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Repensando a mobilidade urbana a partir do campus

Unicamp vira laboratório vivo em pesquisa que propõe espaço público mais acessível e seguro

Foto aérea noturna mostrando campus da Unicamp vista de cima. A imagem é dominada pelas luzes amarelas brilhantes das ruas e edifícios, que traçam o formato da área contra a escuridão da noite.
Vista aérea do campus de Barão Geraldo da Unicamp: projeto Ruas Compartilhadas propôs melhorias para pedestres e ciclistas

Uma mudança de visão é urgente nas cidades do Brasil e da América Latina: é preciso sair do modelo de mobilidade urbana centrado no carro e construir espaços públicos com ruas e calçadas nas quais as pessoas sejam prioridade, possibilitando conviver, caminhar, pedalar e usar transporte público com segurança e conforto. Começar a planejar esta mudança em polos produtores de conhecimento, que têm capacidade de testar, avaliar e propor soluções baseadas em ciência, pode ser um impulso importante. É o que sugerem os autores de artigo recentemente publicado na revista Cities & Health.

No estudo, um grupo de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento do Brasil e da Argentina analisou os processos e desafios da implementação de Ruas Completas e Urbanismo Tático em territórios de conhecimento brasileiros. A pesquisa, interdisciplinar e pioneira, concentrou-se no campus da Unicamp em Barão Geraldo, onde circulam 50 mil pessoas diariamente, e no seu distrito de inovação adjacente, o Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS), localizado no Polo de Alta Tecnologia de Campinas e em fase de implantação.

Conforme os autores, territórios de conhecimento de quarta geração podem funcionar como laboratórios vivos para pensar a mobilidade urbana sustentável. “São lugares nos quais é possível experimentar, com grande fluxo de pessoas e produção de conhecimento técnico. Nesses locais, surgem parcerias entre universidade, governos, empresas e sociedade civil, com potencial para gerar inovações replicáveis em outras áreas da cidade”, avalia Milena Pavan Serafim, especialista em políticas públicas, pesquisadora do Centro de Estudos sobre Urbanização para o Conhecimento e a Inovação (Ceuci) e Diretora da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp. Serafim, uma das autoras da pesquisa, considera que um campus mais caminhável pode potencializar a interdisciplinaridade e a criatividade, a partir do encontro das pessoas e saberes, e a integração entre atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Ruas Completas

Ruas Completas são políticas urbanas que buscam tornar vias acessíveis e seguras para todos, independentemente do modo de transporte, idade ou capacidade física. Marcela Noronha, arquiteta e urbanista, especialista em mobilidade urbana e pesquisadora do Ceuci, explica que redesenhar a rua oferece um estímulo para criar ciclos virtuosos que geram benefícios sociais. “É como se estivéssemos criando um universo capaz de estimular o ambiente que desejamos. Ao promover a caminhabilidade, incentivamos a convivência e permanência das pessoas no espaço público, a segurança e o desenvolvimento cultural e econômico.”

O Urbanismo Tático, por sua vez, é uma ferramenta para a implementação das Ruas Completas. Essa abordagem de baixo custo permite melhorias urbanas experimentais, rápidas e de pequena escala, testáveis antes de se tornarem permanentes. Porém, o artigo ressalta que entraves burocráticos, questões de governança e processos de licitação pública podem dificultar a implementação eficaz dessas estratégias.

Outro desafio significativo, segundo as pesquisadoras refere-se à participação social, segundo as autoras do artigo. Para o estudo, foram realizadas oficinas a fim de envolver a comunidade na discussão do planejamento do HIDS, e detectou-se uma participação restrita à comunidade científica. Silvia Stuchi, bacharela em gestão ambiental, pesquisadora do Ceuci e autora principal do artigo, lembra que lacunas históricas entre a comunidade acadêmica e a população local precisam ser superadas. “As estratégias de participação social devem transcender limites institucionais e incorporar diferentes vozes para garantir intervenções equitativas e socialmente legitimadas.”

Intervenções no campus

O Ciclo Básico, projetado nos anos 50, foi proposto para que a interlocução entre diferentes unidades e institutos pudesse existir – no entanto, conforme demonstrou a pesquisa, são necessárias melhorias e atualizações. “Quando a Unicamp foi fundada, o campus era distante da cidade. Hoje, precisamos repensá-lo e adaptá-lo aos novos paradigmas da mobilidade. Precisamos promover mais sinergia e maior participação pública em nosso espaço físico”, explica Noronha, que também assina a pesquisa.

A arquiteta destaca que, assim como a população brasileira, os estudantes dependem do transporte público e caminham muito, cerca de três quilômetros por dia. “Se no projeto do campus não pensarmos na caminhabilidade, estaremos criando uma indignidade. Caminhabilidade é segurança e cidadania e precisamos começar a entender isso de forma muito clara – não só no campus, mas em nossas cidades. Precisamos mostrar a importância disso para nossos políticos e começar a exigir deles a qualidade do espaço público.”

O Ciclo Básico foi escolhido para as intervenções por sua centralidade física no campus, relevância acadêmica e diversidade de destinos. O projeto de Urbanismo Tático incluía sinalização e análise detalhada das ruas, calçadas e ciclovias, identificando defasagens significativas na infraestrutura. Contudo, em 2021, a proposta inicial foi readequada. A demanda da comunidade impulsionou a criação do projeto permanente Ruas Compartilhadas, que priorizou pedestres e ciclistas, nivelando pavimentos com calçadas e entradas de edifícios. Para os pesquisadores, isso demonstra como intervenções táticas podem evoluir para projetos urbanos formais, caso haja apoio e vontade institucional.

Desafio dos dados

Outro desafio importante foi reunir dados confiáveis, já que a Unicamp não possui pesquisa origem-destino [levantamento que mapeia os deslocamentos das pessoas em uma área]. “Só com colaboração interdisciplinar foi possível construir o panorama que orientou nossas recomendações”, explica Stuchi. Campinas também carece de estudos atualizados desde 2011.

Para Serafim, a falta dos dados prejudica a tomada de decisão em relação ao planejamento urbano e de mobilidade, seja da Universidade ou do próprio município. “Além de dados, é importante termos projetos e infraestrutura de transporte ativo de qualidade. Não apenas faixas pintadas, mas calçadas acessíveis, ciclovias protegidas, cruzamentos seguros e paisagens urbanas confortáveis, com sombreamento, drenagem e mobiliário urbano. Devemos ter políticas públicas que melhor integrem mobilidade ativa e transporte público, reduzindo desigualdades no acesso à cidade. Paralelamente, também precisamos ter campanhas de comunicação e educação permanentes para consolidar uma cultura de respeito aos pedestres e ciclistas e segurança viária.”

Três mulheres adultas, vestindo roupas escuras, caminham juntas em um caminho de campus de universidade. Elas avançam em direção a quem observa a foto, tendo como fundo o prédio principal da Biblioteca Central Cesar Lattes, cercado por gramado e árvores.
Silvia Stuchi, Milena Pavani e Marcela Noronha, autoras do estudo: redesenhar as ruas pode gerar benefícios sociais
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