Conteúdo principal Menu principal Rodapé
Atualidades Manchete

Um total de 1,5 mil estudantes fizeram a prova do Vestibular Indígena Unicamp-Ufscar

Prova foi aplicada em cinco cidades do país; a lista de aprovados em primeira chamada será divulgada no dia 3 de fevereiro

Candidatos que realizaram as provas em Campinas, no campus da Unicamp; a aplicação do exame teve início às 13h, e os candidatos tiveram até quatro horas para responder as questões
Candidatos que realizaram as provas em Campinas, no campus da Unicamp; a aplicação do exame teve início às 13h, e os candidatos tiveram até quatro horas para responder as questões

A prova do Vestibular Indígena unificado entre a Unicamp e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) foi aplicada neste domingo (12) nas cidades de Campinas, Recife (PE), Santarém (PA), São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga (AM). No total, 1.500 candidatos compareceram à seleção. Este é o quarto ano em que o Vestibular Indígena é realizado de forma unificada entre a Unicamp e a UFSCar. As duas universidades oferecem 195 vagas nos cursos de graduação para estudantes indígenas, sendo 130 vagas na Unicamp e 65 na UFSCar. No ato da inscrição, os candidatos podem indicar até duas opções de curso, uma em cada universidade.

A Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) registrou uma queda no índice de abstenção em relação à edição anterior, tendo passado de 49% para 46,8% no Vestibular Indígena 2025. Dos 2.820 inscritos, 1.320 não compareceram para realizar a prova. Na cidade com maior número de inscritos, São Gabriel da Cachoeira (AM), o índice de abstenção registrado foi de 39,8%, abaixo da abstenção geral. A tabela com os índices por cidade está disponível na página da Comvest na internet.

A aplicação do exame teve início às 13h, e os candidatos tiveram até quatro horas para realizar a prova, composta por 50 questões de múltipla escolha, que contemplaram as áreas de linguagens e códigos, ciências da natureza, matemática e ciências humanas, além de uma redação. A prova aplicada está disponível para consulta na página da Comvest, e o gabarito será divulgado no decorrer desta semana. O exame foi composto por uma Redação e 50 questões de múltipla escolha, distribuídas da seguinte maneira: Linguagens e códigos (14 questões); Ciências da Natureza (12 questões); Matemática (12 questões); Ciências Humanas (12 questões).

A prova de Redação trouxe duas propostas para que os candidatos escolhessem uma para elaborar. A primeira delas abordou o aumento do consumo de alimentos industrializados e solicitou aos candidatos que elaborassem um depoimento pessoal para uma reportagem, argumentando em defesa da cultura alimentar indígena. Já a segunda proposta trouxe a temática da justiça climática e pediu aos candidatos que redigissem uma carta aberta, a ser publicada em um jornal, explicando porque as pessoas mais vulneráveis socioeconomicamente são as mais afetadas por desastres ambientais.

O diretor da Comvest, José Alves de Freitas Neto, considerou a aplicação do vestibular indígena bem-sucedida. Em relação aos índices de abstenção, o diretor afirmou que, apesar de altos, estão dentro do esperado. “Considerando todas as peculiaridades que envolvem esse vestibular, especialmente a dificuldade que os candidatos têm para chegar aos locais de prova, estamos muito satisfeitos com o resultado”, disse.

Processo formativo

Uma novidade de 2025 é que os estudantes aprovados passarão pelo Programa Formativo Intercultural para Ingressantes pelo Vestibular Indígena (ProFIIVI), aprovado pela Câmara de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Unicamp em maio de 2024. Com duração de dois semestres, o programa tem o objetivo de auxiliar o desenvolvimento dos estudantes antes do ingresso nos currículos da graduação e reduzir a evasão. O percurso formativo será dividido em oito currículos, contemplando quatro áreas: Artes; Ciências Biológicas e Profissões da Saúde; Ciências Humanas; e Ciências Exatas, Tecnológicas e da Terra. Após o cumprimento das atividades do ProFIIVI, os estudantes iniciarão os cursos de graduação para os quais foram aprovados.

