Banco de dados PHFoods Brazil permite análises sobre saúde e sobre impactos ambientais da agricultura
Banco de dados PHFoods Brazil permite análises sobre saúde e sobre impactos ambientais da agricultura
Um raio-x da produção de alimentos no Brasil
Um raio-x da produção de alimentos no Brasil

Garantir a segurança alimentar e nutricional é essencial para a saúde e um direito da população. Porém, a quantidade e a variedade dos alimentos para todos é um desafio global para os próximos anos. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) projeta que, até 2050, a população mundial deverá chegar a 9,1 bilhões. Isso implica em aumentar até lá em cerca de 70% a produção de alimentos em relação aos números registrados no início deste século 21. Ainda que isso seja possível, o aumento no cultivo de alimentos pode não ser suficiente para que todos tenham acesso à comida de qualidade. Nesse contexto, o Brasil é apontado como um dos países estratégicos para atingir as metas dessa produção de forma sustentável, o que implica uma maior pressão sobre a produção agrícola.
O sistema agroalimentar envolve uma série de fatores que se relacionam e impactam o meio ambiente e a relação dele com as pessoas, tais como o uso do solo, a exploração de recursos naturais, como água, e a aplicação de defensivos agrícolas. A tendência é que o aumento na produção de alimentos amplie esses impactos. Por exemplo, em relação ao consumo de defensivos agrícolas, apenas em 2022 foram comercializadas 800 toneladas desses produtos, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Dentro de uma perspectiva de que não há saúde humana sem envolver a saúde do planeta, ampliar a agricultura visando à saúde da população demanda um olhar mais amplo para os fatores envolvidos neste quebra-cabeças.
Para contribuir com este planejamento necessário e que envolve o acesso a dados nacionais, pesquisadores da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp desenvolveram o PHFood Brazil, um banco de dados que integra informações disponíveis em 114 bases de oito plataformas oficiais, referentes a questões como produção de alimentos de base vegetal, uso da terra e da água, aplicação de pesticidas e efeitos de seus resíduos, além de padrões de compras e de consumo de famílias no Brasil. As informações compreendem o período de 48 anos, de 1974 a 2022, permitindo a verificação de mudanças e tendências ao longo do tempo. O PHFood Brazil foi elaborado por Maria Julia Miele, nutricionista e pesquisadora de pós-doutorado, e por Barbara Teruel, professora da Feagri e supervisora de Miele, e está disponível para acesso aberto na plataforma Mendeley Data. A análise dos dados e os impactos do cenário na saúde de mulheres em idade reprodutiva foram publicados em um artigo na revista Frontiers in Nutrition. A pesquisa integra o trabalho do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) e do Instituto Brasileiro de Ciência de Dados (BI0S) da Unicamp.

Do campo ao prato
Os dados reunidos no PHFoods Brazil abrangem informações relacionadas ao cultivo dos seguintes grupos alimentícios: bebidas (café e cana-de-açúcar); cereais; frutas; leguminosas, sementes e castanhas; tubérculos e raízes; e legumes e verduras. Além de informações quanto à produção, os dados agrícolas abrangem o uso de água e solo e aplicação de defensivos agrícolas. Também encontram-se dados nutricionais quanto à aquisição e consumo de alimentos. Segundo as pesquisadoras, uma das observações mais significativas ao se analisar os dados é a desconexão entre o que é destaque na produção agrícola brasileira e o que realmente participa da mesa dos brasileiros. Isso se revela nos dados comparativos da produção de arroz e feijão, protagonistas das refeições no país. Suas áreas de cultivo começaram a sofrer um declínio a partir dos anos 1990, ao passo que o cultivo de soja cresceu. “Os dados disponíveis nas Pesquisas de Orçamento Familiar [do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE] mostram que, entre as leguminosas, não consumimos soja, mas feijão”, aponta Miele.
As pesquisadoras também chamam a atenção para o deslocamento das regiões onde se concentram esses cultivos e suas finalidades. Ao longo dos 48 anos, a cultura da soja teve destaque no país, mas a partir de 2000, a principal região de cultivo migrou do Sudeste, onde as áreas de plantações ocupavam de 2,5 milhões a 4 milhões de hectares, para o Centro-Oeste, especialmente o Mato Grosso, onde as plantações dominam até 11 milhões de hectares. Tanto o cultivo da soja no Mato Grosso, voltado principalmente à exportação, quanto o da cana-de-açúcar em São Paulo, que sustenta a produção de etanol, são as culturas que demandaram o maior consumo de água.
“Há um desequilíbrio entre as diferentes regiões do Brasil e o consumo de alimentos. Isso tem a ver com fatores como o clima, com as condições de desenvolvimento logístico e também com interesses empresariais”, analisa Teruel. Outro dado de impacto para a produção de alimentos e para o meio ambiente é o uso de pesticidas. Entre 2017 e 2022, a quantidade de defensivos aprovados para uso no campo aumentou 338,9%, saltando de uma média de 887 aprovações por ano para 3.893 novos produtos. Em relação à classificação de impacto desses defensivos, a porcentagem de produtos considerados de impacto alto e muito alto para o ambiente aprovados em 2017 foi a maior desde 1989.
ALIMENTAÇÃO E SAÚDE FEMININA
A análise dos dados disponíveis no PHFoods Brazil tem como foco inicial a saúde de mulheres em idade reprodutiva. Em seu doutorado, Miele trabalhou com a relação entre nutrição materna e prematuridade e concluiu que o avanço neste conhecimento demandaria olhar para a fonte da alimentação. “Quando pensamos na produção de alimentos, nos padrões de alimentação e na saúde de mulheres em idade reprodutiva, olhamos para o futuro de quem está chegando, ou seja, dos bebês, e do mundo que essa criança vai encontrar”. De acordo com o artigo publicado na Frontiers in Nutrition, estudos já verificaram resíduos de pesticidas na urina, placenta, sangue e leite materno, o que pode impactar a saúde de mães e crianças. Outras pesquisas relacionam a desnutrição na gravidez com problemas no desenvolvimento infantil.
As autoras ressaltam que, além de possibilitar análises com diferentes objetivos, o banco de dados garante maior integração de informações públicas que estão disponíveis, mas carecem de subsídios para sua interpretação. “São todas informações que podem subsidiar a elaboração de políticas públicas”, afirma Teruel. A expectativa é que a disponibilização dos dados consiga promover a integração de setores e profissionais diversos. “Ações efetivas e estratégias surgirão quando todos os atores envolvidos no sistema agroalimentar se sentarem à mesma mesa, olhando para a mesma direção”, defende Miele.