
Na trilha do desperdício de alimentos
Pesquisadores buscam estratégias para diagnosticar gargalos na cadeia de suprimentos de frutas, legumes e verduras
Na trilha do desperdício de alimentos
Pesquisadores buscam estratégias para diagnosticar gargalos na cadeia de suprimentos de frutas, legumes e verduras

Antes de chegar aos mercados, boa parte dos legumes e frutas produzidos no Brasil enfrenta uma longa jornada, saindo do local onde foram cultivados e viajando centenas ou mesmo milhares de quilômetros rumo aos mercados atacadistas, como a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), onde serão precificados. De lá, parte vai percorrer ainda mais quilômetros até o local onde, finalmente, será comercializada. Nesta jornada, os alimentos são expostos a diversas intempéries e passam por muitas mãos. Como consequência, a qualidade e o apelo comercial podem ser prejudicados.
Discutir os problemas da cadeia de suprimentos de frutas, legumes e verduras e pensar estratégias para reduzir perdas e desperdícios é o objetivo de uma linha de pesquisa estabelecida no Laboratório de Logística e Comercialização Agroindustrial (Logicom), vinculado à Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), da Unicamp. Liderada pela engenheira agrônoma Andréa Leda Oliveira, professora da Feagri e coordenadora do Logicom, a iniciativa conta com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Seus projetos envolvem alunos de graduação e pós-graduação, professores e pesquisadores de instituições internacionais e de diversas áreas da Universidade, como a Faculdade de Ciências Aplicada (FCA), o Instituto de Economia (IE), a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) e o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação (Nepa). “Uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] da ONU é reduzir o desperdício global de alimentos pela metade, o que acabou servindo como um incentivo para nós”, diz Oliveira, ressaltando que há uma escassez de trabalhos acadêmicos a esse respeito, sobretudo no Brasil.
O grupo, que está completando sua primeira década, aposta em diferentes metodologias de pesquisa para desenvolver seus projetos. Aos tradicionais trabalhos de campo e às análises de dados estatísticos, soma-se o uso de tecnologias emergentes, seja para projeções, seja para construir análises qualitativas. Esse trabalho complexo permitiu, mais do que traçar um diagnóstico do desperdício, desenvolver um mapa inédito de vulnerabilidade. Para tanto, foram utilizadas ferramentas digitais de modelo multicritério, redes neurais e data mining, entre outras técnicas.


De acordo com o trabalho, o grupo constatou que as regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil, por se destacarem pela exposição aos extremos climáticos (ondas de calor e chuvas intensas), deverão ser as mais impactadas pelo aquecimento global, no que diz respeito à produção de alimentos. Cidades como Recife (PE), Fortaleza (CE) e Rio Branco (AC), que dependem de cadeia de suprimentos originadas em municípios dessas regiões, serão as mais afetadas. “Pode haver redução na disponibilidade e na oferta de frutas e vegetais nestas Ceasas, com risco de abastecimento de alimentos nesses centros urbanos, o que impactaria, além da oferta de frutas e vegetais, também o preço e a diversidade de alimentos”, estima Oliveira.
Ao analisar o impacto do desperdício, Oliveira observa que, embora apenas a oferta e a disponibilidade de alimentos costumem ser lembradas por seus efeitos negativos, o problema é mais amplo, afetando também a segurança alimentar, a sustentabilidade, o meio ambiente e o preço para o consumidor. “O processo produtivo envolve o emprego de recursos ambientais, não só de capital financeiro. Evitar o desperdício é um recado de que é possível ser eficiente se conseguir controlar as perdas. Não é preciso ampliar a área produtiva nem usar mais recursos, já escassos.”
Para a professora, a questão da água virtual [quantidade de água utilizada direta e indiretamente na produção de um bem, produto ou serviço, nem sempre visível no produto final], envolvida em todo o processo produtivo de frutas e hortaliças, é especialmente importante. “O Brasil, ao ser um grande exportador de commodities, e de frutas, é um grande exportador de água, que é o recurso mais precioso. Quando os chineses compram nossa soja, estão poupando seu processo produtivo. É mais barato comprar do que usar o próprio recurso hídrico, que eles estão reservando enquanto nós estamos desperdiçando.”
Indicador e curso
A linha de pesquisa foi inaugurada com o mestrado conduzido pelo engenheiro agrônomo Dag Mendonça Lima, sob orientação de Oliveira, no Logicom. Pesquisador do Nepa, o então mestrando ingressou na pós-graduação com o propósito de investigar as práticas envolvidas na operação logística dos alimentos mais comercializados nas Centrais de Abastecimento (Ceasas), para tentar estabelecer uma associação com o desperdício. O estudo foi realizado na Ceasa de Campinas, onde Lima identificou diferentes fontes de desperdício na cadeia de suprimento de alimentos e concluiu que o problema era multidimensional.


De seu trabalho, resultou a criação de um indicador de desperdício, no qual constam as principais dimensões (gestão, logística, comércio, operacional e tecnológica) e variáveis associadas ao problema. A ferramenta considera desde fatores em que a associação com o desperdício de alimento é mais óbvia – como embalagem, tipo de transporte, controle de qualidade, câmara fria e manipulação – até os que acabam sendo menos lembrados, por não possuírem uma relação tão evidente com a perda. É o caso do acesso a rodovias, da reclassificação do produto e do acompanhamento do seu preço.
O indicador serviu de base para um dos principais projetos da linha de pesquisa, um curso de extensão voltado para a capacitação de profissionais que atuam nas Ceasas. No ano passado, Oliveira coordenou sua realização para 77 profissionais de 14 centrais de abastecimento, oriundos de cidades como Belém (PA), Maracanaú (CE), Paulo Afonso (BA), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS). Entre os alunos, estavam presidentes de centrais, gerentes e operadores de mercado, que tiveram de analisar as práticas de suas praças utilizando o indicador. A iniciativa contou com a parceria da Associação Brasileira das Centrais Atacadistas (Abracen) e do Ceagesp, e envolveu a participação de pesquisadores de diferentes instituições.
Ainda com a finalidade de explorar os fatores envolvidos com o maior grau de desperdício e aqueles que podem contribuir para diminuí-lo, OIiveira encampou mais dois projetos financiados pelo CNPq e outro que contou com o apoio do Fundo de Apoio ao Ensino, À Pesquisa e à Extensão (Faepex) e da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp). A professora e o doutor em engenharia agrícola foram convidados a participar do Grupo Latinoamericano de Trabajo sobre Pérdidas y Desperdicios de Frutas e Hortalizas, formado por pesquisadores de 15 universidades e instituições de pesquisa do continente, com apoio da FAO. Buscando promover iniciativas em rede e sensibilizar a população para a necessidade de reduzir a perda de alimentos na América Latina, o grupo também promove cursos de conscientização e capacitação e já tem uma publicação lançada.
