Pesquisadores buscam alternativas sustentáveis para a futura implantação de cidades inteligentes

Grupo testa os limites da inteligência computacional no campus
Um grupo de pesquisadores do Instituto de Computação (IC) da Unicamp vem investigando as possibilidades do uso da inteligência artificial (IA) e da internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) para transformar cidades e universidades em ambientes inteligentes e sustentáveis. A iniciativa, coordenada pela docente Juliana Freitag Borin, visa desenvolver ferramentas automatizadas que auxiliem gestores ou dispositivos na tomada de decisões baseadas em dados, e isso a partir de soluções que gerem resultados ambientalmente corretos e que sejam, elas mesmas, sustentáveis.
No esforço de criar um ambiente inteligente, os dados utilizados para tomar decisões podem vir de diversos sistemas ou do próprio ambiente monitorado em tempo real. Um exemplo disso: um sistema de iluminação pública capaz de aumentar ou diminuir a intensidade da luz de uma determinada rua de acordo com o fluxo de carros e pessoas. “O problema é que, uma vez que você começa a distribuir esses dispositivos na cidade, o consumo de energia aumenta e, por serem baratos, quando param de funcionar, eles viram lixo eletrônico. Por isso, nossa preocupação também se volta ao tipo de solução utilizada”, explica a professora.

Nesse contexto, um dos propósitos do grupo é desenvolver soluções a partir de tecnologias criadas para outras finalidades, como as TV Boxes piratas — equipamentos que captam irregularmente o sinal de canais pagos de televisão. Trata-se de aparelhos cuja arquitetura parece-se com a de um computador de placa única. Esses aparelhos conseguem rodar qualquer tipo de aplicativo, bastando substituir o sistema Android original por um Linux. Por meio de uma parceria com a Receita Federal — que já apreendeu mais de 2 milhões desses dispositivos —, um lote com mil TV Boxes foi doado à Universidade e parte delas, disponibilizada para a equipe de Borin.
Em um artigo que acaba de sair publicado no periódico Scientific Reports, o grupo analisou os efeitos do uso das TV Boxes em projetos de computação de borda, que processam os dados registrados na própria fonte, sem enviá-los a data centers de nuvem. O estudo comparou o consumo elétrico e a pegada de carbono desses aparelhos com os dados referentes ao Raspberry Pi, microcomputadores de pequeno porte utilizados em projetos de IoT.
Embora o consumo de energia tenha se mostrado similar, o emprego dos dispositivos piratas reformados revelou-se mais vantajoso porque esses aparelhos ganharam uma sobrevida ao invés de terminarem no lixo, ao passo que o Raspberry Pi seria fabricado exclusivamente para essa função. De acordo com as projeções do artigo, no Brasil, a reutilização de uma TV Box reformada por até 700 anos não atingiria a mesma pegada de carbono de se fabricar um único Raspberry Pi.
O pesquisador de pós-doutorado Luis Fernando Gonzalez, membro da equipe de Borin, afirma que, devido ao fato de o Brasil possuir uma matriz energética de baixo carbono, esse tipo de troca se revelaria ainda mais vantajosa. A produção de um novo dispositivo representaria um peso proporcional bem maior quando comparado ao gasto de energia do dispositivo reformado.
Computação de borda


Em 2015, quando fazia seu doutorado, Gonzalez deu início a uma linha de pesquisa envolvendo estacionamentos inteligentes, voltada a criar soluções que contabilizam os veículos presentes em um estacionamento e informam ao usuário a localização das vagas disponíveis. Hoje, essa linha continua avançando nas mãos dos pesquisadores Gabriel Sato e Gustavo Luz, que buscam aperfeiçoar o uso de dispositivos de borda para esse fim. Sato, que acabou de defender seu mestrado no IC, avaliou a viabilidade de analisar imagens utilizando IA em dispositivos com recursos computacionais limitados. Como estudo de caso, o pesquisador lançou mão da contagem de vagas em estacionamentos e de pessoas na fila do Restaurante Universitário.
Luz, por outro lado, foca, no seu mestrado, a área de inteligência artificial e de reutilização de algoritmos, desenvolvendo métodos para tornar mais preciso o uso de códigos pré-treinados em diferentes tipos de cenário.
Uma das principais vantagens de se utilizar dispositivos de borda é a redução de problemas quanto à privacidade das pessoas, uma vez que informações sensíveis ficam armazenadas no local da sua coleta. Além disso, a tecnologia economiza a largura de banda consumida, pois, ao invés de enviar uma fotografia ou filme completo, transmite apenas dados já calculados, como o número de pessoas na fila ou de carros estacionados. Como consequência, em alguns cenários, isso também pode reduzir a latência — tempo de tomada de decisão — do sistema porque diminui o volume de informação transmitida e processada.


Segundo a cientista da computação Priscila Aparecida de Moraes, outra integrante do grupo de Borin, cada unidade da Unicamp possui uma equipe de tecnologia da informação (TI) responsável pela gestão da sua rede, podendo disponibilizar uma largura de banda para os dispositivos de IoT e para o acesso dos usuários. Caso essa equipe conclua que a banda não comporta os novos dispositivos, haveria a possibilidade de instalar equipamentos mais potentes ou até mesmo montar uma rede própria para aqueles equipamentos, o que geraria muitos gastos.
Como alternativa, em seu doutorado, a pesquisadora criou, em um estudo de caso, algoritmos capazes de coletar dados sobre o consumo de energia nos prédios da instituição, procurando calcular a classificação da Universidade em um indicador de sustentabilidade do GreenMetric. Essa ideia surgiu da interação de Borin, que também atua como coordenadora da Câmara Técnica de Gestão do Campus Inteligente, com a Coordenadoria de Sustentabilidade da Unicamp. Antigamente, a coleta e a compilação dos dados enviados aos rankings internacionais de avaliação de instituições de ensino eram feitas manualmente, por meio de uma planilha, mas a docente percebeu que a tarefa poderia realizar-se, ao menos parcialmente, com o apoio de sensores capazes de colher informações como gasto de energia, consumo de água e nível de poluição.
Complementarmente, a tese incluiu ainda um módulo capaz de simular o intervalo ideal entre a coleta dos dados, algo que varia de acordo com o padrão de consumo de cada prédio. Esse método ajuda a reduzir o número de coletas e, consequentemente, a quantidade de banda consumida. Exemplo disso seria o caso de sensores que, ao invés de enviarem dados de 30 em 30 segundos, realizariam o envio, quando o gráfico de consumo não tivesse uma alteração significativa, a cada 15 minutos.
Adicionalmente, Moraes também elaborou um simulador de cenários no qual se pode inserir sensores de IoT, de acordo com as demandas particulares de cada local. Seu objetivo é calcular a quantidade de dados gerados em cada cenário, permitindo que a Universidade e seus analistas de rede prevejam o consumo de banda e a viabilidade técnico-econômica de cada um deles. A longo prazo, isso pode servir de exemplo em projetos mais ambiciosos, escalando as soluções para cidades inteligentes ou mesmo em nível estadual. “A Unicamp é como uma minicidade. Ela tem ruas, veículos, prédios. E nós podemos testar todas essas soluções aqui dentro e, dando certo, replicá-las em uma cidade, por exemplo”, diz a pesquisadora.