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Borboleta polinizadora visita orquídea-da-praia: poliformismo não favorece o sucesso reprodutivo da planta
Borboleta polinizadora visita orquídea-da-praia: poliformismo não favorece o sucesso reprodutivo da planta  

Pequenas e discretas, principalmente se comparadas a outros membros da família das orquídeas, podem passar despercebidas a um olhar desatento. No entanto chamaram há muito tempo a atenção dos cientistas. Além da beleza delicada e única, as Epidendrum fulgens, conhecidas como orquídea-da-praia, apresentam características curiosas. Entre as quais, mecanismos responsáveis por fazerem indivíduos de uma mesma espécie apresentarem cores e formas diferentes. Esse fenômeno, denominado polimorfismo, favoreceria a reprodução das plantas. Não no caso dessa pequena orquídea.

Um artigo publicado por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp na revista Plant Biology descreveu essa qualidade intrigante da espécie. O estudo, parte do mestrado em biologia vegetal de Beatriz Lucas Arida, com orientação do professor Fábio Pinheiro, investigou se a variação de cores entre as E. fulgens contribui para seu sucesso reprodutivo. Os cientistas descobriram que, contrariando uma hipótese consagrada na biologia, esse polimorfismo não favorece a polinização e, consequentemente, o sucesso reprodutivo da planta. O teste responsável por comprovar essa hipótese, inédito para uma espécie vegetal nativa de regiões tropicais, abre novos caminhos nos esforços para explicar o polimorfismo que torna essas orquídeas tão intrigantes.

Razões do polimorfismo

A oferta de vantagens a insetos que as visitam é um dos mecanismos usados pelas espécies vegetais para favorecer sua polinização. Ao pousarem em uma flor em busca de alimento, como o néctar, abelhas, vespas, borboletas e outros insetos realizam o transporte dos grãos de pólen até a parte feminina dessa flor, promovendo a reprodução da planta. Isso não ocorre no caso das orquídeas E. fulgens. Conhecidas como plantas enganosas, elas não oferecem aos insetos essas recompensas, ou seja, os animais não ganham nada em troca nesse processo. Como consequência dessa relação desigual, os polinizadores passam a reconhecer essas flores enganosas, visitando-as com menos frequência, o que levaria a uma menor taxa de polinização.

Ao mesmo tempo, é comum que plantas enganosas apresentem altos níveis de polimorfismo. No caso da orquídea-da-praia, há uma grande variedades de cores – suas flores podem ser amarelas, laranjas ou vermelhas. De acordo com uma hipótese clássica da biologia, as diferenças inerentes ao polimorfismo ofereceriam um recurso que favorece a polinização. “Nesses casos, os insetos precisariam fazer várias tentativas até perceberem que todos os morfos [todas as flores do grupo] são enganosos”, explica Arida. Essa uma hipótese para explicar por que o polimorfismo da E. fulgens perpetuou-se ao longo do tempo.

A bióloga Beatriz Lucas Arida, autora do estudo: monitoramento em dois períodos de floração, em anos diferentes
A bióloga Beatriz Lucas Arida, autora do estudo: monitoramento em dois períodos de floração, em anos diferentes

Para testá-la, a pesquisadora monitorou as borboletas polinizadoras da E. fulgens em dois períodos de floração, em anos diferentes. As observações, feitas em áreas de restinga de Bertioga e da Ilha do Cardoso, no litoral paulista – áreas nativas da espécie –, e em um jardim experimental no IB, buscaram verificar se as borboletas tinham preferência por alguma das cores e se a presença das três variações juntas, em um mesmo espaço, favoreceria a polinização – nesse caso, o polimorfismo se confirmaria como um recurso enganador.

Arida conta que houve uma frequência muito baixa de polinização das orquídeas, o que exigiu adaptações nas técnicas de estudo. “Em 80 horas de observação em campo, vimos apenas 16 borboletas. Quando alguma delas surgia, precisávamos acompanhar seu voo e ficar atentos se ela pousava em alguma flor.” Os cerca de dez segundos de pouso eram decisivos para que a cientista fotografasse a borboleta, verificando se houve polinização. “Diferentemente de outras plantas, as orquídeas têm todo o pólen concentrado em um saco chamado polínia. Quando a borboleta visita a flor, ela retira toda a polínia, que é possível de ser vista”, conta.

