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É possível um garimpo sustentável?
Pessoa em pé dentro de um rio raso, trajando bermuda jeans azul e camiseta listrada em rosa e azul. Seu rosto não aparece na foto. Ela segura uma peneira triangular cheia de cascalho e pedras pequenas, utilizada na garimpagem. A água marrom clara do rio cobre parcialmente seus pés.
Garimpo artesanal no Vale do Jequitinhonha: prática, informal e rústica, ainda é muito comum na região

É possível um garimpo sustentável?

Questão permeia pesquisa focada na extração artesanal de diamante no Alto Jequitinhonha

Pessoa em pé dentro de um rio raso, trajando bermuda jeans azul e camiseta listrada em rosa e azul. Seu rosto não aparece na foto. Ela segura uma peneira triangular cheia de cascalho e pedras pequenas, utilizada na garimpagem. A água marrom clara do rio cobre parcialmente seus pés.
Garimpo artesanal no Vale do Jequitinhonha: prática, informal e rústica, ainda é muito comum na região

A mineração no Brasil remonta ao período colonial e está frequentemente ligada à degradação ambiental, a desastres e a péssimas condições de trabalho. Na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, há três séculos, garimpeiros artesanais persistem na atividade, cada vez mais dominada pela mecanização e pelas grandes corporações. Em uma tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, a geógrafa Jamila Paula Jardim, natural do Médio Jequitinhonha, investiga os impactos socioambientais do garimpo e a possibilidade de uma prática sustentável na microrregião de Diamantina.

O garimpo artesanal difere-se de duas outras formas de extração mineral: o garimpo semimecanizado e a empresa mineradora, explica Jardim. A empresa opera em grande escala, de forma mecanizada, com relações verticais de trabalho e mão de obra especializada. Já o garimpo semimecanizado é geralmente realizado por grupos pequenos e utiliza algum maquinário, como bombas d’água e dragas de pequeno porte. O garimpo artesanal possui uma escala individual ou familiar, na qual o próprio trabalhador controla o processo de trabalho, realizado com técnicas rústicas e, geralmente, na informalidade.

A pesquisa centra-se no garimpo artesanal de diamante. “O garimpo artesanal ou tradicional, feito de bateia, na peneira, é um tipo de garimpo ainda muito comum na região. Teoricamente, ele não tem tanto impacto quanto o de grande porte ou semimecanizado, também encontrado no Alto Jequitinhonha [região abarcada pela pesquisa]. Entretanto é feito geralmente na ilegalidade”, aponta a geógrafa, enfatizando que os próprios garimpeiros utilizam esse termo.

Muitas vezes se confunde, segundo Jardim, a atividade artesanal com aquela que utiliza o mercúrio. Ainda, não raramente, chama-se de artesanal outros tipos de garimpo que não o são, como o que ocorria no garimpo Areinha, em Diamantina, ocupado por mineradores ilegais após a saída de uma empresa do local, em 2007. Em 2019, uma operação desencadeada pelo Ministério Público retirou um grupo de cerca de 900 trabalhadores do local. Essas pessoas usavam os maquinários deixados ali e provocaram diversos problemas ambientais, como o assoreamento do Rio Jequitinhonha e desmatamento. Isso tudo, para a pesquisadora, atrapalha a discussão sobre a possibilidade de uma atividade mais sustentável.

Mulher de pele clara, cabelos longos e lisos com mechas loiras, veste uma camiseta marrom com a frase “THE FUTURE” estampada em letras grandes e claras. Ela está sentada ao ar livre, com fundo de árvores, e faz um gesto com as mãos, como se estivesse explicando ou conversando sobre algo. Sua expressão é séria e atenta.
A geógrafa Jamila Jardim, autora da tese: não existe, hoje, um garimpo sustentável

Redução de impactos

Mulher de pele clara, cabelos longos e lisos com mechas loiras, veste uma camiseta marrom com a frase “THE FUTURE” estampada em letras grandes e claras. Ela está sentada ao ar livre, com fundo de árvores, e faz um gesto com as mãos, como se estivesse explicando ou conversando sobre algo. Sua expressão é séria e atenta.
A geógrafa Jamila Jardim, autora da tese: não existe, hoje, um garimpo sustentável

A autora da tese considera a sustentabilidade um conceito abrangente, que envolve não só a questão ambiental, mas também as questões econômica e social. Faz-se necessário que, ao longo do tempo, a atividade se mantenha estável, como, segundo a pesquisadora, conceitua a professora Leila Ferreira, também do Nepam, em sua produção acadêmica.

