Laís Bodanzky exibe filmes, oferece oficinas e traz novos projetos para residência no IdEA
As atividades acontecerão durante dois meses e serão abertas à comunidade universitária, ao público externo interessado em cinema
A premiada cineasta paulistana Laís Bodanzky chega em outubro à Unicamp, como nova artista residente do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), para compartilhar o processo de concepção e de realização de suas produções audiovisuais. As atividades de “O Cinema em Construção: Experiência Criativa com Laís Bodanzky” acontecerão durante dois meses e serão abertas à comunidade universitária, ao público externo interessado em cinema e aos que têm curiosidade de saber como uma obra cinematográfica sai do papel para as telas. A programação prevê a exibição de dois longas-metragens da diretora, produtora e roteirista, além de oficinas com discussões sobre roteiros e sobre os projetos de dois novos filmes que ainda estão em fase inicial.
Uma das mesas terá como tema o papel do som e da música na produção audiovisual, com a participação de profissionais que já colaboraram ou estão colaborando atualmente nos filmes de Bodansky. Além da programação aberta ao público externo, a diretora irá interagir com alunos do curso de Midialogia, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, atuando como tutora em projetos de TV e vídeo dos estudantes, sob a coordenação do professor Gilberto Alexandre Sobrinho.
“O objetivo é desvendar um pouco o processo criativo: como nasce uma ideia, como se traz isso para o papel, como dar essa nova dimensão no papel e, depois, na filmagem, como fazer com que essa nova narrativa chegue até o público. Não é um processo simples, normalmente é um processo de anos, e cada projeto tem sua característica, não tem uma fórmula certa”, afirmou Bodanzky em entrevista ao Jornal da Unicamp.
Nascida na capital paulista, a diretora esteve imersa no ambiente cinematográfico desde criança por ser filha do cineasta, roteirista e fotógrafo Jorge Bodanzky, diretor do longa-metragem “Iracema – Uma Transa Amazônica” (1974). No início da carreira, Laís Bodanzky estudou atuação com o diretor de teatro Antunes Filho (1929-2019), posteriormente cursando cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), onde se graduou em 1995.
O primeiro de seus cinco longas-metragens foi “Bicho de Sete Cabeças” (2001), que obteve reconhecimento de público e crítica ao tratar da temática manicomial e dos abusos cometidos em hospitais psiquiátricos. Sua filmografia inclui também “Chega de Saudade” (2007), “As Melhores Coisas do Mundo” (2010), “Como Nossos Pais” (2017) e “A Viagem de Pedro” (2022).
Para a diretora, as discussões não estarão limitadas ao público ligado exclusivamente à produção de cinema, mas devem atrair também pessoas interessadas em adaptações literárias e nos temas abordados nos roteiros de seus filmes, como relacionamento familiar, espaço da mulher na sociedade e saúde mental. “Bicho de Sete Cabeças” e “Como Nossos Pais” serão exibidos na programação da residência artística do IdEA, no auditório da Associação de Docentes da Unicamp (ADunicamp), que apoia a realização do ciclo.
No dia 17 de outubro, Bodanzky reunirá quatro colegas e parceiros músicos que fazem trilhas sonoras – André Hosoi, BiD, Talita del Collado e Tejo Damasceno –, para discutir a relação entre cinema e música, em um encontro aberto que interessará estudiosos de produção audiovisual e musical, bem como pessoas que não trabalham na área, mas têm curiosidade sobre o tema. “Meu processo criativo, muitas vezes, vem da música. Para que eu possa contar sobre os bastidores da criação, acho muito interessante falar de música. Onde ela inspira? Às vezes, ela vem antes, às vezes, durante, às vezes, depois. Em que momento ela chega e por que ela chega?”
Tampouco é necessário ter uma relação profissional com cinema ou audiovisual para ser selecionado para as 20 vagas das oficinas sobre os novos projetos de Bodansky, que acontecerão em 24 e 31 de outubro, na sede do IdEA. O que é preciso é ter interesse nos temas que serão discutidos ou no fazer cinematográfico.
Uma das oficinas, “Desenvolvimento de Projeto Cinematográfico”, discutirá um projeto sobre o músico Fernando Barba (1971-2021), que cursou música na Unicamp e criou o grupo Barbatuques. Segundo a cineasta, a Unicamp é uma “referência na área musical muito importante no Brasil inteiro”. Quem quiser contribuir para o processo criativo da narrativa desse novo longa-metragem participará de um processo de troca, em que será possível “conhecer a cozinha” da produção.
