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‘Saio cansado, mas feliz

Antonio José de Almeida Meirelles faz um balanço do quadriênio em que esteve à frente da Unicamp

Antonio José de Almeida Meirelles (Tom Zé) construiu sua carreira na Unicamp, da graduação à docência, sem o propósito de alcançar, um dia, o posto máximo do quadro administrativo da Universidade. “Não sou dessas pessoas que fazem planos de longo prazo, nem acredito que eu seja um iluminado”, revela o engenheiro de alimentos, cujo mandato como reitor se encerra neste mês de abril. “Sei que eu estava no lugar certo, na hora certa, e que tinha competência para assumir o cargo.”

Meirelles conversou com o Jornal da Unicamp entre o primeiro e o segundo turno da consulta à comunidade acadêmica para a escolha de seu sucessor, vencida pelo docente da Faculdade de Educação Física (FEF) Paulo Cesar Montagner. Nesta entrevista, o reitor aponta os principais desafios que enfrentou em sua gestão, iniciada em 2021, ainda durante a pandemia de covid-19, e destaca os avanços mais significativos ocorridos no quadriênio. “Não sei se mudei tantas coisas concretamente, mas espero ter contribuído para a construção de uma cultura universitária mais convergente”, avalia. “Saio cansado, mas feliz.”

O reitor discursa em sua posse, em abril de 2021, durante a pandemia: debates intensos e comunidade dividida sobre o retorno às atividades presenciais
O reitor discursa em sua posse, em abril de 2021, durante a pandemia: debates intensos e comunidade dividida sobre o retorno às atividades presenciais

Jornal da Unicamp – O sr. assumiu a Reitoria da Unicamp durante a pandemia de covid-19. Quais foram os principais desafios que sua gestão enfrentou no contexto da crise sanitária?

Antonio José de Almeida Meirelles – Do ponto de vista individual, a primeira coisa marcante foi a cerimônia de posse. Embora fosse um momento pessoal extremamente importante, apenas minha mulher e minha filha estavam presentes. Demais familiares e amigos não puderam participar. A própria comunidade universitária não estava lá presente. Institucionalmente, foi complicado gerir a Universidade naquelas condições, com muitas pessoas afastadas. Minha maior preocupação era conseguir manter o atendimento à população na área da saúde, que já vinha sendo bem conduzido. Apesar das dificuldades, o atendimento continuou.

A partir do meio do ano, começou a haver uma pressão externa pelo retorno às atividades presenciais. Isso era algo que nos preocupava bastante – não somente porque ainda havia muito receio na comunidade acadêmica em relação à pandemia, mas também pelos desafios logísticos. Boa parte dos membros da comunidade não vive na cidade em que estuda e seria necessário haver uma oferta de serviços para absorver o retorno dessas pessoas aos campi. No entanto estava tudo parado. Se não me engano, o restaurante universitário não estava servindo nem 3 mil refeições por dia, quando o normal seriam 17 mil.

Foi uma época de muita discussão. Havia uma grande divisão na comunidade. O maior desafio foi construir o consenso internamente. Defendi que deveríamos aceitar tudo o que nos fosse pedido, exceto que não houvesse o retorno. Esse era o meu limite. Retomar a vida universitária foi difícil, e acredito que isso ainda não tenha ocorrido de forma plena.

JU – Que lições o sr. tirou desse período inicial da gestão, sobretudo no que se refere à construção do consenso para o retorno às atividades presenciais?

Antonio José de Almeida Meirelles – A experiência gerou um aprendizado no sentido de diferenciar o que é negociável daquilo de que não se pode abrir mão em uma determinada discussão. As características da Unicamp tornam mais exigentes as condições de construção de consenso. Nosso campus principal não é tão grande como o da USP [Universidade de São Paulo] nem tão pequeno como os campi da Unesp [Universidade Estadual Paulista]. Ou seja, temos um espaço de convivência vibrante, com potencial para o surgimento de tensões, no qual as estruturas de poder são relativamente acessíveis.

