‘Raio X’ desvenda perfil do Ministério Público
Membros do MP defendem ideias progressistas, mas ainda vêm, em sua maioria, da elite branca

Um levantamento inédito sobre o perfil dos integrantes do Ministério Público (MP) descobriu que esses profissionais, em relação a muitos assuntos, adotam posturas progressistas: apoiam o casamento homoafetivo, rejeitam a criminalização de mulheres que interrompem a gestação e defendem a adoção de cotas raciais no serviço público. No entanto mostram-se divididos quanto a temas como a descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal e as privatizações.
Os dados integram a pesquisa “Quem são e o que pensam os(as) integrantes do Ministério Público no Brasil?”, coordenada por Fábio Kerche (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Unirio), Ludmila Ribeiro (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) e Oswaldo do Amaral (Unicamp). O estudo também revelou que os membros do MP são, em sua maioria, brancos, do sexo masculino e casados. A maior parte vem de lares com alto grau de instrução, e 35% possuem parentes que exerceram atividades na área jurídica, o que indica a continuidade de uma tradição familiar.
Amaral, diretor associado do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, comenta que o centro contribuiu para o desenho da pesquisa. Com o apoio da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), foram enviados questionários aos quase 13 mil membros do MP registrados na corregedoria. Houve, no total, 2.054 respostas, vindas de todas as unidades da federação.
“Essa é a primeira pesquisa com uma amostragem representativa do Brasil inteiro”, destaca. “Com o estudo, começamos a ter um primeiro raio X sobre quem são essas pessoas. E por que isso importa? Porque se trata de atores com um poder decisório grande. Vimos isso na Lava Jato e na Vaza Jato”, analisa o docente.
O mapeamento já havia sido realizado outras duas vezes: em 1998 e em 2016. No entanto a pesquisa atual, ao contrário das anteriores, incluiu questões sobre a opinião dos promotores a respeito de vários assuntos.
Minoria importa
Com o mapeamento, identificaram-se as tendências preponderantes entre os integrantes da instituição. Kerche, porém, lembra haver uma discricionariedade entre os promotores, que têm grande liberdade de atuação. Por isso, entender os valores defendidos pela maioria não significa saber como o órgão atuará no futuro.
No caso da redução da maioridade, por exemplo, há uma divisão entre os entrevistados: 39,5% concordam com a redução, 55,3% se opõem à medida e 5,2% declararam “não concordar nem discordar”. “Será que essa opinião exercerá influência quando esse integrante tiver uma ação que envolve um menor de idade?”, questiona Kerche, que também aponta as vantagens e desvantagens desse caráter discricionário da atividade de promotores e promotoras. “O legislador não consegue prever todos os detalhes, então a liberdade de atuação na ponta ajuda a resolver um problema que não havia sido pensado. A desvantagem é a imprevisibilidade, porque a atuação depende do acaso e do promotor encarregado.”
Nesse sentido, o professor aponta a necessidade de haver uma prestação de contas maior por parte dos integrantes do Ministério Público. “O desenho do MP ficou imperfeito, porque deram muito poder, muita autonomia e muitas atribuições, mas pouca obrigação de prestarem contas e de serem responsabilizados por suas ações perante a sociedade”, afirma.



Áreas prioritárias
Da mesma forma que nas pesquisas anteriores, o estudo mapeou áreas prioritárias de atuação dos membros do MP. Isso permitiu comparar as mudanças ocorridas após a exposição da Vaza Jato, caso envolvendo denúncias sobre as relações ilegais entre membros do MP e da Justiça durante processos de corrupção.
Na pesquisa de 2016, o combate à corrupção figurava como prioritário para 60% dos entrevistados. Agora, para 42%, um índice ainda alto na opinião de Kerche. Segundo o professor, o MP, quando da sua criação, não havia sido pensado para atuar nessa área, mas seus integrantes, que adotavam uma visão bastante negativa sobre a política, tomaram-na para si. Para Ribeiro, de toda forma, houve uma queda expressiva desse comprometimento, algo que pode estar associado à Vaza Jato.
Ribeiro comenta que as áreas mais “clássicas” continuam tendo destaque na pesquisa: a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, a defesa do meio ambiente e a defesa dos direitos das mulheres, campos nos quais atuam subgrupos existentes dentro do órgão e que geram apreço da sociedade pela instituição. Por outro lado, ressalta, há áreas em que o Ministério Público não tem atuado com tanto vigor, como o controle externo da atividade policial e a supervisão sobre o cumprimento das penas privativas de liberdade.
No primeiro caso, diz, há uma explicação evidente: já que atua principalmente em processos criminais, o MP depende da polícia. “A gente está falando de uma instituição que tem como prioridade a denúncia e, a fim de ter elementos suficientes para acusar alguém de um crime, o MP precisa da polícia. Então é uma relação difícil.”
Já a respeito da supervisão sobre o cumprimento das penas privativas de liberdade, um assunto que perdeu ainda mais espaço desde a pesquisa anterior, a professora indica dois motivos para isso: a criação da audiência de custódia e a criação, pelo Poder Judiciário, de um grupo de monitoramento do sistema prisional.
“Não é que não há nada a fazer. O Ministério Público tem em suas mãos o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta]. Ele tem o poder de pressionar o Estado por melhores condições de vida dentro das unidades prisionais. Mas isso demanda sair do gabinete e organizar inspeções em locais afastados dos centros [urbanos] e, muitas vezes, locais insalubres. Não acho que haja esse empenho por parte do corpo profissional”, diz Ribeiro.
Desdobramentos
Os dados da pesquisa devem ser publicados em um livro, a ser lançado no dia 5 de setembro, mas sua versão digital já está disponível no site da Fundação Casa de Rui Barbosa. Os pesquisadores, agora, trabalham com a realização de análises mais aprofundadas sobre alguns dos aspectos levantados no estudo e pretendem divulgar os dados também por meio do banco de dados do Cesop.