Um segundo projeto, intitulado “Pano Preto”, já conta com roteiro e tem como tema principal a psicanálise infantil. Por ser um projeto inédito, a diretora ainda não pode dar mais detalhes sobre a produção, e os selecionados para a oficina precisarão assinar um termo de confidencialidade para participar.
Adaptações literárias para o cinema
O convite para Bodanzky participar do Programa “Hilda Hilst” surgiu durante a participação dela na palestra de encerramento da residência artística do escritor Marcelo Rubens Paiva, em dezembro de 2023, no Centro de Convenções da Unicamp. Na oportunidade, ela falou sobre as adaptações literárias para o cinema e os desafios enfrentados em suas experiências de transposições de livros para os palcos e as telas, destacando a participação de Paiva no roteiro inicial de “Bicho de Sete Cabeças”.
Bodanzky tem um currículo amplo nas artes, que inclui experiência no teatro, tendo dirigido montagens das peças “Essa Nossa Juventude” (2005), de Kenneth Lonergan, e “Menecma” (2011), de Braulio Mantovani, aplicando na prática os aprendizados vivenciados sob a orientação de Antunes Filho. “No teatro, tudo que vivi ali com o Antunes foi uma experiência marcante, que pude trazer para o cinema e para o audiovisual: a compreensão da arte como um todo. Apesar de ser segmentada, ela é totalmente holística.” Para Bodanzky, a residência na Unicamp, que permitirá compartilhar seu próprio processo criativo, tem relação direta com esse aprendizado com Antunes Filho.
Por 15 anos, Bodanzky coordenou o projeto “Tela Brasil”, formando público em locais com pouco ou nenhum acesso às salas de exibição em áreas periféricas do Brasil, iniciativa que alcançou mais de 1,5 milhão de pessoas. Segundo a artista, essa ação educativa a levou a ter um olhar diferenciado para a política de cinema, que é uma arte cara e dependente de ações de fomento, como a Lei do Audiovisual, de 1993, e o Fundo Setorial do Audiovisual, de 2006.
Essa percepção, ressalta, foi se construindo desde quando cursava graduação, atuando em coletivos e associações, até chegar à maturidade, como profissional reconhecida e militante do cinema brasileiro. “Sou uma artista, mas com muitas atuações no meu próprio setor, que nasceu ali, naquele momento da faculdade.” Outra experiência que Bodanzky considera relevante em sua carreira foi ter presidido a Spcine, empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo, entre 2019 e 2021, conhecendo demandas desse ecossistema diverso que vão muito além daquelas percebidas pela atividade como diretora, produtora e roteirista. “Minha visão do setor mudou completamente depois que estive de fato desse outro lado, desenhando e pensando políticas públicas. Como cineasta, eu integrava uma parte da indústria, não tinha noção da visão macro do setor. Foi muito importante entender tantos segmentos”, reconhece.
Desde 2019, Laís Bodanzky integra The Academy (Academy of Motion Picture Arts and Sciences), sendo uma das responsáveis pela votação das produções indicadas ao Oscar. A cineasta percebe uma mudança importante de ampliação da abrangência dos votantes da academia, buscando contemplar minorias, regiões e culturas até então sub-representadas, em um processo mais democrático. Apesar disso, critica a escassez de produções da América Latina, não apenas na cerimônia do Oscar, mas em outros grandes festivais internacionais. Esse lugar de votante garante à cineasta a chance de ser espectadora em primeira mão de produções diversas, que ainda não estão nas salas de cinema.
Sobre a possibilidade de o Brasil novamente ter destaque na maior premiação do cinema mundial, Bodanzky prevê boas chances para o longa-metragem “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, apesar de ainda não ter assistido ao drama. “Estou muito otimista de que teremos uma grande visibilidade e uma chance de chegar a ser um dos finalistas, mas é uma estrada grande.”
Bodanzky é a sétima artista a participar do Programa “Hilda Hilst” desde 2018, quando a iniciativa passou a ser coordenada pelo IdEA. Na ocasião, o projeto contou com a participação de outro grande nome do cinema nacional, o diretor paulistano Ugo Giorgetti. “O Cinema em Construção: Experiência Criativa com Laís Bodanzky” está com inscrições abertas no site do IdEA.
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