Na preparação para o retorno às atividades presenciais, houve quem defendesse a suspensão do controle de presença. O tema foi discutido no Conselho Universitário [Consu]. Para mim, era importante que o controle fosse mantido, pelo menos como diretriz. Sabemos que no plano individual os professores podem ser mais ou menos rígidos, mas, como instituição, não podíamos simplesmente liberar a frequência. O fato é que nessas situações o excesso de rigidez pode, por um lado, nos levar ao isolamento; por outro lado, aceitar tudo significa perder a capacidade de orientar a instituição. Acredito que conseguimos, nesse e em outros casos, alcançar um nível satisfatório de consenso sem abdicar de posições essenciais.

JU – Em seu discurso de posse, o sr. disse ser necessário que a Universidade se aproximasse do conjunto da sociedade. Houve avanços nesse sentido, em sua avaliação?

Antonio José de Almeida Meirelles – Os países que foram capazes de se desenvolver mais recentemente construíram uma relação intensa entre as demandas da sociedade e os centros produtores de conhecimento. Isso aconteceu na Coreia do Sul e na China, por exemplo, e o Brasil poderia ter seguido o mesmo caminho. Nós perdemos, em parte, esse bonde, mas não completamente, porque temos boas universidades e um bom senso de produção de conhecimento. Em algumas áreas, a relação da academia com a sociedade já está bem estabelecida. Boa parte da pesquisa agrícola brasileira, por exemplo, é pautada pelas necessidades da agricultura. O mesmo ocorre com relação às doenças tropicais.

Pelo meu viés de engenheiro, tendo a falar muito de inovação, porém não é apenas a indústria que pode se beneficiar dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos oriundos das universidades. Esse conhecimento também pode servir ao Estado e às organizações sociais, na forma de políticas públicas. Isso sempre foi muito claro para mim, mas tinha dúvidas sobre como a comunidade interna enxergava a questão.

Desde o início, vi como um desafio a tarefa de mostrar para as pessoas que é possível unir as duas perspectivas – com um objetivo duplo, eu diria, porque a intensificação das relações com a sociedade cria uma dinâmica mais positiva para a geração de conhecimento, que se retroalimenta, mas também legitima a existência das universidades. Em geral, houve um movimento muito bom nesse sentido. Isso foi uma grande conquista.

JU – Houve, então, uma mudança significativa na forma como a comunidade acadêmica enxerga o relacionamento da Unicamp com a sociedade?

Antonio José de Almeida Meirelles – Houve uma mudança, mas ela ainda não é sólida. A ala mais progressista do público universitário tem uma visão sobre o que seria um mundo perfeito, e esse modelo precisa, obrigatoriamente, funcionar. São pessoas muito inclusivas no que diz respeito a questões sociais e étnico-raciais, mas que têm dificuldade para interagir com quem diverge de suas posições políticas. Essas pessoas geralmente não consideram que os processos de inclusão exigem como contrapartida que a universidade se relacione com o conjunto da sociedade e mostre a sua importância para todos os segmentos que a compõem.

No caso do público mais conservador, por outro lado, existe uma visão de mérito que muitas vezes despreza formas de conhecimento que fujam do padrão. Hoje, tudo é conhecimento, tudo é cultura. Há pessoas geniais, inteligentíssimas, que nunca se sentaram em um banco de escola. Tivemos o exemplo dos Racionais, que receberam o título de Doutor Honoris Causa da Unicamp.

É preciso unir as duas coisas. Em particular, as pessoas de pensamento progressista, com as quais me identifico, deveriam se motivar pela ideia de que o importante é fazer algo que esteja de acordo com os seus valores, mesmo que isso implique interagir com quem tem outras convicções. Quem acredita nas suas ideias deve estar disposto a interagir com o diferente.


O desafio, agora, é garantir que a inclusão dê certo

JU – Com relação aos processos de inclusão, o que foi feito na sua gestão para conciliar os mecanismos implementados com a questão da permanência?

