
‘Uno, gratuito e breve’: o poema em prosa no Brasil
‘Uno, gratuito e breve’: o poema em prosa no Brasil
Antologia reúne mais de 200 poemas brasileiros que seguem a tradição iniciada por Baudelaire

O livro Antologia do poema em prosa no Brasil, publicado pela Editora da Unicamp em coedição com a Ateliê Editorial, foi organizado por Fernando Paixão e apresenta um gênero pouco explorado da poesia moderna: a poesia em prosa. A obra traça um panorama da história dessa forma poética no país, das primeiras manifestações até a contemporaneidade. Com ilustrações de Sergio Fingermann, o livro oferece ao leitor uma introdução abrangente ao tema, combinando reflexões teóricas com exemplos de produções em prosa de cem poetas brasileiros.
Formado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Paixão é mestre em Teoria e História Literária pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atuou como editor por mais de 30 anos e organizou obras como Momentos do livro no Brasil, vencedora do Prêmio Jabuti em 1995. Poeta e ensaísta, atualmente é professor no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
Na entrevista a seguir, Fernando Paixão explica os princípios da poesia em prosa e comenta as contribuições da antologia para os estudos do gênero no Brasil.
Jornal da Unicamp — O que motivou a elaboração da antologia e quais foram os principais desafios enfrentados em sua organização?
Fernando Paixão — A motivação inicial foi, na verdade, de ordem pessoal. Durante a juventude, eu tinha o hábito de anotar em cadernos pretos alguns textos soltos e não sabia bem o que eram, se tinham qualidade ou não. Em 1999, ingressei no doutorado para estudar o gênero híbrido, o que resultou no livro Arte da pequena reflexão: poema em prosa contemporâneo. Após a minha entrada no IEB em 2009, passei a me dedicar ao poema em prosa no Brasil. Quanto às dificuldades, são muitas… A primeira delas foi a de formular um conceito geral que orientasse a seleção dos textos. Em seguida, o impasse esteve na seleção dos poemas, que implicou a leitura de um vasto território de autores e livros. Mas o mais difícil mesmo foi a tarefa de obter todas as autorizações dos autores, editoras ou herdeiros – tarefa que exige muita burocracia e paciência.
JU — Quais critérios orientaram a seleção dos poetas e poemas reunidos na obra?
Fernando Paixão — Não há propriamente um consenso sobre como definir o poema em prosa. Os críticos divergem quanto ao tema. Diante disso, eu preferi seguir o caminho da teórica francesa Suzanne Bernard, que escreveu uma obra monumental sobre o assunto. Ela defende a ideia de que o poema híbrido deve se apoiar sobre um tripé de características essenciais. De início, destaca o princípio de unidade, pois quase sempre o texto está circunscrito a poucos elementos. A segunda marca importante é a gratuidade. Diferentemente da prosa, o poema em prosa costuma se inspirar em situações pontuais que deflagram nexos inesperados. Para completar, o gênero está associado à noção de brevidade, atributo que lhe garante um teor intenso e expressivo.
Portanto, um bom poema em prosa deve ser ao mesmo tempo uno, gratuito e breve – entregue à liberdade imaginativa. Certos críticos consideram vaga essa definição, mas eu argumento que, se quisermos maior rigor na delimitação desse gênero literário, corremos o risco de cair numa restrição normativa.
JU — Na sua visão, quais contribuições a antologia traz aos estudos da poesia brasileira?
Fernando Paixão — Costumo dizer que essa Antologia revela uma paisagem diferente da poesia nacional. Parece slogan, não é mesmo? Sim, pois quase tudo o que lemos nos manuais sobre poesia se refere ao universo dos poemas versificados e dos autores mais destacados nesse campo. Chega a impressionar a ausência de estudos sobre o gênero híbrido. E, na verdade, quando nos debruçamos sobre a literatura brasileira, percebemos a importância desse tipo de escrita como um eixo renovador da nossa poética.
JU — Como o recorte temporal é bem amplo, quais surpresas o leitor terá com a coletânea?
Fernando Paixão — Não vejo problema em dar um spoiler aqui. Lembro que, ao realizar o levantamento sobre o período modernista, fiquei espantado com a escassez de poemas híbridos na obra de importantes poetas do movimento. Vários deles simplesmente ignoraram o gênero e outros o cultivaram com timidez, a exemplo de Carlos Drummond, Manuel Bandeira e Jorge de Lima – que não lhe dedicaram mais que uma dezena de textos em suas vastas obras. Acabaram por “jogar fora o bebê com a água do banho”, como diz o ditado. Desprezaram uma forma de expressão que continuava ativa e renovada nos centros europeus. As melhores surpresas, porém, creio que se encontram nos textos, que o leitor pode folhear e saborear.
JU — O senhor acredita que o poema em prosa ainda ocupa uma posição marginal na literatura brasileira atual?
Fernando Paixão — Muito pelo contrário. Após os anos 1970, o formato híbrido só cresceu no Brasil em popularidade e possibilidade poética. A obra de Ana Cristina Cesar representa a consolidação desse modelo pois, ao reunir os textos de A teus pés, optou por colocar como subtítulo a designação prosa/poesia. Após essa geração, tornou-se também frequente alguns livros se dedicarem inteiramente ao hibridismo. E, se dermos um salto para a atualidade, veremos que o gênero permanece vivo nos livros de poesia, muitas vezes voltado a flagrar a fragmentação do eu lírico. À sua maneira, o poema em prosa oferece uma poderosa lente para evidenciar as dimensões subjetivas da modernidade.


Título: Antologia do poema em prosa no Brasil
Organizador: Fernando Paixão
Edição: 1ª
Ano: 2024
Páginas: 376
Dimensões: 16 cm x 23 cm

