O alto custo e o longo tempo que demandam as pesquisas representam desafios da área de descoberta de novos fármacos apontados por Mário Bengtson, pesquisador principal do Centro de Química Medicinal (CQMED) e professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, atuante na área de descoberta de novas drogas, e Ronaldo Pilli, professor do Instituto de Química (IQ) da Universidade com experiência em fármacos. No ritmo atual e com a metodologia usada, ainda seriam necessárias muitas décadas de pesquisa até se encontrar moléculas para todos os alvos do genoma com potencial terapêutico. Isso sem contar que as causas e os mecanismos moleculares de muitas doenças ainda são desconhecidos, dificultando o entendimento sobre como selecionar alvos potencialmente promissores. E muitas doenças são causadas por diferentes fatores, ou seja, mais de um alvo está relacionado à enfermidade e uma molécula capaz de modular apenas um alvo é insuficiente para tratá-la.
Muitas estratégias têm sido desenvolvidas para acelerar a descoberta de novos fármacos, algo possibilitado pelos avanços tecnológicos em biologia molecular e computacionais. Diversas abordagens para rastrear novas moléculas, entender sua interação com os alvos e testar sua eficiência em ensaios bioquímicos e celulares estão disponíveis em laboratórios de pesquisas em química medicinal. Katlin Massirer, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e coordenadora-geral do CQMED, explica que o Centro possui uma plataforma para produzir as proteínas-alvo e encontrar moléculas candidatas a fármaco, usando diferentes técnicas de análise.
Outra tendência que pode possibilitar avanços na descoberta de novas moléculas vem da inteligência artificial. Pilli considera que essas ferramentas podem ser muito úteis para acelerar as pesquisas. “A inteligência artificial pode reduzir o tempo da exploração de um novo fármaco em laboratório até sua disponibilidade nas farmácias porque ela tem a capacidade de buscar informação muito mais rapidamente do que a gente teria sem ela”, comenta. Um dos exemplos no qual a inteligência artificial tem potencial de ajudar no desenho de novos fármacos é a previsão da estrutura tridimensional de proteínas. Embora nas últimas décadas tenha se avançado consideravelmente no conhecimento das proteínas humanas, muitas ainda não possuem, nos bancos de dados, suas estruturas 3D determinadas experimentalmente. Essa informação revela-se importante para entender melhor o funcionamento da proteína, prever as interações moleculares e auxiliar no desenho de fármacos com encaixes específicos.
Todavia, embora estejam aparecendo inúmeras técnicas promissoras, nenhuma é isoladamente suficiente para identificar uma molécula candidata a fármaco. “Cada uma dessas ferramentas traz vantagens e desvantagens. A combinação de técnicas é certamente o melhor caminho, possibilitando gerar dados mais robustos em busca de acelerar o processo e reduzir seu custo”, afirma Massirer.
Da bancada à prateleira da farmácia
As fases de desenvolvimento de um novo fármaco mostram-se dispendiosas e complexas. A primeira etapa, a pesquisa básica, é a descoberta de moléculas com potencial terapêutico e seu aprimoramento por meio de modificações químicas que deverão aumentar a especificidade e potência contra o alvo desejado, reduzir a toxicidade e permitir que as moléculas sejam bem absorvidas e metabolizadas pelo organismo. Após essa fase, as moléculas candidatas passam por testes em ensaios pré-clínicos, usando animais como camundongos e coelhos. Se bem-sucedidas nesses testes, demonstrando eficácia e segurança, as moléculas seguem para os ensaios clínicos em seres humanos.
A cada fase, os custos aumentam. Testar drogas em seres humanos exige médicos, enfermeiros e leitos de internação que encarecem as pesquisas, por isso faz-se necessário que o estudo inicial seja bem conduzido e que apresente resultados promissores antes de seguir para as próximas fases. Estima-se hoje que da bancada do laboratório à prateleira da farmácia o custo de um medicamento pode facilmente passar de US$ 1 bilhão e o processo todo, levar, em média, de 10 a 15 anos. Os custos são altos, mas a indústria farmacêutica vem se saindo bem ao investir em novos fármacos. Segundo o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2022 no Brasil, o faturamento do setor chegou a R$ 131,2 bilhões.
O caso da aspirina
Patentes do final do século 19 inauguraram a época moderna do desenvolvimento de novos medicamentos, e a história da aspirina ilustra o início das sínteses de moléculas terapêuticas em laboratório. Há milênios já se conheciam as propriedades medicinais das cascas do salgueiro, fonte natural de ácido salicílico. Seu uso está registrado em papiros do Antigo Egito datados de 1500 anos antes de Cristo. Somente no século 19, porém, identificou-se a molécula responsável por essa propriedade medicinal, o ácido salicílico. No entanto a substância, apesar de sua eficiência para aliviar dores, febres e inflamações, também causava desconforto estomacal. A empresa Bayer melhorou a eficiência do ácido salicílico ao adicionar na estrutura química da molécula um grupo acetil, diminuindo seus efeitos adversos. A aspirina, ou ácido acetilsalicílico, representa um dos primeiros medicamentos da história totalmente sintetizado em laboratório, sendo um marco importante da química medicinal e da indústria farmacêutica.
Mais de 70 anos após seu registro como medicamento, a aspirina teve seu mecanismo de ação entendido pelos cientistas. Ao entrar no organismo, o ácido acetilsalicílico se liga a uma enzima chamada ciclooxigenase, responsável pela formação de prostaglandinas, que causam dor, e inibe a atividade dessa enzima. Muitos dos medicamentos conhecidos trilharam um caminho semelhante ao da aspirina: uma origem em fontes naturais que foram investigadas até o isolamento da molécula responsável pela ação desejada.
Existem duas formas principais de se encontrar novos fármacos. A primeira é a triagem fenotípica, quando as moléculas investigadas causam algum efeito observável no organismo, tecido ou célula. No caso do ácido salicílico, o efeito podia ser observado nos seres humanos sofrendo com dores que o usavam. A segunda forma de encontrar um novo fármaco surgiu na década de 1970, quando os avanços científicos e tecnológicos permitiram adotar a estratégia de descoberta baseada em alvos específicos. “De modo geral, é quase que o inverso do processo anterior. Ao invés de partir de um extrato com propriedades desejáveis e seguir a investigação até se conhecer qual a molécula responsável e como ela age no organismo, os pesquisadores da área de descoberta de drogas partem de um alvo biológico, que pode ser uma proteína ou uma enzima envolvidas em algum processo de doença, e investigam as moléculas capazes de interagir e modular a atividade desse alvo”, explica Bengtson.
A dificuldade da investigação a partir de um alvo específico é a necessidade de um conhecimento avançado da biologia da doença estudada para selecionar os alvos mais promissores, o que demanda envolver pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como biólogos, farmacêuticos, químicos, biomédicos e bioquímicos. Pill afirma: “A descoberta de novas moléculas de uso terapêutico é uma área na qual você precisa do esforço e da participação de profissionais pesquisadores com diferentes formações. Nenhum grupo sozinho, com uma única especialidade, vai conseguir levar à frente o esforço necessário para a descoberta de um novo fármaco”.