O professor Fábio Pinheiro, orientador: seleção natural ocorrendo na prática
O professor Fábio Pinheiro, orientador: seleção natural ocorrendo na prática

Já no jardim experimental, foram montados canteiros com orquídeas de uma mesma cor, amarelas, laranjas e vermelhas, e outro com as cores misturadas. Segundo os pesquisadores, grande parte das borboletas encontradas no litoral frequenta a região do campus da Universidade em Campinas, possibilitando a comparação. Não houve diferenças significativas entre os canteiros com apenas um morfo e os canteiros com indivíduos de várias cores. “Não vimos a hipótese clássica se confirmar”, sintetiza Arida.

Porém os biólogos perceberam que algumas cores de orquídeas receberam mais visitas que outras. Para os pesquisadores, isso se explica devido ao grande número de espécies que polinizam a E. fulgens. “Há, no mínimo, 32 espécies [de borboletas que pousam na orquídea-da-praia]. Só em nosso estudo, descobrimos dez novas”, relata Arida.

O estudo abre caminhos para investigar outras razões para a E. fulgens preservar seu polimorfismo, como a hipótese de os pigmentos florais cumprirem alguma função na fisiologia da planta. De acordo com o orientador do mestrado, a pesquisa também se destaca pela persistência e inventividade de Arida, que combinou várias técnicas, como os cruzamentos manuais entre as orquídeas, a análise de sua morfometria geométrica, o uso de espectrometria de luz para verificar a diferença de cores e as análises sobre seleção natural. “Nessas análises, geralmente são feitas inferências indiretas. Porém, nesse trabalho, vimos aspectos da seleção natural ocorrendo na prática”, afirmou Pinheiro

Borboleta polinizadora visita orquídea-da-praia: poliformismo não favorece o sucesso reprodutivo da planta

Pequenas orquídeas, grandes questões

Borboleta polinizadora visita orquídea-da-praia: poliformismo não favorece o sucesso reprodutivo da planta
Borboleta polinizadora visita orquídea-da-praia: poliformismo não favorece o sucesso reprodutivo da planta

Pequenas e discretas, principalmente se comparadas a outros membros da família das orquídeas, podem passar despercebidas a um olhar desatento. No entanto chamaram há muito tempo a atenção dos cientistas. Além da beleza delicada e única, as Epidendrum fulgens, conhecidas como orquídea-da-praia, apresentam características curiosas. Entre as quais, mecanismos responsáveis por fazerem indivíduos de uma mesma espécie apresentarem cores e formas diferentes. Esse fenômeno, denominado polimorfismo, favoreceria a reprodução das plantas. Não no caso dessa pequena orquídea.

Um artigo publicado por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp na revista Plant Biology descreveu essa qualidade intrigante da espécie. O estudo, parte do mestrado em biologia vegetal de Beatriz Lucas Arida, com orientação do professor Fábio Pinheiro, investigou se a variação de cores entre as E. fulgens contribui para seu sucesso reprodutivo. Os cientistas descobriram que, contrariando uma hipótese consagrada na biologia, esse polimorfismo não favorece a polinização e, consequentemente, o sucesso reprodutivo da planta. O teste responsável por comprovar essa hipótese, inédito para uma espécie vegetal nativa de regiões tropicais, abre novos caminhos nos esforços para explicar o polimorfismo que torna essas orquídeas tão intrigantes.

Razões do polimorfismo

A oferta de vantagens a insetos que as visitam é um dos mecanismos usados pelas espécies vegetais para favorecer sua polinização. Ao pousarem em uma flor em busca de alimento, como o néctar, abelhas, vespas, borboletas e outros insetos realizam o transporte dos grãos de pólen até a parte feminina dessa flor, promovendo a reprodução da planta. Isso não ocorre no caso das orquídeas E. fulgens. Conhecidas como plantas enganosas, elas não oferecem aos insetos essas recompensas, ou seja, os animais não ganham nada em troca nesse processo. Como consequência dessa relação desigual, os polinizadores passam a reconhecer essas flores enganosas, visitando-as com menos frequência, o que levaria a uma menor taxa de polinização.

