Uma produção jornalística audiovisual da Secretaria Executiva de Comunicação (SEC) da Unicamp retratou o trabalho de escavações arqueológicas realizado em uma sede do extinto Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), local onde, estima-se, mais de 7 mil sequestrados políticos experimentaram tempos de tortura e horror. O complexo de cinco prédios, tombado em 2014 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado de São Paulo, funcionou de 1969 a 1983 como órgão de repressão da ditadura militar.
O resultado é o documentário Arqueologia no DOI-Codi: rompendo o silêncio, que estreou na quarta-feira (13), no canal do YouTube da TV Unicamp. A produção integra uma edição especial do Jornal da Unicamp sobre os 60 anos do golpe militar que será lançada no dia 18 de março, exclusivamente em formato online.
Na elaboração do documentário, as equipes da SEC colheram depoimentos dos sequestrados políticos e acompanharam as escavações conduzidas por pesquisadores da Unicamp, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entre os dias 2 e 14 de agosto do ano passado, no prédio do DOI-Codi situado na Rua Tutóia, 921, bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo.
O vídeo exibe, em 53 minutos e 11 segundos de duração, o trabalho de busca dos pesquisadores por vestígios materiais e indícios da passagem das vítimas da repressão pelo local, como inscrições nas paredes, objetos pessoais e registros em papel, fundamentais para manter viva a memória sobre as atrocidades do regime militar.
“Durante a gravação dos trabalhos de escavação, o barulho das britadeiras foi uma constante. Isso inspirou parte do título do DOC, ‘rompendo o silêncio’. O som das britadeiras incomoda, é chato. Mas, ao mesmo tempo, dada a gravidade daquele período, somente por meio dele podemos escancarar aquilo que até hoje, 60 anos depois, ainda é negado”, afirma a jornalista da SEC Hebe Rios, que participou do trabalho de reportagem e edição do documentário.
O filme também apresenta a visita de um grupo de sequestrados políticos ao Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP) da Unicamp no dia 4 de março deste ano, quando conheceram os resultados preliminares das escavações arqueológicas. Utilizou-se o termo “sequestrados políticos” para se referir às pessoas que passaram pelo DOI-Codi. As vítimas de encarceramento arbitrário e de tortura alegam não poder serem chamadas de ex-detentos(as) porque o órgão de repressão atuava clandestinamente.
“Com o trabalho realizado, foi possível ter a dimensão de que no meio de São Paulo está um prédio onde aconteceram vários casos de tortura, onde estavam instalados paus-de-arara, máquinas de choque. Enfim, o mais impactante é imaginar, por exemplo, que, em uma daquelas salas, possivelmente, foi feita a foto do Vladimir Herzog morto”, diz o jornalista da SEC Felipe Mateus, que acompanhou o primeiro dia de escavações e integrou a equipe de reportagem e edição do documentário.
O Jornal da Unicamp e o Portal da Unicamp realizaram uma série de reportagens sobre os trabalhos no DOI-Codi:
Escavações e análise forense buscam vestígios da repressão e da resistência
Escavações arqueológicas buscam vestígios da repressão no DOI-Codi)
As escavações no local ficaram a cargo, em parte, de uma equipe de arqueologia da Unicamp, ligada ao LAP, sob coordenação da professora Aline de Carvalho. Na UFMG, a coordenação das escavações coube ao professor Andrés Zarankin. A professora Cláudia Plens, da Unifesp, foi responsável pela equipe de arqueologia forense. A análise dos vestígios, em um total de mais de 800 fragmentos recolhidos, contribuirá para a reconstituição da memória do período, com a expectativa de que, futuramente, tais materiais integrem o acervo de um memorial a ser instalado no local. A criação do memorial é, atualmente, objeto de uma ação civil pública.
O jornalista Kleber Casablanca, um dos editores do filme, explica que o documentário dá concretude a uma parte da história que não deve ser esquecida. “O trabalho de escavação, de obter esses materiais, como, por exemplo, uma meia-calça, frascos de perfume e fichas técnicas, confirma, materialmente, todas as informações colhidas em depoimentos e livros, não deixando dúvidas sobre o que aconteceu.”
O documentário conta ainda com a participação do professor e historiador Paulo Funari, que contextualiza o período da ditadura militar (iniciado com o golpe de 1964), ressaltando o quanto há ainda por conhecer sobre esse período da história brasileira passados 60 anos da instauração daquele regime.
As escavações inserem-se no âmbito de atuação do Grupo de Trabalho Memorial DOI-Codi, que envolve organizações de defesa dos direitos humanos, o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) do Condephaat. A coordenadora do projeto é a historiadora da UPPH Deborah Neves.
Arqueologia no DOI-Codi: rompendo o silêncio contou com reportagem e edição de Hebe Rios e Felipe Mateus; edição de imagem de Kleber Casabllanca e Diohny Andrade; imagens de Marcos Botelhos Jr., João Ricardo Boi, Kleber Casabllanca e Diohny Andrade; fotos de Antonio Scarpinetti e Felipe Bezerra; animações de Rafaela Repasch; trilha sonora com contribuição de Lucas Damasceno; e apoio técnico de Alvaro Godoi. A coordenação do trabalho foi de Patrícia Lauretti.