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O docente português Jorge Bento é o terceiro estrangeiro que traz suas contribuições como cientista residente ao IdEA
O docente português Jorge Bento é o terceiro estrangeiro que traz suas contribuições como cientista residente ao IdEA

O conceito do idioma como um elemento que pode unir diferentes culturas na busca por uma integração transoceânica é uma constante na trajetória do português Jorge Olímpio Bento, professor da Universidade do Porto que chega à Unicamp, em setembro, como o novo participante do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente.

Sétimo nome convidado a integrar a iniciativa do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), Bento vai desenvolver o projeto Lusofonia e Universidade: Em Viagem para um Mundo Novo, com três eixos principais: a lusofonia, o esporte e a universidade. Ao celebrar os cinco anos do Programa “Cesar Lattes”, patrono lembrado pelo seu centenário em 2024, o IdEA concentra as atividades em um único mês, descentralizando a programação, com eventos marcados para o campus de Limeira, na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), e para a Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Campinas.

Além de reuniões com docentes, pesquisadores e alunos, a residência científica contará com três palestras do professor português. A programação será aberta, no dia 13 de setembro, às 10h, no Auditório Raízes do Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizado (EA²) da Unicamp, com a palestra “Lusofonia, bússola para outros futuros possíveis”. Nela, Bento deve discorrer sobre o papel da cooperação entre os países lusófonos na busca por alternativas para o desenvolvimento humano, econômico e social.

No dia 16, às 14h30, na Faculdade de Educação Física (FEF), o pesquisador abordará o tema “Esporte, sociedade e futuro”, também no contexto de oportunidades e desafios no caso dos países de língua portuguesa.

O último evento, no dia 25, às 14h, ocorrerá em Limeira, na FCA, onde o professor português fará uma palestra sobre a importância da preservação do papel civilizatório das instituições de ensino superior em tempos de múltiplas crises, sob o título “Nossa Casa Comum em Mares Revoltos: que papel cabe à universidade?”

O docente português é o terceiro estrangeiro que traz suas contribuições como cientista residente ao IdEA, depois do italiano Francesco Vissani e do estadunidense David Konstan (1940-2024), contemplando uma gama de assuntos que incluem a física, a história da ciência, os estudos clássicos, a engenharia elétrica e a astronomia.

Peregrinações pelo Brasil

Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Bento lembra que, em meados dos anos 1980, esteve no Brasil pela primeira vez quando recebeu um convite para participar de um congresso em Santa Catarina. A construção dessa relação agora longeva parecia improvável naquele momento, quando as notícias que chegavam à Europa eram de um Brasil em crise econômica e assolado pela violência. Antes dessa visita inicial, a ligação do pesquisador com o país remetia a décadas anteriores ao seu nascimento, em 1946, pois seus avós e sua mãe haviam imigrado para o Estado de São Paulo, onde viveram por um período, no início do século XX.

Graduado em educação física, em 1972, pelo Instituto Nacional de Educação Física (Inef) de Lisboa e doutorado em pedagogia, em 1982, pela Ernst-Moritz-Arndt-Universität de Greifswald (Alemanha), Bento lecionou na Universidade do Porto a partir de 1976.

Nessa instituição, a convite do reitor Alberto Amaral, foi o assessor responsável pelo projeto de integração com os países lusófonos, principalmente o Brasil, missão que conduziria a carreira de Bento nas décadas seguintes. Vinculado à Faculdade de Desporto, que dirigiu entre 2000 e 2016, tornou-se pró-reitor de relações internacionais entre 1995 e 1998, aprofundando seu trabalho de integração lusófona. Em suas viagens pelas Américas, Ásia, África e Oceania, conheceu dezenas de países e foi homenageado com título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pela Kasetsart University (Tailândia).

O começo dessas peregrinações pelo Brasil, tendo o esporte como propulsor de integração, viu-se marcado, no espaço universitário, por um obstáculo inicial que Bento define como “aversão à técnica”. Segundo o estudioso, no momento de redemocratização brasileira, assim como após a Revolução dos Cravos, em 1974, a intelectualidade olhava o desporto com um viés depreciativo, como algo associado aos regimes ditatoriais recém-finados e ao capitalismo. Essa impressão, afirma, foi se dissipando com o passar do tempo, superando-se o que ele considerava uma “infantilidade”.

Recebendo na Universidade do Porto muitos estudantes de língua portuguesa, majoritariamente do Brasil e de Moçambique, foi natural o processo de aproximação com a comunidade lusófona.