A partir dessas premissas, Jardim diz: “Hoje, não dá para falar que existe garimpo sustentável”. Além de provocar impactos ambientais, esse tipo de atividade não oferece uma fonte de renda segura para os trabalhadores, que a descrevem como uma “loteria”. Usualmente, as pessoas envolvidas nessa prática extrativista desempenham a atividade de forma a complementar uma outra fonte de renda.

No entanto, reflete, existem caminhos para uma atividade garimpeira mais sustentável. “Conseguimos pensar em práticas menos impactantes, que vão alterar um pouco menos a paisagem, causando menos assoreamento do rio. Como eu faria isso? Contatando pessoas especializadas ou a própria comunidade tradicional, que conseguem pensar nessas questões de forma mais abrangente, pois reconhecem ali o seu território”, afirma.

Há uma visão, entre a maioria dos entrevistados na tese, de que, sim, há a possibilidade de criar um garimpo com um impacto ambiental menor. E, mais importante: há interesse nisso.

Para o professor do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e orientador da tese, Roberto do Carmo, a possibilidade de uma atividade mais sustentável passa por valorizar o conhecimento dessas pessoas. “Essas populações estão trabalhando com o garimpo desde o século XVIII. Então, já têm uma forma de trabalhar e de manejar que reduz bastante o impacto. Essa situação é bem específica. É uma situação de garimpo de diamante em uma escala muito reduzida, muito manual”, avalia.

Homem de meia-idade, cabelos curtos e barba grisalha, veste uma camisa listrada em branco e rosa com pequenos detalhes. Ele está sentado ao ar livre, em frente a uma construção colorida com paredes vermelhas e amarelas e degraus de escada. Seu semblante é sério e reflexivo, olhando ligeiramente para o lado.
Roberto do Carmo, orientador da pesquisa: é preciso valorizar o conhecimento de populações tradicionais, que possuem um manejo de menor impacto

Desenvolvimento apenas no discurso

Homem de meia-idade, cabelos curtos e barba grisalha, veste uma camisa listrada em branco e rosa com pequenos detalhes. Ele está sentado ao ar livre, em frente a uma construção colorida com paredes vermelhas e amarelas e degraus de escada. Seu semblante é sério e reflexivo, olhando ligeiramente para o lado.
Roberto do Carmo, orientador da pesquisa: é preciso valorizar o conhecimento de populações tradicionais, que possuem um manejo de menor impacto

Na pesquisa, Jardim ainda discute as diferentes noções de desenvolvimento no Alto Jequitinhonha e faz um levantamento demográfico da região, entre 2010 e 2023, evidenciando aspectos como a distribuição de atividades, renda e atendimento médico. “Conseguimos perceber não só pelos dados demográficos, mas pelos indicadores sociais dos planos de desenvolvimento da região, que o garimpo não é tão forte. Ele não é tão significativo para a economia da região.”

A realidade parece outra, porém, no discurso das mineradoras que se instalam na região. “O discurso da mineração aponta que a região vai se desenvolver, que ela vai ter mais empregos, que vai ter estrada. Mas, quando a empresa sai do município, ficam os impactos”, observa a pesquisadora.

No caso do Areinha, uma grande mineradora extraiu por duas décadas ouro e diamantes, utilizando maquinário avançado, e saiu da região, em 2007. A empresa deixou como legado, além da degradação ambiental, o desemprego para muitos trabalhadores e a investida no garimpo ilegal.

Como proposta para mitigar os impactos ambientais e gerar emprego e renda, a pesquisadora sugere a adoção, por parte do poder público, de algumas medidas. Uma delas: regularizar a situação dos trabalhadores ilegais. Outra: intensificar a fiscalização ambiental. A geógrafa acredita que a capacitação das comunidades locais, que possuem grande conhecimento sobre o território, representaria uma possibilidade de incrementar a renda dessas populações e aperfeiçoar o monitoramento.

Segundo Carmo, um dos pontos importantes do trabalho é destacar a impossibilidade de se fazer uma generalização quando se fala em garimpo. “Em algumas situações, com alguns tipos de minerais específicos, eu acho ser possível existir uma atividade sustentável, adotando um comportamento que não destrua o meio ambiente e que gere condições de renda para as populações locais, porque, à medida que se proíbe uma atividade, acaba-se criando um problema local. O que essas pessoas vão fazer em termos de atividade econômica? Vai haver alguma política pública que seja capaz de inserir essa população em outra atividade econômica?”, questiona.

Paisagem natural mostrando um leito de rio raso e de águas escuras, que corre entre margens arenosas e pedregosas. A areia tem tonalidade avermelhada, com muitas pedras espalhadas. Em volta do rio há vegetação baixa e árvores esparsas, sob céu claro com algumas nuvens.
Rio Jequitinhonha assoreado pela mineração: ao contrário do discurso das mineradoras, a atividade não é tão significativa para a economia local
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