“O que sinto, além de uma grande emoção, é a alegria de que esse título dá uma força maior à História da Arte, campo de pesquisa que ainda é frágil no Brasil. Isso é mais importante que um título pra mim”, disse Jorge Sidney Coli Júnior ao final da cerimônia de outorga do título de professor emérito pela Unicamp, que recebeu nesta segunda-feira (16), em Assembleia Extraordinária, na sala do Conselho Universitário (Consu). Ao lado dos seus familiares de adoção, Glória Nogueira e Felipe Alves de Oliveira, ele acabara de ouvir a Suíte nº 1 de Johann Sebastian Bach para violoncelo, em sol maior – executada em sua homenagem pelo músico Joel Felipe, graduado pela Unicamp, e que encerrou o evento.
Em seu discurso, Coli atribuiu o recebimento do título à generosidade dos colegas da Universidade. “Fiz a carreira que pude fazer graças às contribuições de tanta gente, a quem me cabe agradecer. Em primeiro lugar, aos meus professores”, disse, mencionando a professora de História, História da Arte e Filosofia do Clássico Maria Helena Corrêa Porto de Barros Brotero, do Instituto de Educação Caetano de Campos, na Praça da República, em São Paulo.
O homenageado rememorou diversos professores que foram importantes ao longo de sua vida acadêmica, dentro e fora do país, e estendeu seus agradecimentos a todos os responsáveis pelo encaminhamento da proposta de seu título de professor emérito. Em seguida, agradeceu à sua família de adoção, “especialmente Glória Nogueira, que cuida de mim há 30 anos, e se tornou agora uma brilhante pintora; e Felipe Alves de Oliveira, que há cinco anos vem sendo um arrimo indispensável para minha velhice”. O professor encerrou seus agradecimentos se dizendo não merecedor dos prêmios que recebeu, mas feliz, porque tais prêmios dão força à disciplina pela qual sempre lutou, a História da Arte. “Só tenho um orgulho: meus alunos”, concluiu, sendo demoradamente aplaudido de pé.
Pioneirismo
Professor da Unicamp desde 1985, onde foi pioneiro nos estudos sobre a história da arte brasileira e internacional, Coli criou a disciplina de História da Arte no âmbito dos estudos históricos, ao lado dos professores Luiz Marques e Nelson Aguillar, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Durante a cerimônia, o homenageado não perdeu a oportunidade de expressar seu desejo de um dia criar um departamento para esse campo de pesquisa, um feito que disse “ainda” não ter conseguido.
Sua atuação fora da Universidade também representa uma grande contribuição à sociedade. Foi secretário municipal de Cultura de Campinas na gestão do prefeito Antônio da Costa Santos, ocasião em que promoveu a renovação da Orquestra Sinfônica e do Museu de Arte da Cidade. Foi também membro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado de São Paulo. E, como colunista, escreveu para o jornal Le Monde e ainda escreve para a Folha de S. Paulo e a revista Concerto.
Para o reitor Antonio José de Almeida Meirelles, que fez a entrega do título, as solenidades de premiação lhe dão a oportunidade de conhecer brilhantes histórias acadêmicas que constroem a própria história da Universidade. “Um aspecto comum entre os premiados, além da contribuição à ciência, é a capacidade de falar para a sociedade. Essa é uma característica da carreira do professor Coli: sua fala para fora, como secretário municipal de Cultura, membro de vários comitês e conselhos, e como colunista em jornais, o que permitiu elevar a voz da Universidade”, disse Meirelles.
A proposta para a outorga do título de professor emérito a Jorge Coli nasceu da iniciativa de seus ex-alunos, que escreveram uma carta coletiva, encabeçada pelo professor Martinho Alves Júnior, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e encaminhada ao Departamento de História do IFCH. A carta-proposta foi reiterada pelos professores Rui Luís Rodrigues e Marco Tognon, do IFCH, aprovada pelo Departamento de História e por toda a congregação do Instituto, para ser em seguida aprovada pelo Consu. Como madrinha, Coli convidou a professora Maria Stella Martins Bresciani. “Fiquei contente e honrada de receber esse convite”, disse Bresciani, emocionada.
Referência
Recordando parte da trajetória acadêmica do homenageado, Bresciani lembrou que ele foi o primeiro colocado no concurso de ingresso no IFCH. “Sua tese, Música Final, publicada pela Editora da Unicamp, trouxe importante reflexão sobre as posições estéticas e políticas de Mário de Andrade, que permitiu descortinar uma situação complexa do ponto de vista da semântica musical, sobre questões de ordem política militante do nacionalismo nas artes.”
