Hospital de Sumaré resiste ao avanço da cesárea
Entidade gerida pela Unicamp colhe frutos de investimento em assistência de qualidade às parturientes


Enquanto o excessivo número de cesáreas aumenta gradativamente no Brasil, algo visto como um problema de saúde pública, o Hospital Estadual Sumaré contraria a tendência nacional. Uma pesquisa liderada pelo médico José Paulo Guida, professor do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, apontou que, de 9.723 partos realizados no hospital universitário entre 2016 e 2020, 38,9% foram cesáreas. Entre as pacientes que estavam na primeira gestação e que chegaram ao hospital em trabalho de parto, o índice chegou a 17%, ficando dois pontos percentuais acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo dados do Ministério da Saúde, no mesmo intervalo de tempo, as cesáreas somaram 56% do total de partos registrados no país.
Divulgada na publicação científica Journal of Obstetrics and Gynecology, a pesquisa envolveu a participação de Cássia Berbel e Paulo Maluf, à época alunos de mestrado e residência médica da FCM, respectivamente. O estudo insere-se em uma linha de pesquisa do departamento que busca investigar a progressão da cesárea no país, explorando as perspectivas para o futuro. “O que os dados estão nos mostrando é que as taxas de cesáreas estão aumentando de forma persistente no Brasil”, relata o professor.
Apesar da crença, disseminada no Brasil, de que o parto cirúrgico é melhor do que o vaginal, a OMS estabelece que sua realização sem indicação médica pode não ser benéfica. Trata-se de uma operação que altera o útero, tornando-o mais fino, o que comprometeria a implantação da placenta e facilitaria sua invasão para outros órgãos. Isso resulta, segundo Guida, em um maior risco de hemorragia, de perda do útero e de morte.


Para mudar a mentalidade da população brasileira a respeito de cada tipo de parto, a pesquisa sugere, como estratégia, o investimento na assistência à parturiente, o que implica ampliar o conhecimento, por parte da paciente, sobre o parto, além da adoção de protocolos bem embasados com o intuito de aperfeiçoar o cuidado prestado. Entre as descobertas dos pesquisadores, a indução de parto, responsável por bons resultados no hospital, ganhou destaque por seu potencial no combate ao número excessivo de cesáreas.
O estudo consistiu em uma análise baseada na Classificação de Robson — sistema de categorização de gestantes em trabalho de parto —, adotada pelo hospital de Sumaré, gerido pela Unicamp. A ferramenta, recomendada tanto pela OMS como pelo Ministério da Saúde, permite padronizar os dados em escala mundial, facilitando a busca por respostas para desafios enfrentados no dia a dia das maternidades. Suas informações não servem apenas para o controle administrativo, mas também como subsídio na elaboração de estratégias que aperfeiçoem protocolos assistenciais — além de pesquisas científicas.
“No hospital de Sumaré, a Classificação de Robson é feita de modo prospectivo, ou seja, toda paciente em trabalho de parto é classificada no momento da sua internação, de acordo com um dos dez grupos existentes. Em muitos lugares, esse trabalho é feito somente após o parto. Essa representa uma diferença considerável, que favorece um melhor entendimento sobre o funcionamento do método”, afirma Guida, que já havia coordenado uma pesquisa sobre o uso da ferramenta no Hospital da Mulher Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) da Unicamp. “O primeiro lugar do Brasil em que essa classificação foi implementada, onde foram feitos os primeiros estudos sobre seu protocolo, dando origem a uma linha de pesquisa”, diz o professor, que iniciou o estudo sobre o tema ainda na sua residência.
As dez categorias da classificação procuram dar conta da diversidade e da complexidade dos casos e nasceram baseadas em critérios como a necessidade de indução do parto, a posição do bebê no momento da internação e a quantidade de bebês em gestação. Essas categorias consideram, também, o histórico obstétrico da mulher, destacando não apenas quantas gestações teve, mas se já passou por uma cesárea.


Os resultados mostraram que, entre as gestantes que esperavam apenas um bebê, internadas a partir da 37ª semana com o feto já posicionado no canal do parto, as cesáreas somaram 5,2% do total no período estudado. Na outra ponta, 62,3% dos partos realizados em gestantes que já haviam passado por uma ou mais cesáreas foram cirúrgicos. “Aqui está a nossa luta: temos falado muito sobre a importância de evitar a primeira cesárea, porque, depois que a mulher já passou por uma, a possibilidade de um parto normal vai ficando cada vez mais distante”, afirma Guida.
O trabalho indica que, ao adotar protocolos assistenciais consistentes, o hospital pôde aperfeiçoar o cuidado reservado às parturientes, o que gerou um impacto positivo no controle dos partos cirúrgicos. “Todas as questões de assistência ao parto e de atendimento às pacientes, no Hospital Estadual Sumaré, pautam-se por protocolos baseados em estudos científicos e seguidos por toda a equipe. Isso reforça a importância de se ter um hospital administrado por uma universidade. E esse estudo mostra que um hospital não é apenas assistência. É também um local de produção de conhecimento e de formação de alunos e residentes, funções de uma universidade.”
O hospital se diferencia, ainda, por oferecer analgesia a todas as gestantes, apontou a pesquisa. No Brasil, cita Guida, menos de 5% das mulheres recebem analgesia durante o parto. “Hoje em dia, existem tecnologias disponíveis para reduzir a dor dessa mulher. Embora faça parte do trabalho de parto, a experiência de dor é muito individual. Algumas mulheres vão querer, por exemplo, uma injeção nas costas para reduzir sua dor. Outras não vão querer nada. O importante é haver disponibilidade de analgesia para todas. Assim cada uma pode decidir como lidar com sua dor.”
Em sua análise, os pesquisadores concluíram que a medida contribui para a qualidade do atendimento prestado às gestantes, influenciando no tipo de parto escolhido. Se as condições envolverem um ambiente de privacidade e conforto, a companhia de alguém de sua escolha e a possibilidade de controlar a dor como achar melhor, a probabilidade de a futura mãe decidir por um parto vaginal será maior. Por outro lado, a parturiente optará, quase certamente, pela cesárea caso a alternativa seja dar à luz em um ambiente onde não se sente segura, estando desacompanhada e sem acesso a analgesia, diz o médico.