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Atualidades Pesquisa

Mapeamento de microrganismos é disponibilizado em acesso aberto

Trabalho pioneiro investiga as comunidades microbianas - em especial as bactérias -  relacionadas a diferentes estratégias de tolerância à seca

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas em trabalho em campos rupestres brasileiros
Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas em trabalho em campos rupestres

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) –  uma parceria entre Embrapa, Unicamp e Fapesp – disponibilizaram, no último dia 16, um conjunto inédito e abrangente de dados sobre microrganismos associados às plantas da família Velloziaceae nos campos rupestres brasileiros. 

O conjunto de dados, publicado na revista Scientific Data, identificou mais de 257 mil bactérias e arqueias, – um dos maiores esforços já realizados de caracterização do microbioma de espécies de Vellozia, incluindo vários tecidos vegetais de quatro espécies diferentes, solos e estações do ano. 

Os dados genéticos e seus metadados estão disponíveis em plataformas de acesso aberto: JGI GOLD, GenBank do National Center for Biotechnology Information (NCBI) e European Nucleotide Archive (ENA). Esses dados devem impulsionar pesquisas sobre interações planta-microrganismo e inspirar soluções biotecnológicas para a agricultura em cenários de mudanças climáticas.

Os campos rupestres são ecossistemas singulares da região central do Brasil, caracterizados por condições extremas, como solos pobres em nutrientes e períodos de seca severa. Nesse ambiente desafiador, plantas da família Velloziaceae – muitas delas exclusivas desses locais – desenvolveram estratégias adaptativas distintas para lidar com a escassez hídrica. 

Há espécies de velózias do tipo ressurgente, que toleram a dessecação e se reidratam após a chuva. Outras são sempre-verdes, mantendo-se hidratadas mesmo durante a seca. O estudo investigou duas espécies ressurgentes, Vellozia nivea e Vellozia tubiflora, e duas espécies sempre-verdes, Vellozia intermedia e Vellozia peripherica.

“Quando pensamos nas estratégias das velózias para lidar com a seca, percebemos que seria importante olhar além da planta em si e investigar também os microrganismos associados a ela – tanto os que estão na superfície dos tecidos quanto os que vivem em seu interior. Acreditamos que essa interação pode desempenhar um papel fundamental na adaptação das espécies a condições tão extremas”, explica Isabel Gerhardt. coautora do artigo e pesquisadora principal do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital.

Segundo Bárbara Biazotti, doutoranda no GCCRC e coautora do estudo, o trabalho é pioneiro ao investigar as comunidades microbianas – em especial as bactérias –  relacionadas a diferentes estratégias de tolerância à seca. “Ao investigar os microrganismos associados às plantas de Vellozia, identificamos uma excelente oportunidade de explorar a rica diversidade microbiana do Brasil, com potencial valioso para o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos voltados à agricultura”, destaca.

O artigo descreve como os cientistas sequenciaram 374 amostras de folhas, bainhas secas, raízes aéreas e subterrâneas, além do solo. O foco foi identificar a diversidade microbiana em cada uma dessas partes. 

“Fizemos um esforço amostral abrangente para identificar todas as bactérias presentes nas diferentes partes das velózias e no solo”, explica Otávio Pinto, bioinformata do GCCRC. Os pesquisadores também realizaram análises metagenômicas do solo em diferentes períodos (chuvoso e seco), considerando ambas as estratégias adaptativas das plantas.

Os resultados sugerem que há mais de 257 mil diferentes bactérias no microambiente das velózias. “Parte desse número elevado de microrganismos identificados também é resultado do nosso esforço amostral abrangente, ao coletar material de diferentes partes das quatro espécies e em diferentes épocas do ano”, complementa Gerhardt.

A descrição completa dos perfis sazonais das bactérias associadas às velózias possibilitará investigar se há diferenças significativas entre os períodos seco e chuvoso, ou entre as espécies sempre-verdes e ressurgentes. Este é o próximo passo dos cientistas do GCCRC.

Ciência aberta e os artigos de dados

O estudo foi publicado como um artigo do tipo “descritor de dados”, um formato que prioriza o compartilhamento detalhado de conjuntos de dados para uso amplo pela comunidade científica. “Nosso objetivo foi disponibilizar os dados de forma organizada, em um padrão reconhecido internacionalmente, em um repositório aberto, para que outros pesquisadores possam testar suas hipóteses e realizar comparações entre diferentes estudos”, explica Ricardo Dante, coautor do artigo e pesquisador principal do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital.

“”A ampla disseminação desses dados pode beneficiar não apenas a ecologia e a microbiologia, mas também estudos aplicados, como estratégias de conservação e biotecnologia para o manejo de solos em condições áridas”, conclui Gerhardt.

O conjunto de dados está disponível para acesso público (JGI GOLD, GenBank e ENA), permitindo que pesquisadores de diversas áreas possam explorá-lo e contribuir para a compreensão das adaptações das plantas e dos microrganismos nos campos rupestres.

Ambientes extremos

Além de abrigarem uma flora altamente adaptada à escassez de água, os campos rupestres também são habitat para bactérias capazes de tornar nutrientes escassos mais disponíveis para as plantas. Em estudo anterior conduzido por pesquisadores do GCCRC, foi identificado que microrganismos associados às raízes de espécies da famíia Velloziaceae (Vellozia epidendroides e Barbacenia macranta) possuem maior número de genes relacionados à solubilização de fósforo quando comparados a outras espécies de plantas e ambientes. O fósforo é um nutriente essencial à sobrevivência vegetal, mas de difícil acesso em solos tropicais altamente intemperizados.

Essas bactérias funcionam como aliadas silenciosas das plantas, transformando compostos insolúveis de fósforo em formas absorvíveis, o que pode ser crucial para a persistência da vegetação em ambientes com solos pobres em nutrientes. O conhecimento dessas interações pode, futuramente, contribuir para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis voltadas à agricultura, como biofertilizantes que aumentem a eficiência do uso de fósforo em cultivos agrícolas.

Sobre o GCCRC

O Centro de Pesquisa em Genômica para Mudanças Climáticas (GCCRC) é parte do programa de Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE) da Fapesp. Sua missão é desenvolver ativos biotecnológicos inovadores, aplicando a genômica para promover a adaptação de cultivos agrícolas aos estresses provocados pelas mudanças climáticas. Sediado na Unicamp, o GCCRC reúne pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), vinculado à Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen), e da Embrapa Agricultura Digital.

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