Antonio José de Almeida Meirelles – A Unicamp assumiu a bandeira da inclusão de forma definitiva ao aprovar a política de cotas para ingresso na graduação. Viramos uma página e pusemos a discussão em outro patamar. O desafio, agora, é garantir que a inclusão dê ainda mais certo.

No caso dos estudantes pretos e pardos e dos oriundos de escolas públicas, fomos capazes de ampliar consideravelmente os programas de auxílio, criando uma condição de sobrevivência na Universidade que me parece razoável. Já no caso dos indígenas, que não estão habituados a viver em uma sociedade como a nossa, a questão é mais complexa. Mais do que o aspecto pedagógico, há problemas de ordem cultural, de ambientação em um espaço que tem potencial de ser adverso, pelo seu próprio tamanho, aos povos originários. Testou-se o primeiro percurso formativo indígena e agora já estamos no segundo, procurando enfrentar esse tipo de dificuldade.

Em outras áreas, acho que avançamos bem. Aprovamos as cotas para a pós-graduação e para a contratação de docentes. Eu quis que o modelo para os docentes fosse diferente do adotado pelas universidades federais, que torna obrigatória a inclusão de um determinado número de pessoas, mesmo que essas não sejam as primeiras colocadas nos concursos. Isso, em minha opinião, estimula a ideia de que a pessoa não foi escolhida por seu mérito.

Tivemos, nesses quatro anos, alguns momentos de tensão entre membros da comunidade acadêmica, mas que fazem parte de nosso processo de aperfeiçoamento institucional. A tendência é de que a intensidade desses conflitos diminua.

As pessoas que estão sendo incluídas também têm um papel a cumprir na transformação do outro. Nem todo conflito é, necessariamente, uma expressão de racismo. O filme Invictus é um exemplo sobre como se pode caminhar para superar uma fragmentação. Isso exige que quem já teve força reconheça os seus erros e que quem a está conquistando seja capaz de acolher, de alguma forma, aqueles que seriam os seus antigos opressores. Parece-me ser essa a mensagem do filme e a marca genial que Nelson Mandela deixa para o nosso mundo contemporâneo. Há uma dialética aqui que tem de ser bem resolvida.

JU – Falando agora da área da saúde, o sr. liderou um movimento no começo de sua gestão pela implantação de um hospital regional em Campinas. Por que esse projeto não caminhou da forma que se esperava? Ele ainda é factível?

Antonio José de Almeida Meirelles – O projeto foi motivado por dois elementos. O primeiro foi um esforço para recuperar o protagonismo que a Unicamp já teve, historicamente, na organização da saúde regional, proveniente da tradição da medicina preventiva. O outro elemento foi a necessidade de resolver o conflito entre o atendimento de urgência e emergência e o de alta complexidade. O HC [Hospital de Clínicas] está sempre dividido entre essas duas frentes, que concorrem entre si.

Houve ainda a ideia de que uma ação conjunta entre a Unicamp e as prefeituras poderia resultar em economias significativas para o sistema. Ao longo do tempo, o crescimento da demanda por atendimento público de saúde não foi absorvido adequadamente pelos entes federados. As prefeituras passaram então a agir para preencher os buracos, mas esse movimento se deu de forma desarticulada, com a criação de hospitais pequenos em diferentes cidades.

Nesse contexto, o hospital regional poderia tanto suprir a falta de um equipamento de nível secundário como ajudar a organizar a dinâmica entre os atendimentos feitos em Campinas e nas demais localidades. O projeto foi bem recebido pelos prefeitos, mas sua aceitação não ocorreu de forma imediata. Foi necessário um processo permanente de conversa com atores políticos de diferentes perspectivas. Hoje, acredito que a maioria dos prefeitos está convencida da importância da iniciativa, cuja implantação ainda considero completamente factível.

Há, porém, a questão de como a Secretaria de Estado da Saúde define as suas prioridades. A avaliação da secretaria tem sido a de que existem muitos leitos ociosos na região, mas, em nossa opinião, o que há é uma capacidade instalada em lugares inadequados.

