Especialistas lamentaram, na última sexta-feira (27), a morte de Armando Freitas Filho, aos 84 anos, considerado um dos maiores poetas brasileiros. Paulo Franchetti, crítico literário, escritor e professor aposentado do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, disse que Freitas Filho construiu “uma notável trajetória poética” e que sua obra “permanecerá na memória das próximas gerações”.
Armando Freitas Filho construiu uma carreira de mais de seis décadas. Conquistou o Prêmio Jabuti pelo livro 3×4, de 1985, e o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, a categoria de poesia do Prêmio Literário Biblioteca Nacional, por Fio Terra, de 2000.
A estreia do autor se deu com o livro Palavra, de 1963. Mais tarde, na década de 1970, se aproximou da poesia marginal e tornou-se amigo de Ana Cristina Cesar, a crítica literária, professora e tradutora considerada um dos principais nomes da geração mimeógrafo – uma geração conhecida também como a da poesia marginal da década de 1970. Mais tarde, Freitas Filho viria a organizar a obra de Ana Cristina Cesar, após a morte dela, em 1983.
“Embora nos primeiros livros permanecesse prisioneiro da paronomásia e da aliteração – que constituíram a marca da filiação ao campo das vanguardas da poesia concreta e da poesia práxis –, o poeta foi gradualmente caminhando de volta às dicções maiores de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar”, comenta Franchetti.
“Editor de Ana Cristina Cesar, ouviu também o chamado da poesia de notação existencial e confessional que caracterizou uma tendência da poesia brasileira dos anos 70 e 80”, explica o professor da Unicamp.
No total, o poeta publicou 15 livros. O último, lançado em edição artesanal com somente 20 exemplares, foi Cristina, no qual homenageia sua mulher, Cristina Barros Barreto. À Mão Livre (1979), Duplo Cego (1997) e Raro Mar (2006) também figuram entre seus trabalhos.
Em 2023, o autor reuniu sua obra em Máquina de Escrever, e em 2020, ao completar 80 anos, lançou a compilação de poemas feitos entre 2013 e 2019, intitulada Arremate.
Só Prosa, de 2022, surpreendeu seus leitores. A obra traz textos curtos em que ele aborda temas como a formação literária e a vida no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, onde cresceu.
“Do meu ponto de vista, o momento de estabilização de sua obra, no qual os vários vetores de força se conjugam e se resolvem, é Fio Terra, livro estruturado de modo a potencializar o movimento geral da sua poesia: dissolver a energia bruta captada no registro do quotidiano na energia coletiva da tradição poética”, avalia Franchetti.
“Sua poesia de maturidade, assim, representa uma superação seja da dicção previsível da poesia práxis, seja da dicção lacunar por ausência de estrutura e método, que caracterizou a quase totalidade da chamada ‘poesia marginal’ dos anos de 70 e 80. Por isso mesmo, pela sua exemplaridade, creio que a sua obra poética permanecerá na memória das próximas gerações”, finaliza.
Regularidade da produção
Alcides Villaça, poeta, ensaísta, crítico literário e professor da Universidade de São Paulo (USP), fez uma avaliação sobre a carreira de Freitas Filho – desde os poemas iniciais até os da maturidade.
“A regularidade da produção e da publicação da poesia de Armando Freitas Filho não deixa dúvida quanto à sua motivação vital e permanente de um criador que investiga. Tal impulso se confirma, lendo-se vários de seus poemas, no diálogo mantido entre os parâmetros orgânicos de uma composição disciplinada e as reiteradas obsessões de quem se dispõe, a par de se deixar tocar pelos fatos, a ‘sofrer o livro’”, afirmou.
“Menos que bruscas rupturas internas, há deslizamentos e variações na história constituída pela poesia de Armando Freitas Filho. Ele deseja captar tanto a verdade sólida do corpo como a mobilidade nervosa da especulação autorreflexiva; mas, para reproduzir ambas, vale-se de um espelho – a linguagem – de cuja fidelidade logo desconfia e em cujos limites tanto se compõe como se desfigura”, continua Villaça.
“Dos poemas iniciais, em que o poeta se aproximou da poesia práxis (talvez pela necessidade juvenil de conjugar a rigidez formal e a ideológica), até os versos da alta maturidade, Armando Freitas Filho veio alargando seus ritmos e adensando suas imagens, sem abdicar da atitude do poeta que sofre a criação.”
“Como nos projetos de um [Stéphane] Mallarmé ou um Mário Faustino, tudo poderia se converter em um livro único, contínuo, totalizado em cada fragmento e fragmentado de um Todo. A palpitação dos teclados das máquinas há tempos vem soando como uma imitação de um ritmo que gostaríamos de trazer de cor”, conclui o professor da USP.
Freitas Filho também trabalhou como pesquisador na Biblioteca Nacional e na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), além de ter sido assessor da presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte).