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Demétrio Vieira, cardiologista e coautor do estudo, avalia um ultrassom de carótida: qualidade de vida dos pacientes depende de uma intervenção antecipada
Demétrio Vieira, cardiologista e coautor do estudo, avalia um ultrassom de carótida: qualidade de vida dos pacientes depende de uma intervenção antecipada

Examinar carótidas beneficia pacientes em diálise

Avaliação uma a uma das camadas que formam as artérias pode indicar a existência de problemas cardíacos em pessoas com doença renal crônica

Demétrio Vieira, cardiologista e coautor do estudo, avalia um ultrassom de carótida: qualidade de vida dos pacientes depende de uma intervenção antecipada
Demétrio Vieira, cardiologista e coautor do estudo, avalia um ultrassom de carótida: qualidade de vida dos pacientes depende de uma intervenção antecipada

O número de pacientes renais crônicos que precisam de diálise cresceu cerca de 55% nos últimos dez anos no Brasil. Os dados constam do Censo Brasileiro de Diálise, uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Em 2024, a quantidade estimada de pessoas sob esse tipo de tratamento somou 172 mil, cerca de 10% a mais do que no ano anterior. Entre as várias complicações de saúde provocadas por problemas renais, as doenças cardiovasculares representam a principal causa de morbidade e de mortalidade. Segundo a própria SBN, cerca de 50% dos pacientes que apresentam uma doença renal crônica em estágio avançado morrem em decorrência de complicações cardiovasculares.

“A mortalidade dos pacientes renais em diálise foi sempre algo que me incomodou muito”, diz Agnes Santos, médica nefrologista e mestranda em ciências médicas pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Em parceria com o cardiologista Demétrio Vieira, mestrando em clínica médica também pela FCM, a pesquisadora avaliou como um exame mais detalhado das camadas que formam a parede da artéria carótida pode sugerir a presença de alterações cardíacas, disparando o alerta para a necessidade de cuidados específicos. Conduzido no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade, sob orientação dos professores Marilda Mazzali e Wilson Nadruz — orientadores de Santos e de Vieira, respectivamente —, o estudo abre novas possibilidades para os cuidados com a saúde de pacientes renais crônicos. Os resultados saíram na revista Current Medical Research and Opinion.

O professor Wilson Nadruz, orientador de Vieira: pesquisa no HC permitiu a colaboração de docentes e profissionais de diferentes setores
O professor Wilson Nadruz, orientador de Vieira: pesquisa no HC permitiu a colaboração de docentes e profissionais de diferentes setores

De olho nas carótidas

O professor Wilson Nadruz, orientador de Vieira: pesquisa no HC permitiu a colaboração de docentes e profissionais de diferentes setores
O professor Wilson Nadruz, orientador de Vieira: pesquisa no HC permitiu a colaboração de docentes e profissionais de diferentes setores

As carótidas oferecem um indicativo importante sobre a saúde cardiovascular. Trata-se de duas das principais artérias responsáveis por levar sangue ao cérebro e, por estarem localizadas nas laterais do pescoço, podem ser facilmente acessadas e submetidas a exames que verifiquem seu estado. Suas paredes são formadas por três camadas de tecidos diferentes: a adventícia, que compreende a parte externa da artéria; a média; e a íntima, a camada interna.

No decorrer da vida, essas duas últimas camadas podem sofrer alterações, tornando-se mais espessas, comprometendo a circulação e trazendo complicações para a saúde cardiovascular. Entre essas, constam a arteriosclerose, caracterizada pelo endurecimento e espessamento da camada média por conta de fatores como pressão alta e envelhecimento, e a aterosclerose, o engrossamento da camada íntima devido a depósitos de gordura. Exames como o ultrassom de carótidas auxiliam os médicos a verificarem o estado dessas artérias e a detectarem o aumento da espessura de suas paredes, medindo de forma convencional a espessura médio-intimal, que abrange as camadas média e íntima.