JU – Ainda com relação à era da saúde, que recomendação o sr. daria para o seu sucessor a propósito da situação do Hospital Estadual de Sumaré (HES), cuja gestão a Unicamp está prestes a perder?

Antonio José de Almeida Meirelles – A Unicamp assumiu a administração do HES em um contexto difícil e fez mudanças substanciais no funcionamento da unidade, transformando-a em um dos melhores hospitais públicos do Brasil. Perder a gestão desse equipamento é algo que nos preocupa muito – não somente pelo fato de a Unicamp garantir a qualidade do atendimento oferecido ali, mas também porque o hospital é fundamental para a pesquisa e para a formação de bons profissionais da saúde.

Desenvolvemos mais de uma estratégia para enfrentar a situação que está posta. A de menor risco seria renovar o contrato por mais um ano e procurar soluções nesse meio tempo. Já apresentamos essa opção para a Secretaria de Estado da Saúde e vamos fazê-lo novamente.

Também estamos em contato com os deputados estaduais que prezam o trabalho da Unicamp em Sumaré com o objetivo de resolver uma incompatibilidade existente entre a Lei das Fundações (Lei 17.893/2024), aprovada no ano passado, e o Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar 791/1995). A alteração de uma parte específica do código daria um espectro mais amplo de aplicação à Lei das Fundações, o que, nos parece, tornaria possível atribuir a gestão do HES à Funcamp [Fundação de Desenvolvimento da Unicamp] sem necessidade de licitação.

Outra possibilidade seria transformar a nossa área assistencial de saúde, aquela que está em nosso orçamento, em uma autarquia, e, em um segundo momento, incorporar a ela o HES e o Hospital Regional de Piracicaba (HRP). Há exemplos relativamente exitosos nessa linha, como o do Hospital das Clínicas de Botucatu, vinculado à Unesp. A contrapartida dada pela Unesp foi a ampliação de seus cursos. A Unicamp poderia fazer algo semelhante ampliando o ensino superior em Piracicaba, que ficou prejudicado depois do fechamento da Unimep [Universidade Metodista de Piracicaba]. Qualquer reitor que tenha uma visão global da Unicamp deveria aspirar a fortalecer o campus de Piracicaba, que é pequeno em comparação com o de Limeira. Além disso, esse me parece um bom projeto político, que agradaria provavelmente ao governo do Estado e, sem dúvida, à população de Piracicaba.

Em último caso, a Funcamp vai participar como organização social de saúde [OSS] do chamamento público que o governo do Estado pretende fazer para definir quem será o novo gestor do HES. Infelizmente, perdemos recentemente a gestão de dois dos sete AMEs [ambulatórios médicos de especialidade] que administrávamos porque a Funcamp ainda não havia se tornado uma OSS.

reitor
reitor
Reitor em discurso
Reitor com equipamentos de segurança do trabalho

Acima e abaixo, Antonio José de Almeida Meirelles em diferentes momentos de sua gestão: para o reitor, momentos de tensão fazem parte do processo de aperfeiçoamento institucional

Reitor com Krenak
Reitor em entrega de título aos Racionais

reitor

JU – A sustentabilidade foi um dos temas mais caros à sua gestão. Que avanços o sr. destacaria no que se refere à incorporação dessa temática às atividades acadêmicas e ao funcionamento da Universidade?

Antonio José de Almeida Meirelles – Houve um esforço da gestão para que o tema da sustentabilidade passasse a ser tratado internamente de forma mais sistêmica. O culminar desse processo foi a criação do Comitê Assessor de Sustentabilidade da Unicamp, que está ligado diretamente ao Gabinete do Reitor e que tem a missão de articular as diferentes ações em andamento na Universidade. A ideia do comitê surgiu no contexto dos preparativos para a participação da Unicamp nas COPs 28 e 29 [Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas]. Institucionalmente, essa foi uma conquista importante.

