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A urgência da transição energética

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A urgência da transição energética

Pesquisadora propõe um novo modelo econômico que leve em conta os limites planetários

Parque eólico na Alemanha: para economista, não haverá transição energética se não houver financiamento verde

Pesquisadora propõe um novo modelo econômico que leve em conta os limites planetários

É sabido que o prazo para a transição energética está vencendo. Para além da comprovação científica, a realidade irrefutável do aquecimento global ultrapassou a fronteira teórica e chegou ao cotidiano da grande maioria dos cidadãos do mundo. Vemos e sentimos na pele, literalmente, os efeitos desse fenômeno: calor intenso, baixa qualidade do ar, queda na vazão da água dos grandes rios, avanço do mar e fenômenos naturais extremos como enchentes e secas de grandes proporções. Ainda assim, governos em todo o mundo patinam nas decisões mais urgentes. Afinal, como implementar essa transição? Como mudar estruturas econômicas e mitigar os efeitos sociais e econômicos das mudanças que se impõem? De acordo com a economista Mariana Rêis Maria, não haverá transição energética se não houver financiamento verde, que consiste no investimento em energias renováveis.

A inexorável relação entre essa transição e as políticas de financiamento verde compõe sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp e recebedora de menção honrosa no Prêmio Tese Destaque Unicamp 2023-2024, na categoria Ciências Humanas e Artes.

O cenário é “alarmante”, não esconde a pesquisadora, que propõe um modelo econômico integrado e de políticas combinadas. Em sua análise, Maria estabelece uma conexão direta entre as atividades econômicas hegemônicas envolvendo energia não renovável e o aumento da temperatura. Para salvarmos o mundo das emissões de gases do efeito estufa, portanto, “é preciso repensar o modelo econômico dominante em direção a uma nova economia que respeite os limites planetários”. Isso representaria um novo momento histórico e uma profunda reflexão sobre a economia capitalista.

A tese alerta para a necessidade de aceleração dos processos de mudança e mostra que o caminho para contermos globalmente o aquecimento do planeta passa compulsoriamente pela economia e pela cooperação internacional.

Marina Rosângela
A economista Mariana Rêis Maria (à esq.), autora da tese, e a professora Rosangela Ballini, orientadora: investigando as conexões entre atividades econômicas e o aumento da temperatura

Taxar o fóssil

A partir de resultados de simulação, provenientes de um modelo baseado em agentes, a pesquisadora desenhou uma transição econômica composta de ações conjuntas, entre elas a taxação de carbono para o setor de energia fóssil e, paralelamente, o oferecimento de subsídios para a construção de fábricas de energias renováveis.

“As políticas precisam ser combinadas. Isso é mais efetivo, em termos de estabilidade econômica. Se houvesse uma política com taxação de carbono isolada, essa taxa seria extremamente alta, com um efeito econômico devastador”, explica a economista, que ressalta haver no mundo, ainda, muitos subsídios incentivando o uso de combustíveis fósseis.

“Temos que redirecionar esse dinheiro para as atividades verdes. Mas só redirecionar não é suficiente.” Na avaliação da pesquisadora, a participação dos governos viabilizaria a transição. “O que estamos querendo dizer com a tese é que você precisa ter um suporte financeiro do governo a fim de essa transição acontecer na velocidade necessária e com os menores impactos econômicos e sociais possíveis, especialmente no caso dos mais vulneráveis”, diz Maria.

“Ela [a autora do estudo] fez uma importante revisão bibliográfica e nos apontou as atuais falhas e os caminhos pelos quais avançar, deixando claro que a estrutura precisa mudar e que é preciso acelerar o processo”, destaca a professora Rosangela Ballini, orientadora da tese.

O processo de transição provocará um natural desinvestimento no setor fóssil, aponta o estudo. E os ativos no mercado financeiro desse setor deverão perder valor, gerando potencialmente uma crise financeira sistêmica. “Sabemos que isso é um problema, porque a maior parte da atividade econômica está acorrentada a esse setor, que mais emprega. A mudança tem um custo econômico, social e institucional muito grande. Esse é o grande desafio da transição energética. Mas, se o custo da mudança é alto, ele certamente é menor do que não mudar”, sentencia a economista.

Em sua tese, Maria não deixa de citar as limitações do seu modelo. “Nós estamos lidando com modelos integrados em uma economia global. Não detalhamos quais os efeitos em cada país.” A questão climática do Brasil, por exemplo, tem suas especificidades. “Acabar com o desmatamento, o principal emissor, é a maior contribuição que o país pode dar em termos de mudanças climáticas. Precisamos também de práticas mais sustentáveis na agricultura e de um menor uso de combustíveis fósseis nos meios de transporte e na indústria”, resume a economista.

No território brasileiro, há uma matriz energética renovável, “apesar de todos os questionamentos possíveis em relação às grandes hidrelétricas”. Em outros países, como na Alemanha, verifica-se ainda hoje um predomínio do consumo de energia elétrica derivada de combustíveis fósseis. “Trata-se de realidades diferentes. Há inclusive conflitos geopolíticos por causa do gás natural. No entanto as mudanças e toda a solução só podem acontecer se forem globais. Infelizmente não existe outro jeito.”

Terceira onda

Em parte do seu doutorado, Maria trabalhou com o grupo de pesquisa do Departamento de Economia da Escola Superior de Santana, em Pisa (Itália), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Referência na área, o grupo criou o modelo econômico que a pesquisadora tomou como base, no qual economia e clima estão integrados. “Alguns chamam isso de a terceira onda de modelos climáticos.”

Graduada em economia pela Unicamp, Maria fez, no mesmo instituto, seu mestrado, quando estudou as políticas energéticas da China e da Alemanha. Em 2005, a China ultrapassou os Estados Unidos na emissão bruta de gases do efeito estufa. “Houve uma cobrança internacional.” O país então se tornou competitivo na área de energias renováveis e passou a ser o maior produtor mundial de painéis solares e, mais recentemente, incrementou seus investimentos no setor de carros elétricos.

A Alemanha, por sua vez, possui um projeto de transição energética muito claro. A hoje ex-primeira-ministra Angela Merkel determinou o fim das usinas nucleares, levando em conta também o acidente nuclear de Fukushima (Japão), em 2011. “Na Alemanha nasceram o movimento ambientalista e os partidos verdes. Existe uma pressão que vem da população desde os anos 1980.”

Para além da sua tese, Maria identifica como medida necessária a adoção de novos hábitos pela população em geral. “Além de mudar o modo de produção, temos que mudar a forma de comer, morar, vestir e nos locomover.”

Há indícios de que o planeta vai ultrapassar os limites de temperatura estabelecidos pelo Acordo de Paris (2015) – seguindo o Protocolo de Kyoto (1997) – para 2100, de 2 °C acima da média verificada no período pré-industrial (até 1850). Já chegamos a 1,4 °C acima – segundo medições da National Aeronautics and Space Administration (Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos) – e há perspectivas de que cheguemos a 1,5 °C em 2027, advertem os cientistas.

“O cenário é horrível. Até 2050, temos que parar de emitir mais gases do efeito estufa do que a Terra é capaz de absorver.” Maria acredita na força da pressão social. “A vontade política não vem sozinha”, diz a pesquisadora.

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