Tese avalia impactos de mudanças climáticas na dispersão de sementes
Alteração na distribuição de animais e plantas poderá causar perdas na Mata Atlântica


Alteração na distribuição de animais e plantas poderá causar perdas na Mata Atlântica
Nas próximas décadas, as condições climáticas desfavoráveis causarão mudanças na distribuição espaço-temporal de animais e plantas presentes em fragmentos da Mata Atlântica, podendo impactar a qualidade e a intensidade da dispersão de sementes. Essa foi a conclusão de cientistas do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp que combinaram trabalho de campo com análises estatísticas e laboratoriais para descobrir os efeitos das mudanças climáticas na dispersão de sementes da embaúba-prateada e da palmeira do tipo juçara, duas árvores-chave da floresta estacional semidecídua.
Pertencente ao bioma da Mata Atlântica, a floresta semidecídua se caracteriza por possuir duas estações bastante distintas, com grandes precipitações no verão e, no inverno, períodos de seca intensa que causam a perda de folhas em 50% das árvores. Como produzem frutos na estação mais fria – quando a maioria das outras plantas não está produzindo –, as duas espécies investigadas funcionam como um recurso importante para alimentar a comunidade faunística que ali reside. A ausência de dispersores de sementes, no entanto, poderá gerar, no médio e longo prazos, uma redução populacional das árvores, ameaçando a sobrevivência dos animais que permanecerem na região.
“Nas análises, a gente observou que haverá, de maneira geral, uma alteração na distribuição dos animais e plantas em direção às regiões sul e sudeste da Mata Atlântica, no sul do Brasil”, explica o biólogo Eduardo Rigacci, que conduziu a pesquisa para a obtenção de seu doutorado em ecologia. “Isso porque o sul vai se tornar um local com dias consecutivos de muita precipitação, enquanto que, em quase toda a extensão da América Latina, os dias consecutivos serão mais quentes e secos”, relata o autor, que utilizou modelos matemáticos para testar tanto a distribuição potencial desses animais quanto a queda na dispersão futura, a partir de projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
Como resultado da ausência de dispersores, as duas espécies de árvore sofrerão uma queda de 25% na quantidade de sementes distribuídas caso o cenário moderado do IPCC ocorra – um cenário no qual haveria um aumento na emissão de gases do efeito estufa em conjunto com o aumento das medidas de mitigação. Mas, se o cenário severo vier a acontecer, com um aumento das emissões sem que ocorram medidas eficazes de mitigação, as sementes da embaúba-prateada registrariam uma queda de 41% em sua dispersão e as da juçara, de 38%. “Uma das principais consequências diz respeito ao valor ecológico dessas plantas porque, quando elas não conseguem expandir a sua distribuição, pode haver uma queda na abundância de animais”, comenta o biólogo.
Isso porque a dispersão de sementes é um processo de coevolução muito importante tanto para as plantas quanto para os animais, especialmente em regiões de clima tropical, em que 90% da vegetação que produz madeira depende da distribuição realizada pelos frugívoros. Esses, ao comerem os frutos e sementes das plantas, obtêm carboidratos, lipídios e proteínas essenciais para a sua sobrevivência na floresta e, por meio das fezes ou da regurgitação, devolvem essas sementes limpas da polpa para o solo. Além de facilitar a germinação das sementes, esse processo permite que novos indivíduos nasçam longe da planta-mãe, expandindo os limites geográficos da vegetação.


Efetividade
Obter os dados da pesquisa não se mostrou uma tarefa fácil para Rigacci. Sentado com um binóculo em três reservas florestais do interior de São Paulo, o autor passou 350 horas observando os animais que se alimentavam da embaúba-prateada e da juçara. Fazendo isso, identificou 21 aves e 2 primatas que frequentavam uma ou ambas as árvores, incluindo bem-te-vis, diversos tipos de sabiá, tucanos, o macaco-prego e o sagui-de-tufos-pretos. Somente na Mata Atlântica, essas 23 espécies de animais respondem pela dispersão das sementes de cerca de 300 outras espécies, o que pode gerar um efeito cascata para a sobrevivência de outras plantas caso desapareçam.
Algumas dessas espécies, como os sabiás e os bem-te-vis, têm uma capacidade grande de se movimentar pelo seu habitat, atravessando áreas não florestadas como formações agrícolas e urbanas. Outras, no entanto, como os primatas, não possuem essa capacidade e acabam ilhados em fragmentos de mata, o que também impactará a dispersão das sementes. “Cada planta depende de um grupo de dispersores diferente, mas nem todos têm a mesma resiliência e nem a mesma eficiência de dispersão. Com as mudanças climáticas e o desmatamento, quem vai sobrar, os eficientes ou os ineficientes?”, pergunta o docente Wesley Rodrigues, que orientou o estudo.
Por esse motivo, a pesquisa também investigou qual a eficiência da dispersão de sementes quando realizada por esses animais. No Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) de São Paulo, Rigacci ofereceu os frutos das duas árvores às mesmas espécies que haviam sido avistadas nas áreas de floresta, coletando seus dejetos para testes de germinação em laboratório. O pesquisador comparou a qualidade da germinação de sementes que passaram pelo trato digestivo desses animais com a daquelas que não passaram por esse processo, verificando que as primeiras germinavam em maior quantidade que as últimas.
Para se ter uma ideia, enquanto os índices de germinação das sementes intocadas não ultrapassou os 15% para as duas plantas, cerca de 40% das sementes de embaúba-prateada e 70% das sementes da juçara germinaram após a passagem pelo trato digestivo. No caso da embaúba-prateada, o sagui-de-tufos-pretos e o sanhaço-cinzento foram os frugívoros que promoveram os maiores índices de germinação, enquanto o sabiá-barranco, o tucano e o jacuguaçu apresentaram os melhores resultados para a juçara. Além disso, enquanto pássaros pequenos visitaram ambas as plantas com uma maior frequência, pássaros de tamanho médio foram os que dispersaram mais sementes por visita.
De acordo com os pesquisadores, os resultados obtidos pelo estudo devem servir de alerta, antecipando a perda das espécies, mas também contribuir para guiar políticas de conservação que considerem a influência das interações ecológicas na manutenção das espécies. “O Eduardo realizou a tese dele em fragmentos florestais. Essa palavra, em si, já denota uma questão preocupante, pois a Mata Atlântica está encolhendo e é notável a perda de dispersores. Se os dispersores se ausentam, não vai haver interação com as plantas que estão ali e, com isso, você compromete a sobrevivência de todos no longo prazo”, avalia o orientador.