O desafio, agora, é avançar na formulação de uma política institucional mais nítida de sustentabilidade. O aspecto mais importante talvez seja a inclusão do tema como um tópico de formação para todos os estudantes, sobretudo na graduação.

Outro ponto fundamental é a continuidade do Projeto Campus Sustentável, porém com uma intensidade maior. Fizemos a reforma de telhados, para que pudessem receber mais placas fotovoltaicas, e passamos, no último ano, a adquirir no Mercado Livre de Energia apenas eletricidade de fontes renováveis, o que considero outra conquista relevante.

Precisamos pensar na sustentabilidade não somente como um elemento ligado à mudança climática ou à preservação ambiental, mas também como um meio para chegar à economia do futuro, ampliando o direito das pessoas à inclusão e à justiça social. O Brasil está diante da sua grande oportunidade de se desenvolver. Nossas condições naturais nos colocam em vantagem em relação aos demais países. O que nos falta é tornar endógena a inovação para viabilizar a transição energética. É preciso compatibilizar o desenvolvimento econômico e a preservação da natureza, fazendo isso com justiça social e inclusão.

JU – Esse é justamente o objetivo do HUB Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS), cujo projeto também recebeu muita atenção por parte da gestão. Em que situação o sr. o entregará ao seu sucessor?

Antonio José de Almeida Meirelles – Ainda estamos em uma fase de muito planejamento e pouca coisa concreta, mas que é necessária. Tivemos um avanço considerável no ano passado, que foi a aprovação, pelo Consu, do plano de ocupação do HIDS Unicamp [área que corresponde à antiga Fazenda Argentina]. O plano definiu restrições para a área a ser ocupada por construções, apontou a localização dos corredores ecológicos e indicou onde se poderá instalar uma usina agrofotovoltaica. O projeto da usina já foi inserido no orçamento da Universidade e há conversas em andamento com uma empresa interessada em ser nossa parceira na iniciativa.

Outra conquista importante foi a aprovação, pela Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], de quase R$ 15 milhões para a construção da nova vila de startups da Unicamp. Estava previsto que a vila ficaria na área original do campus de Barão Geraldo, mas insisti para que a transferíssemos para o HIDS Unicamp, que já abriga a sede da Inova [Agência de Inovação da Unicamp]. Felizmente, conseguimos concluir a tempo as obras de infraestrutura elétrica e de saneamento exigidas pela Finep como contrapartida para a liberação dos recursos.

A não renovação do contrato com a usina de cana-de-açúcar que atuava na área do HIDS Unicamp deixa clara a nossa intenção de dar início às construções no local. Acredito que esse movimento fortalecerá o projeto do HIDS como um todo, na medida em que mostrará para as outras instituições que estamos nos mexendo.

Do ponto de vista da gestão, o conselho do HIDS foi incorporado ao da Fundação Fórum Campinas Inovadora, o que lhe conferiu uma estrutura institucional. A prefeitura, por sua vez, está tomando providências relativas à regulação da ocupação do solo e ao planejamento viário da região, para evitar que ali se forme um corredor de passagem entre as rodovias Adhemar de Barros e Dom Pedro.

Também está sendo discutida a possibilidade de formatação de um modelo de negócios diferente para a área do HIDS Unicamp, em conformidade com a Lei de Inovação, de modo que a Universidade possa negociar o uso dos espaços com empresas em uma condição que valorize o compartilhamento dos processos de inovação.

JU – A valorização dos servidores foi outro ponto que o sr. classificou, ao tomar posse, como uma das prioridades de sua gestão. Como o sr. avalia o conjunto de medidas implementadas no quadriênio?

Antonio José de Almeida Meirelles – O início do mandato foi um período difícil em razão da vigência da Lei Complementar 173/2020, que impôs limitações ao gasto com pessoal até o fim de 2021. Além disso, houve uma redução significativa da renda das pessoas como consequência do processo inflacionário. Esses fatores, somados à recuperação das finanças da Universidade, geraram uma expectativa por um bom reajuste em 2022, que se concretizou com a aplicação do índice de 20,67%.

