A Unicamp deverá construir, neste ano, em seu campus, um centro multiusuário em tecnologias de manufatura de células a combustível. Um projeto apresentado no âmbito do Centro de Estudos de Energia e Petróleo (Cepetro), em parceria com o Senai/Cimatec, ganhou um edital de R$ 9 milhões ligado ao programa Rota 2030, lançado em 2018 pelo governo federal com o objetivo de estabelecer uma política industrial para o setor automotivo. “No cenário em que estamos, de transição energética, esse projeto é um dos principais pilares que estamos construindo dentro da universidade”, afirma o engenheiro químico Gustavo Doubek, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp e coordenador da iniciativa no Cepetro.
O centro trabalhará com um tipo específico de célula a combustível: a de óxido sólido (SOFC) com suporte em metal, bastante eficiente na conversão de energia química em elétrica. Diferentemente da célula a combustível polimérica, já mais consolidada no mercado, mas que só funciona com hidrogênio puro, o dispositivo de óxido sólido permite o uso de um hidrogênio não tão puro e mesmo de gás natural ou etanol.
Fomento à inovação
“Atualmente, essas células são pesquisadas no Brasil em um nível de maturidade tecnológica muito baixa, TRL [Technology Readiness Levels] 1 ou 2, em alguns institutos de pesquisa e laboratórios, e somente com células pequenas. Esse projeto permitirá que se amplie a escala de manufatura dessas células. Vamos conseguir fazê-las com áreas maiores, mais próximas do que seria um produto. Estamos focando bastante na questão do processo de manufatura e de como utilizar esse processo”, explica Doubek. “É uma infraestrutura que não existe na América Latina.”
De acordo com Doubek, a iniciativa permitirá o fornecimento de protótipos em maior escala para que montadoras de veículos possam realizar avaliações próprias, de preferência de forma embarcada, e, assim, otimizar os processos fabris. A ideia é que o centro também seja utilizado por empresas que queiram montar protótipos próprios e certificar produtos e por centros de pesquisas e universidades para testes de novos materiais. “O centro será fundamental para que o setor automotivo desenvolva essa nova tecnologia, tanto em termos técnicos — na apreciação de protótipos e de sistemas de controle necessários — como do ponto de vista do custo do sistema”, afirma o pesquisador.
Superação de gargalos
A perspectiva da equipe da Unicamp com a adoção da nova tecnologia é a de resolver dois dos principais gargalos dos veículos elétricos a bateria no Brasil: autonomia relativamente pequena e lentidão na recarga. Isso porque os pesquisadores vislumbram o uso de etanol hidratado como combustível (gerando eletricidade diretamente e sem a necessidade de um motor a combustão), que já tem uma cadeia de produção e distribuição bastante consolidada no país. A previsão é que um veículo a SOFC tenha o dobro da autonomia de um motor a combustão, além de atender às legislações mais exigentes em termos de emissões de poluentes. O abastecimento ocorreria da mesma forma como se faz hoje, com etanol. De acordo com Doubek, o sistema será ideal para ônibus, caminhões e outros veículos que precisam percorrer grandes distâncias, e não podem correr o risco de ficar sem bateria no meio do caminho.
“Podemos agregar tecnologia de ponta a um setor da nossa economia já amplamente desenvolvido, o de biocombustíveis, no qual o Brasil é protagonista mundial”, ressalta o pesquisador. “Além disso, a SOFC pode substituir a maior parte das baterias necessárias em um veículo elétrico, reduzindo seu peso final e eliminando problemas de longas recargas.”
O Senai/Cimatec contribuirá com a tecnologia do Módulo MS-SOFC. A instituição desenvolverá parte dos componentes do módulo, como as placas bipolares metálicas, sistema de fechamento e vedação. Em parceria com a Unicamp, fará a montagem da célula a combustível unitária e os módulos de potência, chamados de stack. A montagem do módulo será feita, inicialmente, no Senais/Cimatec Park, que possui áreas dedicadas para planejamento de produção, plantas piloto e desenvolvimento de protótipos em escala real. Segundo o coordenador-associado do projeto no Senai/Cimatec, Gerhard Ett, a estrutura do Cimatec Park possui equipamentos de precisão, como impressoras industriais de manufatura aditiva, máquinas de corte e prensas, fundamentais para a montagem das placas bipolares e outros componentes dos stacks. Posteriormente, serão montados módulos maiores na Unicamp.
“A parceria entre a Unicamp e o Centro de Competência do Cimatec possibilitará desenvolver projetos estratégicos para o Brasil, aproveitando os recursos energéticos naturais de cada região”, afirma Gerhard Ett. A instituição, com base em Salvador, possui um Centro de Competência em Hidrogênio Verde e está montando o Hub de H2V no Senai Cimatec Park, campus industrial da instituição, localizado em Camaçari.
O aporte financeiro para todo o projeto será feito por meio da Fundação de Apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (Fundep), que lançou o edital e administra os recursos. “Na fase pré-competitiva, esse aporte é crucial para viabilizar o desenvolvimento da tecnologia. Como as células SOFC, apesar de muito promissoras, ainda se encontram pouco desenvolvidas, especialmente para uma aplicação embarcada, muitas empresas não conseguem justificar investimentos de alto risco sem um horizonte mais definido, tanto do ponto de vista da tecnologia, como regulatório”, afirma Doubek.
A expectativa é de que o centro entre em operação até o fim de 2024 e que trabalhe em sinergia com outro projeto do Cepetro voltado para a mobilidade elétrica — que venceu o mesmo edital e prevê a criação de um Centro de Manufatura de Baterias (CMB).