A formalidade da sessão solene de outorga do título de professor emérito da Unicamp ao biólogo, ecólogo e fotógrafo Thomas Michael Lewinsohn, do Instituto de Biologia (IB), nesta quarta-feira (28), foi dissipada pela emoção do homenageado, que contagiou os presentes, entre eles amigos, alunos, ex-alunos e familiares. “Receber esse reconhecimento institucional faz você repassar a carreira inteira, depois de se reexaminar criticamente como cientista ao longo da vida”, disse Lewinsohn, que afirmou não ter perdido a curiosidade infantil que o fazia observar, durante horas, os bichos nos cantos das pedras da praia de Icaraí, em Niterói, sua cidade natal.
O professor resumiu sua longa trajetória para além de seu currículo Lattes, recordando o que chamou de “sinuosos caminhos sem registros”. Também destacou as mudanças na Ecologia nas últimas décadas e como a sociedade passou a demandar mais da área. Ao mencionar o Massacre de Manguinhos, em 1970, quando dez cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC, atual Fiocruz) foram afastados por aposentadoria compulsória pelo governo militar, o homenageado não conteve as lágrimas. Antes de cursar Biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lewinsohn fez estágio aos 15 anos, entre 1968 e 1969, na Seção de Helmintologia do IOC, quando conviveu com vários dos cientistas cassados..
Outros percalços levaram-no a abandonar a Biologia em meio à graduação na UFRJ, para dedicar-se à fotografia. Após dois anos, na Venezuela, um congresso de Ecologia Tropical firmou sua inclinação por essa área, ainda incipiente no Brasil. De volta ao Rio de Janeiro, conheceu sua companheira e veio para Campinas cursar o mestrado na primeira turma da Pós-Graduação em Ecologia da Unicamp, sob orientação de Woodruff Benson. Em 1980, já era professor do IB, onde também fez seu doutorado e se aposentou em 2016. Hoje segue ativo como pesquisador colaborador da Unicamp e como bolsista de produtividade Sênior do CNPq, desde 2021.
Entre outubro e novembro deste ano, Lewinsohn coordenará a Escola São Paulo de Ciência Avançada “Co-desenhando avaliações de biodiversidade”, financiada pela Fapesp, que reunirá produtores e aplicadores do conhecimento sobre biodiversidade para discutir maneiras de produzir informações factíveis e mais efetivas para embasamento de políticas públicas.
Missão do professor: fazer se apaixonar
“O professor Thomas Lewinsohn é um exemplo de vida e de paixão pelas artes e pela ecologia”, disse a coordenadora-geral da Unicamp, Maria Luiza Moretti, que presidiu a Assembleia Extraordinária do Conselho Universitário (Consu) e fez a entrega do título, representando o reitor Antonio José de Almeida Meirelles. Lewinsohn disse ter aprendido com seus mestres, entre eles o professor Hermógenes de Freitas Leitão Filho, sobre a paixão pelo conhecimento.
“Mais do que ensinar, o professor deve fazer a pessoa gostar de alguma coisa, fazer o outro se apaixonar”, afirmou o ecólogo, que também destacou a importância de dois professores do IB em sua formação, George Shepherd e Woodruff Benson, ambos presentes na solenidade, além de citar outros professores já falecidos, entre os quais Hermógenes Freitas Leitão Filho e Daniel Hogan. Também participaram da cerimônia presencialmente diversos colegas da Unicamp, como os professores Simone Vieira e Carlos Alfredo Joly, do IB, e Paulo Dalgalarrondo, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
Contribuição à ciência
A proposta da homenagem a Thomas Lewinsohn foi feita pela professora Antonia Cecília Zacagnini Amaral e foi aprovada pelo Conselho do Departamento de Biologia Animal, pela Congregação do IB e pelo Consu. Além da presidente da sessão, compuseram a mesa da solenidade o diretor do IB, Hernandes Faustino Carvalho, e o padrinho do homenageado, seu ex-orientando Rafael Loyola, que recebeu, juntamente com seu orientador, o Grande Prêmio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de melhor tese da área de Ciências Biológicas e Médicas. Loyola é professor licenciado da Universidade Federal de Goiás (UFG) e diretor do Instituto Internacional de Sustentabilidade, no Rio de Janeiro.