Pudemos retomar no mesmo ano os processos de progressão, que também haviam sido suspensos em decorrência da legislação já mencionada. Na carreira do magistério superior (MS), o caso mais complicado foi o da livre-docência, pois tivemos de restabelecer o mecanismo, desfeito na gestão anterior, que vincula a obtenção do título à passagem para o nível MS 5.1. Hoje, o processo de progressão na carreira docente está condicionado à obtenção de determinados pré-requisitos, não à disponibilidade de recursos financeiros. Essa é uma medida efetiva de valorização. Outra ação direcionada ao segmento foi a criação de editais específicos para estimular docentes em início de carreira e recuperar a capacidade de pesquisa daqueles cujo trabalho foi muito afetado pela pandemia, o que ocorreu mais intensamente entre as mulheres.

No campo dos funcionários, estamos conduzindo a quarta rodada de progressões. O processo foi sendo aperfeiçoado desde a rodada inicial, realizada em 2022. Já há um esforço maior, por exemplo, para definir os pré-requisitos da progressão horizontal. Ainda existem problemas a serem resolvidos, mas isso é próprio de um universo composto por cerca de 7 mil pessoas. Prefiro que as mudanças sejam implementadas com cautela e de forma gradativa.

Também vale ressaltar que mantivemos órgãos como a DGA [Diretoria Geral da Administração], a DGRH [Diretoria Geral de Recursos Humanos] e o Cecom [Centro de Saúde da Comunidade] sob a gestão de funcionários, estendendo a medida para a Prefeitura Universitária. Tenho a sensação de que os funcionários, de modo geral, encontraram mais espaço para tomar iniciativas no desempenho de suas funções. Cito como exemplo a articulação que a DGA estabeleceu com o Tribunal de Contas do Estado [TCE] e outros órgãos públicos para capacitar a equipe de compras da Universidade a trabalhar com a nova Lei de Licitações.

Tivemos, ainda, um aumento significativo do valor do vale-alimentação. Depois, criamos o vale-refeição e, agora, o auxílio saúde. A preferência por esses benefícios, que muitas empresas fornecem e têm efeito duradouro, constituindo uma espécie de salário indireto, tem a ver com a legitimidade da nossa autonomia. Considero mais positivo, perante a sociedade, aumentar o valor dos benefícios do que colocar dinheiro no bolso das pessoas na forma de abono.

JU – O sr. mencionou a questão da autonomia. Que medidas a gestão tomou para que ela seja preservada no contexto da reforma tributária?

Antonio José de Almeida Meirelles – Houve uma iniciativa forte no âmbito do Cruesp [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas] de estudar o assunto e propor uma solução, apresentada em um evento realizado no Instituto de Estudos Avançados da USP, em agosto do ano passado. Grosso modo, a ideia consiste em usar o modelo da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], tomando como base para o cálculo do repasse às universidades a receita tributária líquida do Estado. O que o Cruesp e a Unicamp, em particular, têm feito é estabelecer uma relação mais próxima com o mundo político nas suas diversas vertentes.

Soubemos criar laços com esse mundo durante a pandemia, que foi um momento de valorização da atividade científica e das estruturas de saúde vinculadas às universidades. Temos atualmente vários programas em parceria com secretarias do governo do Estado e estamos sempre procurando negociar para garantir também os nossos interesses. Isso é algo que precisa ser continuado.

O estabelecimento de relações com o mundo exterior é também um mecanismo de defesa da autonomia, porque ajuda a difundir a ideia de que as estruturas de formação de pessoas e geração de conhecimento podem, de fato, trazer benefícios para a sociedade. Para construir uma maioria a nosso favor, a gente precisa atrair pessoas que não tenham, necessariamente, a nossa cara.

Essa perspectiva ainda não contamina a Universidade como um todo. Ainda assim, acredito que é possível chegarmos a uma visão mais convergente. Mantendo-se determinados padrões civilizatórios, essas relações só beneficiam a Universidade.

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