Segundo a professora, Coli instituiu um campo metodológico e epistêmico e dedicou enorme empenho na formação de uma biblioteca especializada no campo das artes. Foi chefe do Departamento de História e diretor do IFCH. “Vários de seus textos se tornaram referência na história da arte. Ele também me deu total apoio, junto com Marcos do Valle e Doris Catharine Cornelie Kowaltowski, na definição de projeto para criação do curso de arquitetura e urbanismo da Unicamp. Uma lembrança muito especial. Faço aqui apenas um recorte da história de Jorge Coli e agradeço pela honra de ser sua madrinha”, concluiu, passando a palavra a Tognon, que falou em nome de seus colegas e ex-alunos, responsáveis por um vídeo bem-humorado exibido durante a cerimônia, com fotos de Coli desde sua juventude.
A professora Andreia Galvão, diretora do IFCH, compôs a mesa ao lado do reitor e da coordenadora geral da Unicamp, Maria Luiza Moretti. Galvão agradeceu a disponibilidade e o desprendimento de Coli no compartilhamento do seu conhecimento. A professora buscou o memorial apresentado por Coli em seu concurso para professor titular da Unicamp, em 2001, e pinçou frases do próprio homenageado, como esta sobre a ética dos objetos: “O objeto artístico cultural fala a sua língua, e é necessário aprendê-la para com ele dialogar.”
Inquietude
Galvão destacou a inquietude e os deslocamentos de Coli: “Seus interesses vão da filosofia à história, da literatura ao cinema, da pintura à música, passando pela arquitetura e arqueologia. Seus diversos deslocamentos revelam seu espírito inquieto, fascinado pela arte e dedicado a combater certezas ingênuas e reconfortantes.” Essa inquietude, discorreu Galvão, traduziu-se em uma variedade enorme de atividades, entre elas a tradução, a crítica de arte, a curadoria de exposições, a divulgação da produção artística, os textos jornalísticos na grande imprensa e as palestras em renomadas instituições. “Sua disposição para apreender a complexidade dos objetos artísticos fez com que inovasse metodologicamente. Ele contribuiu para formar, difundir e dar cidadania à história da arte no Brasil, preocupado em unir o estudo de excelência com a possibilidade de tornar a arte acessível para o grande público.”
Moretti disse que o vídeo produzido pelos ex-alunos de Coli, com fotos do professor ao longo de sua carreira, foi a mais linda homenagem que ela viu. “O senhor marcou as vidas desses alunos.”
na sala do Conselho Universitário
Destaques da carreira
Coli Iniciou a graduação em Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), interrompeu os estudos durante a Ditadura Militar e foi para a França, onde cursou História da Arte e História do Cinema na Université de Provence, campus de Aix. Na mesma instituição, fez o mestrado em História da Arquitetura. Doutorou-se em Estética pela USP, sob a orientação da professora Maria Sylvia Carvalho Franco. Realizou estágio de pós-doutorado na New York University, nos Estados Unidos.
Enquanto vivia na França, lecionou na Université de Provence, e nas universidades de Toulouse Le Mirail e Paul Valéry, de Montpellier. Foi contratado pela Unicamp em 1985, permanecendo no quadro docente da Universidade até a sua aposentadoria. A partir de então, passou a atuar como professor convidado e colaborador.
Na Unicamp, foi chefe do Departamento de História (1991-1993), coordenador da Biblioteca Octavio Ianni (1996-1997) e diretor do IFCH (2013-2017). Fora da Unicamp, foi professor visitante na Universidad Internacional de Colombia, instituição da qual recebeu o título de professor honorário, e professor convidado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, na Universidade de Osaka, no Japão, na Université Paris I, Panthéon-Sorbonne, onde ofereceu diversos cursos sobre arte brasileira.
Publicou, entre outros, O corpo da liberdade, editado no Brasil por Cosac Naify e lançado posteriormente na França; Atelier de Courbet, pela editora Hazan, na França; Como estudar a arte brasileira do século XIX, pela Editora Senac; A arte da comparação, pela Editora da Unicamp, organizado em colaboração com Mirian Gárate; O que é arte, pela editora Brasiliense.
Coli recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico Zeferino Vaz, da Unicamp; o Grande Prêmio Capes Florestan Fernandes, para o conjunto das áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes, pela orientação da tese de Maraliz Vieira Christo, sobre o quadro “Tiradentes esquartejado”, de Pedro Américo; o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia, conferido pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação Conrado Wessel e pela Marinha do Brasil; e o Prêmio Gonzaga Duque, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, por sua atividade como crítico.