“Não tenho muito a acrescentar sobre o brilhantismo de Thomas. Eu o ouvi pela primeira vez em uma palestra durante um congresso e fiquei com uma sementinha, que acabou dando origem ao 1º Simpósio de Ecologia Teórica”, lembrou Loyola, que também se emocionou enquanto proferia sua fala no evento. “Foi um privilégio ter feito doutorado com ele.”
Em sua fala à mesa, Carvalho destacou a contribuição universal de Lewinsohn à ciência, e não apenas à Universidade. Na extensa relação de feitos e de reconhecimento do cientista, há a homenagem que recebeu com o nome de novas espécies, o besouro Anthonomus lewinsohni e a planta asterácea Minasia lewinsohnii, e do novo gênero de mosca de fruta Lewinsohnia.
Lewinsohn fez seu pós-doutorado no Center for Population Biology do Imperial College, na Inglaterra, de 1990 a 1992. Foi um dos pesquisadores brasileiros pioneiros em investigar a organização espacial e funcional da biodiversidade e a formular o conceito de diversidade de interações, que pesquisou em um dos primeiros projetos temáticos do Programa Biota-Fapesp, a partir de 1998. Lewinsohn considera esta uma de suas mais importantes contribuições à ciência e sente-se muito feliz de ter integrado o projeto. Foi pioneiro também em aplicar a teoria de redes complexas para entender a estrutura de comunidades ecológicas.
Sua produção científica compreende mais de 100 publicações, incluindo 96 artigos científicos, seis livros como autor e/ou organizador e 17 capítulos de livros. Entre os artigos em periódicos referendados, 11 artigos têm mais de 100 citações, em sete dos quais é primeiro autor ou sênior. Seu Índice H é 31 na Base Web of Science (4105 citações) e 34 na Base Scopus (4505 citações).
Como orientador, formou 15 mestres e 10 doutores no programa de pós-graduação em Ecologia, além de ter orientado três teses no doutorado em Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) e supervisionado seis pós-doutorados. A trajetória de Lewinsohn na Unicamp inclui atividades didáticas, de pesquisa e de extensão nas áreas de interações insetos plantas, ecologia de comunidades, biodiversidade e conservação.
Da arte à ciência
“A carreira do Thomas (Lewinsohn) tem rigor científico e se caracteriza pela diversidade, porque ele também trabalha com a arte”, define a jornalista Graça Caldas, esposa do professor emérito. Além de sua carreira como ecólogo, ele foi fotógrafo profissional nos anos 1970, nas áreas industrial, científica e didática (livros de Ciências). Participou do projeto Circumambulatio, com a artista plástica Anna Bella Geiger, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, em 1972.
Também a partir de setembro, Lewinsohn fará uma exposição fotográfica individual em Barão Geraldo, no Instituto Pavão Cultural: “Entre Marés”, de 21/9 a 19/10. Caldas lembra ainda a incursão do marido na música. O professor estudou flauta doce com Theresia de Oliveira, do grupo Fontegara. Ela menciona também a feliz parceria dele com a filha. Ele traduziu do alemão o livro infantil A notável história do homem listrado, que sua tia Fayga Ostrower escreveu para seu irmão mais velho, Lars Peter, já falecido. Produzido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) por sua filha Ana, o livro ganhou o prêmio Jabuti de melhor ilustração em 2023.
A ciência e arte em família
O título de professor emérito outorgado ao professor Lewinsohn foi o 68º concedido pela Unicamp, desde sua criação, em outubro de 1985. Thomas Michael Lewinsohn nasceu em 1952 em Niterói. Sua família fugiu do nazismo.
Erwin Lewinsohn, seu pai, era técnico de nível superior em ferramentaria e eletrotécnica, formado na Alemanha. No Brasil, trabalhou como mecânico de automóveis e gerenciou uma fábrica de cimento Mauá. Sua mãe, Rachel Lewinsohn, nasceu na Polônia e cresceu na Alemanha e na Bélgica. Tinha 12 anos quando chegou ao Brasil. Aos 45 anos concluiu o Ensino Médio e em seguida ingressou em Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF). Fez mestrado e doutorado na Inglaterra e foi professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, de 1982 a 2000, onde criou a disciplina de História da Medicina.
Há outras ligações da família com a Unicamp. A Editora da Unicamp republicou vários livros de sua tia Fayga Ostrower, famosa artista plástica e educadora, e a biblioteca e correspondência de seu tio Heinz Ostrower com fiolósofos e historiadores alemães foi doada ao Arquivo Edgard Leuenroth.