
Grupo desenvolve cimento ecológico
Linha de pesquisa pioneira investiga propriedades e aplicabilidade de produto alternativo

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a construção civil brasileira ficou em terceiro entre os setores da economia nacional que mais cresceram em 2024, contribuindo com um aumento de 4,3% no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Embora traga impactos positivos para o desenvolvimento do país, tal desempenho também está associado a uma maior emissão de gases do efeito estufa: o cimento Portland, principal aglomerante utilizado na produção de concreto, demanda a queima de calcário – rocha utilizada na fabricação da cal – a temperaturas superiores a 1.000 ºC, o que implica a liberação de uma enorme quantidade de gás carbônico no meio ambiente.
“Para cada quilo de cimento convencional produzido, há a emissão de cerca de 600 gramas de gás carbônico na atmosfera, e o Brasil hoje produz por volta de 60 milhões de toneladas de cimento por ano”, relata Carlos Eduardo Marmorato, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau) da Unicamp. Segundo o docente, o mercado desconhece a existência de aglomerantes alternativos, fazendo do Portland a única opção para erguer edificações. “Para se ter uma ideia, esse cimento perde apenas para a água em termos de consumo per capita mundial.”
Há cerca de seis anos, Marmorato coordena, na pós-graduação da Fecfau, uma linha de pesquisa voltada a estudar o óxido de magnésio, um composto químico que tem apresentado resultados promissores na produção de cimentos alternativos. Desenvolvido em 1867 pelo engenheiro civil francês Stanislas Sorel, o cimento magnesiano é tão antigo quanto o convencional. Sua baixa densidade, uma boa resistência ao fogo e a pouca condutividade térmica o tornam apropriado para a produção de placas leves, mas o produto nunca contou com uma aplicação maciça na indústria devido à combinação de desconhecimento da parte do público e limitações relacionadas à durabilidade do material quando em contato com a água.

O grupo da Unicamp tornou-se pioneiro no país ao estudar essa tecnologia. O primeiro ciclo de pesquisas, que contou com dois mestrados e três doutorados, envolveu regatar o, ampliar o conhecimento sobre o e aprimorar o produto, resultando na elaboração de um livro a ser publicado ainda este ano. Como parte das pesquisas, o grupo também desenvolveu a primeira placa plana magnesiana do Brasil, um tipo de componente construtivo que permite uma maior versatilidade em acabamentos e revestimentos. Seu uso mostrou-se especialmente propício na indústria da construção a seco, envolvendo sistemas como o drywall e o light steel frame, que edifica as estruturas com aço galvanizado.
De acordo com Marmorato, essa linha de pesquisa pretende encontrar soluções que ajudem a construção civil brasileira a sair da alvenaria, um sistema artesanal e lento responsável por limitar a construção em larga escala. A nova tecnologia poderia acelerar, principalmente, a produção de casas destinadas à população de menor renda, que sofre com um déficit habitacional de cerca de 6 milhões de moradias. “No sistema industrializado, você entrega unidades habitacionais mais rápido e há menos perdas na construção. Mas é preciso romper com o tradicionalismo, especialmente quando falamos de programas de governo”, afirma o docente, observando que a iniciativa privada encontra-se bem mais avançada nessa área.

Pesquisas
Finalizado este ano, o primeiro ciclo de pesquisa terminou com a defesa de doutorado da engenheira civil Elaine de Souza Freitas, que avaliou a influência da cinza do bagaço de cana-de-açúcar nas propriedades mecânicas do cimento magnesiano. Por ser uma fonte rica em sílica – mineral que, quando beneficiado, melhora a resistência do concreto –, imaginou-se que essas cinzas poderiam contribuir para a durabilidade e o desempenho das placas magnesianas, dando uma destinação mais apropriada aos resíduos das indústrias de açúcar e de etanol.
Embora tenha constatado uma melhora na qualidade do produto, o estudo descobriu que as cinzas do bagaço da cana apresentam um desempenho mais interessante como carga para endurecer o cimento, o que permite baratear a produção das placas planas. “A carga é um material inerte e importante do ponto de vista do volume e da otimização, pois permite reduzir a quantidade dos outros componentes presentes na fórmula”, afirma Marmorato, explicando que a construção civil geralmente usa o carbonato de cálcio como carga, uma substância também proveniente do calcário.
Pesquisas anteriores já haviam estudado a durabilidade do cimento magnesiano, com a submissão de amostras à pressão e ao contato com a água para avaliar sua resistência, bem como a criação de soluções híbridas contendo óxido de magnésio e cimento Portland. Nesses ensaios, realizaram-se testes de envelhecimento acelerado e de degradação, permitindo aos pesquisadores verificar se há decomposição ou perda de resistência mecânica do produto. Tais observações demonstraram serem perfeitamente contornáveis as limitações quanto à durabilidade no contato com a água. Como resultado, o grupo conseguiu desenvolver compostos tão duráveis quanto o cimento tradicional.
Atualmente, a linha de pesquisa inicia um novo ciclo, aberto a pesquisadores interessados em continuar o aperfeiçoamento do cimento magnesiano. A intenção é manter a busca por avanços responsáveis por reduzir as emissões de gases do efeito estufa e promover sistemas construtivos industrializados a seco, com foco em placas de fechamento para drywall e light steel frame. “Esses são os eixos principais da linha de pesquisa. A maior necessidade da construção civil é a otimização do consumo dos materiais, em conjunto com a redução das emissões de gás carbônico. Então precisamos de alternativas que estejam atreladas a volumes menores de emissão, mas também valorizamos sistemas mais rápidos, personalizados e com menos desperdícios”, resume o docente.