Estudos prévios com pacientes em diálise mostraram que aumentos na espessura médio-intimal estão associados a problemas mais graves fora das artérias, como a hipertrofia ventricular esquerda, uma condição em que o coração fica mais grosso e não atua de forma tão eficiente. “Pacientes com mais hipertrofia cardíaca apresentam mais casos de infarto e de AVC [acidente vascular cerebral] e morrem mais”, aponta Nadruz. Porém ainda não se sabe qual das camadas da carótida associa-se com a hipertrofia cardíaca nesses pacientes. Assim, o estudo determinou a espessura das camadas íntima e média separadamente, algo que não ocorre na versão convencional do exame, e buscou relacionar essas medidas com eventuais alterações cardíacas nos pacientes renais crônicos em diálise.

Os testes envolveram 102 pacientes submetidos à hemodiálise. Foram realizados o ultrassom de carótidas com equipamentos de alta resolução, que captam imagens de grande definição e permitem determinar a medida das camadas de forma separada, e também o ecocardiograma, para avaliar as dimensões e o funcionamento do coração. Os exames mostraram que 48% dos pacientes apresentavam hipertrofia ventricular esquerda. De acordo com o artigo, observou-se que, nos pacientes com hipertrofia cardíaca, há um predomínio de aterosclerose. “O espessamento da camada íntima está relacionado à hipertrofia ventricular esquerda”, afirma Vieira. Como a aterosclerose é a principal alteração nas artérias responsável por episódios de infarto e AVC, os resultados podem ajudar a entender por que pacientes em diálise que apresentam hipertrofia cardíaca tendem a desenvolver problemas circulatórios mais graves.

Os exames também avaliaram a espessura médio-intimal, a medida convencional nesse tipo de avaliação, mas sua relação com a hipertrofia cardíaca revelou-se menos evidente. Os resultados mostram que examinar as camadas separadamente oferece aos médicos subsídios mais eficazes para identificar a presença de doenças cardíacas. “Se há uma hipertrofia no coração, a camada íntima da carótida fica mais espessa. Isso é um indicativo de que problemas cardíacos também são acompanhados de alterações em outras partes do corpo”, sintetiza Nadruz.

Agnes Santos, nefrologista e coautora da pesquisa: pacientes renais crônicos tendem a ser mais vulneráveis a doenças cardíacas
Agnes Santos, nefrologista e coautora da pesquisa: pacientes renais crônicos tendem a ser mais vulneráveis a doenças cardíacas

Pacientes comprometidos

Agnes Santos, nefrologista e coautora da pesquisa: pacientes renais crônicos tendem a ser mais vulneráveis a doenças cardíacas
Agnes Santos, nefrologista e coautora da pesquisa: pacientes renais crônicos tendem a ser mais vulneráveis a doenças cardíacas

Vários fatores tornam os pacientes com doença renal crônica vulneráveis às doenças cardíacas. A redução na capacidade de filtragem dos rins leva ao acúmulo de toxinas no organismo e a quadros inflamatórios, enquanto o acúmulo de líquidos no corpo favorece a dilatação cardíaca. Pacientes renais também podem apresentar o hiperparatireoidismo, uma condição endócrina que altera o equilíbrio entre o cálcio e o fósforo no organismo e que pode aumentar a calcificação vascular. Os comprometimentos e as particularidades desses pacientes dificultam a própria realização de estudos, já que os resultados obtidos não podem ser comparados com os de outros pacientes, e vice-versa. “Se conseguirmos intervir antes, é possível reduzir a mortalidade e aumentar sua qualidade de vida”, diz Vieira.

Além do ganho de conhecimento, o estudo melhorou o próprio tratamento dos pacientes. Os laudos dos exames passaram a integrar seus prontuários médicos, contribuindo com o trabalho de outros profissionais. “Quando a pesquisa médica é feita de forma protocolada, conseguimos melhorar a assistência aos pacientes”, afirma Vieira. Segundo Nadruz, isso também se tornou possível graças ao elevado grau de colaboração entre os docentes e os profissionais de diferentes setores. “Essa é a vantagem de desenvolvermos a pesquisa em um hospital multidisciplinar como o HC”.

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