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Para a realização do projeto, os pesquisadores contarão com a parceria da Mahindra, uma grande empresa indiana do setor de máquinas agrícolas que emprestou um trator modelo 6060, com potência de 57 horsepower (HP, ou cavalo-vapor, equivalente a 42 kW)

Um projeto da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp e do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) busca ampliar a eficiência de máquinas agrícolas e a inserção de pequenos agricultores no universo das tecnologias digitais. Sob orientação da professora Barbara Teruel, a iniciativa está em sua fase inicial e será desenvolvida por estudantes de pós-graduação e graduação do Laboratório de Agricultura Digital e Energia (Lade). Para a realização desse projeto, os pesquisadores contarão com a parceria da Mahindra, uma grande empresa indiana do setor de máquinas agrícolas que emprestou um trator modelo 6060, com potência de 57 horsepower (HP, ou cavalo-vapor, equivalente a 42 kW).

Daniel Zacher, doutorando ligado ao projeto, realizará diversos experimentos para avaliar o desempenho mecânico do trator e a presença de gases poluentes resultantes da queima de diferentes combustíveis, com novas alternativas de biocombustíveis. Para isso, misturas com diferentes porcentagens de diesel de origem fóssil e de fontes renováveis serão testadas. Zacher é engenheiro mecânico de formação com experiência profissional em certificação de máquinas para garantia de conformidade das normas técnicas nacionais e internacionais. E também é fundador e atua como diretor-geral da Tekter Consultoria, empresa-filha da Universidade junto à Agência de Inovação Inova Unicamp.

Nessa parte do projeto, será utilizado um novo biocombustível chamado BeVant, da empresa brasileira Be8, apresentado em outubro de 2023 como uma opção superior ao biodiesel e mais barato que o óleo vegetal hidrotratado (HVO, na sigla em inglês; esse óleo é conhecido como o diesel verde). A ideia é avaliar a concentração de gases como monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), hidrocarbonetos (HC) e óxidos de nitrogênio (NOX) exalados durante ensaios de laboratório. Essa medição será feita com auxílio de um equipamento chamado Portable Emissions Measurement System (Pems), modelo OBS-One, da indústria japonesa Horiba, outra parceira do Lade e do CPTEn.

Conforme lembra o pesquisador, o Brasil tem um histórico de leis nessa área desde a década de 1970, época do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que apostou na produção desse combustível de origem vegetal e menos poluente que a gasolina por ter um ciclo neutro de carbono. Em meados da década de 1980, em vista da preocupação crescente com a poluição causada pelos veículos automotores, foi publicada, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a resolução nº 18/1986, posteriormente Lei nº 8.723/1993, configurando o Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve). No entanto, somente com outra resolução do Conama, a nº 433/2011 (em vigor desde 2015), foram incluídos limites máximos de emissão de poluentes para o maquinário agrícola (dentro da fase MAR-1).

Mais recentemente, a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio), instituída pela Lei nº 13.576/2017, representou um avanço na transição energética brasileira, em busca de uma economia de baixo carbono. Atualmente a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por meio da resolução nº 920/2023, exige uma porcentagem mínima de 12% de biodiesel na mistura de combustível, podendo alcançar 15%. Existem perspectivas, no entanto, de esse valor atingir 25% futuramente, segundo declaração do ministro de Minas e Energia do país, Alexandre Silveira, durante a COP28, em Dubai.

Uma vantagem apontada por Zacher é que esse novo biocombustível poderia substituir o diesel sem necessidade de haver grandes adaptações nos motores. Considerando que a modal rodoviária é a principal do país, o BeVant também poderá ser utilizado em outros tipos de transporte de carga, como caminhões e ônibus, e na construção civil, além de poder alimentar geradores, equipamentos cruciais em comunidades isoladas das redes tradicionais de transmissão de energia.

