linguagem não apenas como um instrumento de comunicação, mas como um instrumento de formação do pensamento. Isso tem implicações diretas para a didática, pois o modo como ensinamos, como organizamos a linguagem na sala de aula, interfere diretamente no desenvolvimento cognitivo dos alunos. A linguagem é o principal mediador entre o indivíduo e o conhecimento, e o professor tem um papel fundamental nesse processo.

JU – O senhor defende que o ensino deve ser intencional e planejado. Como isso se relaciona com o conceito de zona de desenvolvimento proximal?

Bernard Schneuwly – A zona de desenvolvimento proximal [ZDP] é um conceito central na teoria de Vigotski. Segundo esse conceito, o que o aluno pode fazer com ajuda hoje será capaz de fazer sozinho amanhã. Mas, para que isso aconteça, o ensino precisa ser planejado com intencionalidade. O professor deve criar situações de aprendizagem que desafiem o aluno, que o coloquem em movimento, que mobilizem suas capacidades ainda não plenamente desenvolvidas. Isso só é possível com um ensino que não seja improvisado, mas que parta de objetivos claros. Além disso, a zona de desenvolvimento proximal, por exemplo, não existe independentemente do ensino. Ela é um produto dele, é criada quando se oferece aos alunos as ferramentas adequadas para ultrapassar seus limites atuais.

O professor deve criar situações de aprendizagem que desafiem o aluno, defende Schneuwly
O professor deve criar situações de aprendizagem que desafiem o aluno, defende Schneuwly

JU – Como o senhor avalia a importância de redes como a Repede para fortalecer o pensamento de Vigotski nas pesquisas sobre educação e o desenvolvimento humano?

Bernard Schneuwly – Redes como a Repede são fundamentais para manter vivo o legado de Vigotski e atualizá-lo à luz dos contextos contemporâneos. Elas promovem trocas entre pesquisadores, fomentam estudos e aproximam diferentes abordagens dentro da mesma matriz teórica. É por meio dessas redes que conseguimos aprofundar o conhecimento, formar novos pesquisadores e influenciar as práticas pedagógicas nas escolas. Em resumo, o pensamento não existe sem discussão, controvérsia e trocas. As redes nos permitem produzir conhecimento coletivo, artigos, livros e eventos como o seminário da Repede de que participei. Adianto que o encontro de uma importante rede internacional de pesquisadores da qual faço parte ocorrerá na Unicamp, pela primeira vez no Brasil, em 2026, com foco na educação estética e na arte – o Seminário Internacional Vigotski [SIV].

JU – Qual mensagem o senhor deixa para os educadores brasileiros que se inspiram na teoria histórico-cultural?

Bernard Schneuwly – Gostaria de dizer que o trabalho do educador é, antes de tudo, um trabalho de construção humana. A teoria histórico-cultural nos convida a olhar para os alunos como sujeitos em formação, com potencialidades que podem ser desenvolvidas por meio da mediação pedagógica. Não se trata apenas de transmitir conteúdos, mas de criar condições para que cada estudante se desenvolva em sua plenitude. O Brasil tem uma rica tradição pedagógica, e é muito inspirador ver tantos educadores comprometidos com essa perspectiva.

Ir para o topo