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Preparativos para césarea realizada no Caism da Unicamp

Estudo examina aumento das cesáreas a pedido materno

Obstetra indica a complexidade por trás da opção pela cirurgia

Cesáreas por escolha da mãe somaram 10% dos partos cirúrgicos no Caism/Unicamp, entre 2017 e 2021

Estudo examina aumento das cesáreas a pedido materno

Obstetra indica a complexidade por trás da opção pela cirurgia

Preparativos para césarea realizada no Caism da Unicamp
Cesáreas por escolha da mãe somaram 10% dos partos cirúrgicos no Caism/Unicamp, entre 2017 e 2021

A banalização da cesariana, no Brasil, fez surgir um cenário no qual o parto cirúrgico se tornou mais comum do que o próprio parto normal. De acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, no último ano, as cesáreas somaram 60% do total de partos do país. Em sua pesquisa de mestrado, a obstetra Cristine Benetti olhou para uma peculiaridade desse fenômeno, o chamado parto cesáreo a pedido materno (conhecido pela sigla PCPM). A pesquisa teve como base os dados de 7.779 partos realizados no Hospital da Mulher Professor Doutor José Aristodemo Pinotti (Caism), da Unicamp, de 2017 a 2021. Além de mostrar que as cesáreas solicitadas por gestantes somaram 10% do total de partos cirúrgicos, os resultados indicaram que a probabilidade de PCPM foi maior entre as grávidas com comorbidades e aquelas que já haviam passado por uma cesariana previamente.

Eliana Amaral, orientadora da pesquisa
Eliana Amaral, orientadora da dissertação: há uma naturalização do parto cirúrgico, mas o procedimento traz riscos diversos
Eliana Amaral, orientadora da pesquisa
Eliana Amaral, orientadora da dissertação: há uma naturalização do parto cirúrgico, mas o procedimento traz riscos diversos

Em sua dissertação, “Parto cesáreo a pedido materno (PCPM) em gestações de alto risco”, Benetti joga luz sobre uma tendência ainda pouco investigada pela academia. “A partir do momento em que a cesariana corresponde a 60% dos partos de toda a população do país, ela deixa de ser raridade para se tornar algo comum”, observa a médica Eliana Amaral, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Unicamp, e orientadora do mestrado. “É a naturalização do parto cirúrgico, mas o problema é que esse método não é normal. Perdeu-se essa percepção de que se trata de uma cirurgia: é como se estivesse tudo bem, como se não fosse acontecer nada. E não é bem assim, os riscos são diversos, para mãe e para o bebê”, alerta.

O trabalho, conduzido no Departamento de Tocoginecologia da FCM, discute a necessidade de repensar tanto a definição de parto cesáreo a pedido materno como a melhor forma de pesquisá-lo. Benetti partiu da Classificação de Robson (CR), modelo internacional empregado para categorizar gestantes, a fim de examinar em quais situações a cesariana por solicitação materna prevalecia no hospital universitário. Contudo, em vez de utilizar a definição clássica de PCPM, preferiu alargar o conceito para abarcar a complexidade da realidade encontrada no Caism. “Internacionalmente, a definição de parto cesáreo a pedido é quando a mãe solicita no pré-natal, e a cesárea é realizada de maneira eletiva, ou seja, agendada previamente. Porém a gente observa que existem muitos outros momentos e fatores que levam essa mulher a optar pela cesariana”, justifica.

Cristine Benetti, autora da pesquisa:
Cristine Benetti, autora da pesquisa: é preciso educar a sociedade sobre os benefícios do parto normal
Cristine Benetti, autora da pesquisa:
Cristine Benetti, autora da pesquisa: é preciso educar a sociedade sobre os benefícios do parto normal

Para sua pesquisa, que compreendeu o período entre 2017 e 2021, a mestra em tocoginecologia considerou como PCPM também as cesarianas por desistência de indução do parto e os casos em que a gestante optou pelo parto cirúrgico mesmo após ter entrado em trabalho de parto espontaneamente. Incluiu, ainda, a segunda cesariana, desconsiderada pela literatura científica, mas que durante seu trabalho apareceu como fator de risco fundamental. Desta forma, explica, foi possível captar a realidade de forma mais sensível, saltando de pouco mais de 2% dos casos para 10%.