No alto, equipe da Comvest (à esquerda) e candidatos entrando nos portões para a realização das provas em Tabatinga/AM (à direita); abaixo, estudantes esperam a abertura das salas em Recife/PE (à esquerda) e realizando o exame em São Gabriel da Cachoeira/AM (à direita)
No alto, equipe da Comvest (à esquerda) e candidatos entrando nos portões para a realização das provas em Tabatinga/AM (à direita); abaixo, estudantes esperam a abertura das salas em Recife/PE (à esquerda) e realizando o exame em São Gabriel da Cachoeira/AM (à direita)

Divulgação dos aprovados

A Comvest irá divulgar a primeira chamada de convocados para matrícula no dia 3 de fevereiro de 2025, em sua página eletrônica. A matrícula dos convocados nessa chamada deverá ser realizada de maneira online, das 9 às 17 horas do dia 4 de fevereiro, pela internet, na página da Comvest. A segunda chamada será divulgada no dia 10 de fevereiro. Estão previstas até cinco chamadas.

Na UFSCar, esta é a 18ª edição da modalidade de ingresso para estudantes indígenas, e, na Unicamp, a sétima. A Unicamp oferece 130 vagas, distribuídas em todos os cursos da Universidade, e a UFSCar oferece até duas vagas, em 65 diferentes opções de cursos.

Diversidade e pertencimento

“Minha avó sempre falava que nossa realidade estava mudando, que agora somos contemplados e seguimos as leis dos ‘jurua’, forma com que nos referimos aos não indígenas. Então, já que estamos na lei, também quero cursar uma faculdade e dar o meu melhor.” O relato de Emile Macena da Silva (19) ilustra os desejos de alguns dos candidatos que prestaram o Vestibular Indígena Unificado na Unicamp.

Natural da Aldeia Rio Silveira, entre as cidades de Bertioga e São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, a jovem Guarani saiu pela primeira vez de sua comunidade para fazer a prova e espera por uma vaga no curso de Ciência da Computação. “Nossa escola indígena está precisando, não temos ninguém formado nessa área ou interessado nela. Quero tentar o curso para depois trabalhar na escola”, conta a jovem.

Atualmente, Emile Silva vive apenas com a irmã mais nova, pois os pais já faleceram. Ela conta que é movida pelo incentivo que recebeu da avó durante a vida. “Penso em minha irmã, e, com a formação, podemos construir uma família.”

Da esquerda para a diretita, as estudantes Nathalye Fuhr (21), Ingrid Mendes de Sá (19) e Emile Macena da Silva (19)
Da esquerda para a diretita, as estudantes Nathalye Fuhr (21), Ingrid Mendes de Sá (19) e Emile Macena da Silva (19)

As jovens Nathalye Fuhr (21) e Ingrid Mendes de Sá (19) também esperam construir seus futuros e o de suas comunidades com a formação universitária. Fuhr veio da Comunidade Pau Brasil, da etnia Tupiniquim, na cidade de Aracruz (ES). Sua primeira opção é o curso de Gerontologia na UFSCar, e a segunda, a graduação em Enfermagem na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “Minha família tem muitos idosos, e os médicos, muitas vezes, não estão preparados. Minha comunidade é muito unida, é uma oportunidade de levar esse conhecimento para lá”, aponta a jovem. “Se eu passar, serei a primeira indígena do território tupiniquim a cursar Gerontologia”, projeta.

Esta é a primeira vez que a candidata presta o Vestibular Indígena Unificado, mas as provas de vestibulares não são uma novidade para ela. “É uma experiência nova, podemos ampliar nosso leque de oportunidades. Em meu estado [Espírito Santo], as vagas para estudantes indígenas são muito limitadas”, conta a vestibulanda, que já tentou vagas em outras universidades e espera conseguir nas instituições de São Paulo.

