
Pandemia afetou padrões de mortalidade em Campinas
Pesquisa revela mudança nas causas de mortes em relação à idade e a sexo
Pandemia afetou padrões de mortalidade em Campinas
Pesquisa revela mudança nas causas de mortes em relação à idade e a sexo

A pandemia de coronavírus afetou o padrão de mortalidade em Campinas (SP) de maneira significativa, não se limitando apenas aos óbitos causados por covid-19, mas interferindo, também, nas mortes ocorridas por outras enfermidades. Uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp, revela que, entre 2020 e 2022, o número de óbitos de adultos por causas tradicionalmente mais observadas entre idosos aumentou. O trabalho, realizado pelo pesquisador João Victor Lopes, serviu de tema para um artigo científico, publicado recentemente no periódico internacional Canadian Studies in Population (em tradução livre, Estudos em População Canadenses).
A pesquisa que originou a publicação foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e contou com a orientação de Luciana Alves, professora do Departamento de Demografia do IFCH e pesquisadora do Núcleo de Estudos da População Elza Berquó (Nepo). Além da orientadora, o pesquisador Rafael Rodrigues de Moraes, doutorando em Demografia no IFCH, participou da versão do estudo recentemente publicada.
O trabalho buscou mensurar os impactos da pandemia na mortalidade no município paulista, olhando para os efeitos subjacentes e para as consequências indiretas do evento sobre os óbitos computados. “Campinas é um município muito interessante para quem faz esse tipo de pesquisa, por ter pioneiramente adotado práticas de saúde que posteriormente deram origem ao Sistema Único de Saúde [SUS]. Também por ter um sistema de saúde muito fortalecido, com qualidade de informação a respeito de mortalidade muito superior a outros municípios”, observa Lopes.
Em seu estudo, o pesquisador olhou para além daqueles óbitos atribuídos diretamente à covid-19, investigando se as pessoas estavam morrendo mais por outras doenças e quais seriam essas enfermidades, comparado a períodos anteriores. “A ideia foi ver o que outras doenças poderiam contar sobre mortalidade no município durante o período pandêmico. O resultado obtido mostra que o impacto da pandemia na mortalidade geral é subestimado, caso sejam considerados apenas seus efeitos diretos, ou seja, os óbitos que tiveram como causa atribuída a covid-19.”
Na primeira parte da pesquisa, foi estudada a mortalidade padronizada por causas e sexo, considerando o período de 2010 a 2023 e dois grupos: adultos (25 a 64 anos) e idosos (a partir dos 65 anos). O foco foi a investigação sobre causas que afetam especialmente a população idosa. Já na segunda etapa do mestrado, foram analisadas séries temporais para mortes associadas a causas específicas, definidas pela mais recente Classificação Internacional de Doenças (CID) até então – a CID-10. Entre as patologias examinadas estavam problemas que acometem o aparelho respiratório, diabetes mellitus, obesidade, embolia, trombose venosa, doenças do sistema nervoso, doenças do sangue, insuficiência renal, distúrbios do mecanismo imune e doenças isquêmicas do coração.As definições dos efeitos da covid-19 na mortalidade que serviram de base para o estudo foram: efeitos direto-indiretos (mortes que ocorreram por covid19, mas foram registradas como outra causa, como gripe ou pneumonia, por falta de teste ou por erro de classificação); e efeitos indiretos – mortes que não foram causadas pelo vírus em si, mas por consequências da pandemia, como dificuldade de acesso a tratamento, adiamento de consultas ou agravamento de doenças crônicas.
A hipótese, na etapa inicial, era de que haveria um aumento nas mortes por causas tradicionais entre pessoas mais idosas, devido à dificuldade de acessar o sistema de saúde. “Sabíamos que os mais velhos, de modo geral, eram a população mais afetada durante a pandemia e sofriam mais suas consequências, então fizemos essa distinção [por idade]. Porém, já na primeira parte da pesquisa, na qual distinguimos entre os idosos e a população adulta, o que encontramos foi a população adulta, em alguns cenários e períodos específicos, sofrendo mais as consequências do que os idosos, por causas que não são tão comuns entre essa faixa etária. Um resultado, de certa forma, inesperado”, aponta Lopes


Entre os principais achados, o pesquisador destaca um aumento considerável da mortalidade por certas doenças infecciosas e parasitárias devido à pandemia, sobretudo no intervalo entre 25 a 64 anos, sendo quase 16,8 vezes maior do que a média de 2015 a 2019, para homens, e 12,3 vezes maior para mulheres. De 2020 a 2022, óbitos por doenças do sistema nervoso entre adultos (até 64 anos) representaram o maior excesso, de 64% para o sexo masculino e 60% para o feminino.
Em relação aos idosos (acima de 65 anos), Lopes também observou um crescimento considerável das mortes por doenças infecciosas e parasitárias – 10,4 vezes maior entre os homens, no ano de 2021, e 13,9 vezes maior entre as mulheres, comparando com a média do período entre 2015 e 2019.
Na outra ponta, entre os idosos, segundo a pesquisa, as mortes por doenças respiratórias tiveram redução de 37% para o sexo masculino e de 44% para o feminino, no ano de 2021. O pesquisador notou, ainda, que a mortalidade por doenças endócrinas e metabólicas atingiram mais os homens a partir de 65 anos: o excesso foi de 43% em 2020, de 50% no ano seguinte e de 34% em 2022. “É como se chacoalhasse o status quo. Há mudanças na mortalidade em relação à idade e a sexo. E essa é uma forma de mensurar o quanto a pandemia afeta o sistema de saúde”, diz.
No estudo, ainda, foi realizada uma análise com base nas causas básicas de morte selecionadas. Aqui, a hipótese era de que houve, em Campinas, um excesso de óbitos atribuíveis aos efeitos diretos-indiretos e indiretos da covid-19. Desta vez, o demógrafo se concentrou em causas específicas, que foram escolhidas por seu potencial de associação com os efeitos, e partiu da premissa de que o excesso de mortalidade pelas enfermidades poderia refletir as consequências diretas-indiretas e indiretas da pandemia. Os resultados obtidos confirmaram a hipótese.
Finalmente, Lopes analisou todas as mortes associadas às causas específicas, definidas pela CID-10, para obter uma melhor compreensão sobre os diferentes efeitos da covid-19 sobre a mortalidade ao longo do tempo. “Os principais resultados indicam que o diabetes mellitus apresentou o maior excesso de mortes, com 375 óbitos acima do esperado, seguido por distúrbios do sistema imune, com 74 óbitos a mais. Também foram observados excessos em influenza [30 óbitos a mais], obesidade [26], asma [20], flebite, tromboflebite, embolia e trombose venosa [10] e outras doenças do sistema nervoso [4]”, revela o pesquisador.