“Em todas essas errâncias, comecei a fazer reflexões que ligavam o desporto à lusofonia. Portanto, perceber como o desporto impactava a lusofonia ou como ela se refletia no desporto”, explica. “A minha formação na Alemanha teve uma grande vantagem, que foi de me emprestar a consciência de uma visão cultural das coisas, que o particular só se consegue justificar à luz do geral, à luz daquilo que é abrangente. Portanto, procurei sempre fundar cultural, filosófica e axiologicamente o desporto.”

Daí surgiu a ideia de escrever o livro Desporto e Lusofonia: um traço de união, publicado em 2006 pela Editora da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (Fadeup), uma das mais de 40 obras que lançou no Brasil, em Portugal e na Espanha. Essa convergência, aponta Bento, pode ser exemplificada na paixão que mobiliza torcedores além das fronteiras. Como exemplos, cita o interesse despertado pelo campeonato português de futebol em lugares como Goa, na Índia, ou em Malaca, na Malásia, que têm comunidades de descendentes de portugueses. Ou mesmo na curiosidade de torcedores de Portugal e Timor Leste com o desempenho da seleção brasileira de futebol nas várias edições da Copa do Mundo.

Como era convidado frequentemente a dar aulas e palestras também em Moçambique, começou a refletir sobre o contexto social a partir do esporte. “Essa foi uma ligação que, para mim, tem sido muito enriquecedora e que vou procurar partilhar com as pessoas. As pessoas não sabem o que perdem por não se conhecerem melhor umas às outras e por não perceberem o quanto somos queridos uns aos outros em toda a parte”, lamenta. “Mais gente tem que partir para essas aventuras, de uma importância muito grande. São bandeiras que se vão cravando, são relações que vão se estabelecendo e, de repente, nosso sentimento de pátria que vai se alargando, se multiplicando.”

De acordo com Bento, a comunidade lusófona não se agrega pelo esporte, mas as práticas esportivas podem contribuir para aproximar esses países. O pesquisador cita como exemplo a realização dos Jogos da Lusofonia, primeiramente em 2006, em Macau, reunindo mais de 700 atletas de 12 países e territórios de quatro continentes. Esse campeonato esportivo com atletas pré-olímpicos contou com mais duas edições, em Lisboa (2009) e Goa (2017). O professor lembra ainda dos Jogos Desportivos Luso-Brasileiros, que ocorreram entre as décadas de 1960 e 1970, além dos Jogos Desportivos dos Países de Língua Portuguesa, reunindo, desde 1992, alunos secundaristas de diversos países que têm o português como língua comum.

“Nós precisamos reforçar os instrumentos que levem a constituir esse tipo de unidade. Assim como também deveria haver jogos universitários da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, sugere o professor. Na área acadêmica e científica, Bento cita o êxito do Congresso de Ciências do Desporto e Educação Física dos Países de Língua Portuguesa, que chega à 20ª edição em março de 2025, a ser sediada na Unicamp.

“Momentos politicamente conturbados”

Apesar do otimismo, o docente do Porto reconhece haver dificuldades, além do esporte, para a integração da CPLP, tais as que classifica como “momentos politicamente conturbados”. “A situação política no Brasil não é uma situação que podemos dizer consolidada, não há um rumo consolidado que aponte para um futuro de acordo com nossos anseios, de natureza cultural. O mundo está conturbado, as relações políticas estão muito complicadas, a Europa está numa situação muito difícil, mas não vale a pena escamotear ou pelo menos tentar negar que o mundo está em uma grande mudança e que se dividiu.”

A nova configuração geopolítica mundial, que caminha para uma multipolaridade e o fim da hegemonia do Ocidente, estima Bento, pode fortalecer essa aproximação, principalmente dos países do Hemisfério Sul, impondo um papel de protagonismo a nações como o Brasil e a África do Sul, além da China e da Índia.

No começo dos anos 2000, como consequência da reforma universitária decorrente do Processo de Bolonha, assinado em 1999, Bento se opôs ao movimento que tinha a internacionalização e a homogeneização dos currículos como mote, na busca de uma maior integração e de um intercâmbio entre estudantes do continente europeu. “Eu percebi que a universidade estava a ser capturada pelo neoliberalismo, em todo o mundo, com rankings e avaliações.”

Na Universidade do Porto, conseguiu reunir 11 dos 14 diretores das faculdades contra essa “involução” no ambiente universitário. Para Bento, entretanto, esse movimento político foi desgastante e causou turbulências e desequilíbrios em seu ambiente acadêmico. Discutir as crises contemporâneas que afetam as universidades e o papel que devem exercer nesse cenário é parte importante da programação no IdEA. As inscrições para as atividades da residência científica Lusofonia e Universidade: Em Viagem para um Mundo Novo já estão abertas no site do IdEA.

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