No caso de Ingrid Sá, a experiência de deixar a comunidade acompanhou um episódio triste da história recente. A estudante da etnia Ticuna vivia na cidade de Benjamin Constant (AM), próximo à tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, e sua mãe trabalhava na unidade da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) do local, até que a comunidade foi impactada pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips em junho de 2022. “Minha mãe trabalhava com Bruno, era amiga dele.” Após o crime, e devido à oportunidade de ela assumir um posto na Funai em Brasília (DF), a família se transferiu para a capital federal. “A capital é muito diferente da Amazônia, mas nos acostumamos. Eu, particularmente, me acostumei bem.”

A jovem tenta uma vaga no curso de Engenharia Ambiental, que vai ao encontro de sua preocupação com os territórios indígenas. “Desde que eu era pequena, ouvia minha mãe falar sobre a importância do cuidado com o ambiente, e a engenharia ambiental tem muita relação com isso.” Apesar da distância entre Brasília e Benjamin Constant, ela conta que mantêm uma relação calorosa com a comunidade. “Mantemos muito contato. Às vezes eles vêm para Brasília, trocamos uma farinha e um açaí (risos), minha mãe também vai para lá por conta do trabalho. Não deixamos nossas práticas de lado.”

1,5 mil estudantes fizeram a prova do Vestibular Indígena Unicamp-Ufscar
Da esquerda para a direita, Fidêncio Mayuruna (20), Tahukula Takai Kuikuro (18) e Marlon Barreto Melo (23)
Colaboração e aperfeiçoamento

A fim de viabilizar a vinda dos candidatos a Campinas, o Coletivo Indígena Ainu da Unicamp se mobilizou para organizar um esquema de recepção. Estudantes que vivem na Moradia Estudantil abriram suas portas para que os colegas pudessem se hospedar. Foi o caso de Fidêncio Mayuruna (20), estudante de Letras, natural de Atalaia do Norte (AM), que recebeu três vestibulandos do Mato Grosso.

Segundo o jovem, ações para o acolhimento dos estudantes, assim como o ProFIIVI, são importantes para que eles se adaptem à nova realidade. “No começo, achei que não era algo tão necessário, mas, com o passar do tempo, percebi que é sim. Tem pessoas que não vivem em cidades, que vêm das aldeias, o choque cultural é muito grande e pode desanimar um pouco”, reflete o estudante, que torce também para seus amigos que prestaram a prova na cidade de Tabatinga (AM). “Espero que eles passem, e possamos ficar juntos.”

Um dos estudantes recepcionados por Mayuruna foi Tahukula Takai Kuikuro (18), natural da cidade de Canarana (MT), na região do Alto Xingu. O jovem enfrentou uma viagem de dois dias para tentar uma das vagas no curso de Pedagogia. “Minha família dá bastante incentivo, principalmente meu pai. Se eu passar, serei o primeiro da minha família a fazer faculdade.”

Entre os candidatos, houve também quem deseja aperfeiçoar os conhecimentos para aproveitar o curso de graduação de forma plena. Marlon Barreto Melo (23) já é estudante de Engenharia de Telecomunicações da Unicamp e tenta o reingresso no curso para poder cursar o ProFIIVI e reforçar sua matemática básica. “Com o novo percurso, vou poder rever coisas que não vi durante o Ensino Médio e, assim, seguir no curso”, comenta.

Melo ingressou pela primeira vez na Unicamp em 2022. De lá para cá, acredita que o suporte oferecido aos estudantes indígenas aumentou de forma significativa, com recursos como o novo ProFIIVI e a atuação de coletivos estudantis. Ele também percebeu mudanças na prova do Vestibular Indígena Unificado, que conta com mais textos, vocabulário e conceitos ligados à cultura indígena. Para o jovem, isso tem o potencial de atrair mais pessoas para a Universidade. “Hoje vejo muitas pessoas da minha comunidade que nunca imaginei ver em uma universidade vindo estudar na Unicamp.”

1,5 mil estudantes fizeram a prova do Vestibular Indígena Unicamp-Ufscar
1,5 mil estudantes fizeram a prova do Vestibular Indígena Unicamp-Ufscar

 

Ir para o topo