A partir do levantamento, a mestra em tocoginecologia constatou que 5,4% dos partos efetuados no Caism, no período estudado, foram cesáreas solicitadas pelas gestantes. Especificamente entre os partos cirúrgicos que ocorreram a pedido materno, 72% aconteceram quando a paciente apresentava alguma doença – principalmente hipertensão e diabetes – e 58,8% foram a segunda cesárea. Do total de partos, as cesarianas que aconteceram após desistência de indução somaram 28,1% e foram 13,3% dos casos em que a mulher chegou a entrar em trabalho de parto.

Amaral ressalta que, ao desafiar a definição conservadora do problema, Benetti conseguiu confirmar sua ascensão justamente entre os casos mais delicados. “O Caism é um centro de pesquisa de saúde da mulher conhecido por atender, na obstetrícia, principalmente a gestante que possui alguma complicação. Cristine se concentrou nas gestantes com questões clínicas mais graves, não naquelas que têm uma gravidez tranquila.”

A professora destaca, ainda, a importância da orientanda ressaltar, em sua pesquisa, a necessidade de se evitar a primeira cesárea como medida para conter o avanço do fenômeno. Segundo Amaral, uma tarefa trabalhosa, que envolve a educação da população para combater um estereótipo arraigado. “A curva de ascensão da cesárea em primigestas [mulheres que nunca pariram], no Caism, é compatível com a curva de todas as cesáreas.”

Imagem mostra infográfico com os números e dados (em percentuais) dos partos realizado no CAISM entre os anos 2017-2021
Imagem mostra infográfico com os números e dados (em percentuais) dos partos realizado no CAISM entre os anos 2017-2021

Bem de consumo

Resultado de um processo iniciado décadas atrás, a epidemia de cesáreas que se instalou no país fez uma cirurgia ser enxergada como a opção mais prática, menos dolorida e mais segura de ter bebê – como se fosse uma espécie de evolução do parto normal. Porém, mestra e orientadora reforçam que, com exceção da possibilidade de programar a data e a hora, os demais argumentos, na maioria das vezes, não correspondem à realidade. “Em algum momento do passado, fazer cesariana era ‘chique’, tornando-se um bem de consumo. Isso ficou arraigado na sociedade, de modo que é muito difícil quebrar essa ideia”, diz Benetti. “Hoje, nas redes sociais, há influencers falando sobre como é prático planejar a cesárea, para organizar o dia e até mesmo para escolher o signo do bebê”, cita Amaral.

Além das complicações inerentes a qualquer cirurgia – acidentes com anestesia, hemorragia, infecção e óbito –, as ginecologistas explicam que a cesariana pode causar problemas a curto e longo prazo. Não apenas para a mulher e para a criança, mas também em uma futura gestação. Os riscos envolvem gravidez na cicatriz da cesárea anterior e má implantação da placenta no útero. Nestes casos, podem ocorrer sangramentos graves durante o parto, necessidade da retirada do útero e intervenção cirúrgica na bexiga, devido ao acretismo placentário, quando a placenta penetra mais profundamente do que o normal no útero e pode invadir órgãos próximos. Já a má cicatrização do corte cirúrgico pode levar à dor pélvica crônica e aumentar a probabilidade de infertilidade. Pode, ainda, facilitar com que a próxima gravidez aconteça na cicatriz ou deixar esta área mais frágil, com risco de romper numa próxima gestação.

Benetti conta, ainda, que descobertas científicas recentes confirmam a importância do contato do recém-nascido com a flora bacteriana vaginal da mãe durante o nascimento, sobretudo para seus sistemas respiratório e imunológico. Estudos têm mostrado que bebês nascidos de cesariana têm uma maior propensão a diabetes, obesidade e alergias, sem contar problemas respiratórios e imunológicos. É preciso, portanto, educar não apenas as gestantes, mas toda a sociedade sobre os riscos associados à cesárea e sobre os benefícios do parto natural, especialmente no primeiro parto, como defendem a mestra em tocoginecologia e sua orientadora.

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