Homens e máquinas

Outra etapa importante do projeto envolve a criação de uma Interface-Homem-Máquina (IHM), ou seja, um dispositivo eletrônico portátil de fácil utilização, a ser instalado em tratores, com o propósito de melhorar a interação entre o operador e a máquina. Utilizando uma combinação de hardware avançado, como o ESP32 e o minicomputador Raspberry Pi, junto com softwares de código aberto, como o Node-Red, o sistema oferece uma tela sensível ao toque. Ao fornecer para o usuário dados em tempo real sobre o desempenho do trator, incluindo consumo de combustível, rotações por minuto do motor, marcha atual, torque e potência estimados, a interface ajudará a compreender como os vários modos de operação da máquina afetam esses parâmetros críticos.

Essa fase deve ser levada a cabo por Fernando Finger, engenheiro eletricista, com ênfase em eletrônica e mestrando ligado ao projeto. De acordo com o pesquisador, a aquisição e o registro dos dados operacionais ajudarão não somente na criação de um histórico do funcionamento do trator, como na formulação de índices que auxiliem a tomada de decisão, reduzindo inclusive paradas por quebra. Dessa forma, possibilitará uma operação mais eficiente, econômica e ajustada às necessidades do trabalho agrícola. Os primeiros experimentos já tiveram início e contam também com a participação de Rodrigo Munuera, estudante de Engenharia Agrícola e pesquisador de iniciação científica. Futuramente haverá ainda o desenvolvimento de um sistema de quantificação e detecção de poluentes e de gases de efeito estufa (GEE) contidos na exaustão do motor do trator, por meio de imagens térmicas e inteligência artificial.

Da esquerda para a direita, o engenheiro eletricista Fernando Finger, a orientadora do projeto, professora Bárbara Teruel, o doutorando Daniel Zacher e o estudante de Engenharia Agrícola Rodrigo Munuera
Da esquerda para a direita, o engenheiro eletricista Fernando Finger, a orientadora do projeto, professora Bárbara Teruel, o doutorando Daniel Zacher e o estudante de Engenharia Agrícola Rodrigo Munuera

Por um campo digital

A atividade agropecuária é uma das grandes emissoras dos GEE. Entre 1990 e 2017, houve um aumento de 1,37% ao ano na contribuição de emissões pelo setor, medida em toneladas métricas de dióxido de carbono equivalente (Mt CO2e). Portanto, existe um receio de que esse cenário agrave ainda mais o problema da emergência climática, potencialmente aumentando a quantidade de eventos extremos, com consequências danosas para a produção agrícola. Por essa razão, investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área devem ser estimulados. Isso tudo a fim de que esse setor comercial tão importante para a economia do Brasil esteja inserido na pauta ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) bem como esteja alinhado com a Agenda 2030 e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

O último Censo Agropecuário, realizado em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado em 2019, detalhou o panorama da produção rural no país. Entre os diversos resultados apresentados para o período 2006-2017, o levantamento indicou que, mesmo com uma queda de 2% no número de estabelecimentos rurais e com a redução em 1,5 milhão de trabalhadores no campo, houve um aumento de 5% nas áreas cultivadas. Ainda nesses 11 anos, a frota de tratores subiu quase 50%, atingindo 1,2 milhão de unidades em 2017. Desse total, porém, mais de 900 mil tratores possuem menos de 100 cavalos de potência e 44% deles têm 20 anos ou mais de uso.

Ainda, segundo o livro Agropecuária Brasileira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o crescimento da produtividade total de 3,1% ao ano do setor desde 1990 chama atenção para o papel central desempenhado pela tecnologia no campo, aliada aos avanços científicos. A inclusão digital, porém, representa um desafio adicional, especialmente para os médios e pequenos produtores rurais, como os agricultores familiares, devido ao acesso limitado deles às linhas de crédito quando comparados com os grandes produtores. Portanto, dado que os tratores constituem um investimento significativo, veículos de menor porte, com capacidade de até 80 cavalos de potência e mais simples tecnologicamente tornam-se a opção mais adequada para esse trabalho.

Em vista disso, esse projeto apresenta grande potencial para alavancar a transformação digital e os processos de modernização entre os pequenos e médios produtores, de acordo com a Política Nacional de Incentivo à Agricultura de Precisão (Lei nº 4.538/2019), visando ao ganho de competitividade e ao aprimoramento da base científica na formulação de políticas públicas.

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