Ao mesmo tempo, é comum que plantas enganosas apresentem altos níveis de polimorfismo. No caso da orquídea-da-praia, há uma grande variedades de cores – suas flores podem ser amarelas, laranjas ou vermelhas. De acordo com uma hipótese clássica da biologia, as diferenças inerentes ao polimorfismo ofereceriam um recurso que favorece a polinização. “Nesses casos, os insetos precisariam fazer várias tentativas até perceberem que todos os morfos [todas as flores do grupo] são enganosos”, explica Arida. Essa uma hipótese para explicar por que o polimorfismo da E. fulgens perpetuou-se ao longo do tempo.

A bióloga Beatriz Lucas Arida, autora do estudo: monitoramento em dois períodos de floração, em anos diferentes
A bióloga Beatriz Lucas Arida, autora do estudo: monitoramento em dois períodos de floração, em anos diferentes

Para testá-la, a pesquisadora monitorou as borboletas polinizadoras da E. fulgens em dois períodos de floração, em anos diferentes. As observações, feitas em áreas de restinga de Bertioga e da Ilha do Cardoso, no litoral paulista – áreas nativas da espécie –, e em um jardim experimental no IB, buscaram verificar se as borboletas tinham preferência por alguma das cores e se a presença das três variações juntas, em um mesmo espaço, favoreceria a polinização – nesse caso, o polimorfismo se confirmaria como um recurso enganador.

Arida conta que houve uma frequência muito baixa de polinização das orquídeas, o que exigiu adaptações nas técnicas de estudo. “Em 80 horas de observação em campo, vimos apenas 16 borboletas. Quando alguma delas surgia, precisávamos acompanhar seu voo e ficar atentos se ela pousava em alguma flor.” Os cerca de dez segundos de pouso eram decisivos para que a cientista fotografasse a borboleta, verificando se houve polinização. “Diferentemente de outras plantas, as orquídeas têm todo o pólen concentrado em um saco chamado polínia. Quando a borboleta visita a flor, ela retira toda a polínia, que é possível de ser vista”, conta.

O professor Fábio Pinheiro, orientador: seleção natural ocorrendo na prática
O professor Fábio Pinheiro, orientador: seleção natural ocorrendo na prática

Já no jardim experimental, foram montados canteiros com orquídeas de uma mesma cor, amarelas, laranjas e vermelhas, e outro com as cores misturadas. Segundo os pesquisadores, grande parte das borboletas encontradas no litoral frequenta a região do campus da Universidade em Campinas, possibilitando a comparação. Não houve diferenças significativas entre os canteiros com apenas um morfo e os canteiros com indivíduos de várias cores. “Não vimos a hipótese clássica se confirmar”, sintetiza Arida.

Porém os biólogos perceberam que algumas cores de orquídeas receberam mais visitas que outras. Para os pesquisadores, isso se explica devido ao grande número de espécies que polinizam a E. fulgens. “Há, no mínimo, 32 espécies [de borboletas que pousam na orquídea-da-praia]. Só em nosso estudo, descobrimos dez novas”, relata Arida.

O estudo abre caminhos para investigar outras razões para a E. fulgens preservar seu polimorfismo, como a hipótese de os pigmentos florais cumprirem alguma função na fisiologia da planta. De acordo com o orientador do mestrado, a pesquisa também se destaca pela persistência e inventividade de Arida, que combinou várias técnicas, como os cruzamentos manuais entre as orquídeas, a análise de sua morfometria geométrica, o uso de espectrometria de luz para verificar a diferença de cores e as análises sobre seleção natural. “Nessas análises, geralmente são feitas inferências indiretas. Porém, nesse trabalho, vimos aspectos da seleção natural ocorrendo na prática”, afirmou Pinheiro

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