Pesquisa traça perfil de quem consome produtos orgânicos
Pesquisa traça perfil de quem consome produtos orgânicos
Cuidados com a saúde e questões ambientais estão entre as causas da escolha do consumidor


Vinte e cinco anos após publicar um artigo que se tornou referência nos estudos sobre o consumidor de produtos orgânicos no Brasil, o engenheiro agrônomo Ricardo Cerveira fez um estudo revelando o que pensa esse personagem central de um mercado em vertiginosa expansão. Em seu doutorado, realizado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, o pesquisador aprofunda sua investigação sobre o consumidor de orgânicos, identificando inclusive o quanto os estudos acadêmicos o ignoram.
Na comparação entre o perfil socioeconômico do consumidor de 1999 (contemplado no artigo) e o de 2024 (discutido na tese), Cerveira mostra que o percentual de mulheres cresceu (de 62% para 81%), o público consumidor ficou mais jovem (a grande maioria tem entre 21 e 40 anos), a motivação principal para a escolha dos orgânicos passou a ser, além da saúde, as questões ambientais e, com relação aos preços, a disposição para pagar mais caro que o alimento convencional hoje varia entre 10% e 30%, enquanto em 1999 esse percentual ultrapassava os 30%.
“Os engenheiros agrônomos tendem a pensar somente na produção agrícola, que é importantíssima, mas esquecem da importância daquele que consome. É preciso olhar o todo, desde a produção até o consumidor, que está na ponta, que somos nós. Estudar o consumidor é fundamental para o desenvolvimento de qualquer cadeia de produção porque é preciso enxergar como ele é e o que ele quer. Isso é básico”, defende o pesquisador, mestre em geografia física com temática em agroecologia.
“É fundamental entender o comportamento do consumidor, do contrário, não adianta nada”, reforça o professor de marketing da FCA Christiano França da Cunha, que orientou Cerveira na tese, intitulada “Padrão de consumo e perfil socioeconômico dos consumidores de produtos orgânicos do Brasil”. A pesquisa consiste em três artigos. O primeiro faz uma análise bibliométrica que escancara o desprezo acadêmico em relação a esse consumidor.
A revisão da literatura utilizou dados das bases Scopus e Web of Science (WOS), de 1999 a 2023. Segundo a base Scopus, no universo de artigos acadêmicos sobre a produção orgânica, apenas 0,31% foca o comportamento do consumidor (37 de um total de 11.846 publicações). Na base WOS, o percentual é de 0,32%. Já nas publicações sobre alimentos em geral, na Scopus, o percentual de estudos sobre o consumidor de produtos convencionais é de 4,13% (593 de um total de 14.346 publicações). Nesse mesmo universo, segundo a WOS, 3,92% dos artigos tratam dos consumidores comuns.
“Isso revela a grande lacuna que existe na literatura acadêmica quando o assunto é o consumidor de orgânicos. Há a necessidade de uma maior atenção acadêmica em relação a essa área de pesquisa”, alerta o agrônomo.


Crescimento e desconhecimento
Os baixos números revelados no estudo contrastam com os altos índices de crescimento do consumo de orgânicos em todo o mundo. De acordo com Cunha, esse nicho de mercado dobra a cada ano. “Em 1999, o consumo de orgânicos no mundo movimentava algo em torno de US$ 1 bilhão. Em 2005, já chegava a US$ 40 bilhões, aproximadamente. Trata-se de um consumo que cresce muito. Os pessimistas projetam um crescimento anual de 20%; os otimistas, de 50% a 60%. Não existe nenhum outro mercado assim. Precisamos entender esse consumidor”, diz o professor.
Face ao cenário de crescimento global e nacional, Cerveira buscou, no segundo artigo da tese, identificar as motivações, as barreiras e os pontos de vista desse mercado. No geral, ainda há pouca informação sobre a produção de orgânicos como um todo e não apenas a respeito do seu consumidor. Ao contrário do que acredita a maioria, a cadeia produtiva não se compõe somente de pequenos produtores, por exemplo. Há também grandes empresas, como a Native, em Sertãozinho (SP), diz o engenheiro agrônomo.
De acordo com o pesquisador, a informação leva à tomada de posição do consumidor, e só ele pode forçar uma mudança na cadeia. “A tomada de decisão é o ‘pulo do gato’. Afinal, é o consumidor quem decide. Mas ele tem que ter informação.” Na linguagem econômica, isso se denomina o bem de crença, afirma o professor Cunha. “O consumidor é o rei da cadeia produtiva. Ele manda e desmanda. Se ele falar: ‘Eu não quero’, não se compra. Mas é preciso entender a cadeia produtiva.”


Preocupação ambiental
A temática da produção orgânica começou a difundir-se há 30 anos, quando houve um forte aumento na produtividade mundial dos bens de consumo, com um efeito positivo na disponibilidade de alimentos, mas um impacto negativo no meio ambiente por conta do aumento da contaminação das águas e do assoreamento dos rios. “Há 30 anos, já havia questionamentos sobre as práticas convencionais. A produção agroecológica busca causar menos impactos ambientais”, diz Cerveira.
Nesse segundo artigo, o pesquisador analisa os fatores sociodemográficos e motivacionais que influenciaram o padrão de consumo de produtos orgânicos no Brasil entre 2019 e 2023 com base em dados fornecidos por uma pesquisa da Organics Brasil realizada em 2019, 2021 e 2023, com 4.030 entrevistados de diversas cidades brasileiras. A abordagem ocorreu em pontos do varejo, considerando motivações como saúde, sustentabilidade e renda. O estudo chegou à conclusão de que a saúde representa o principal motivador enquanto o preço, a principal barreira. O pesquisador sugere que políticas públicas podem reduzir os custos e aumentar a visibilidade dos orgânicos.
No terceiro artigo, o agrônomo compara as mudanças no comportamento do consumidor de produtos orgânicos entre 1999 e 2024, tomando por base o seu artigo publicado em 1999. Segundo Cunha, trata-se do primeiro artigo sobre orgânicos a discutir o comportamento do consumidor e trata-se do mais citado sobre esse tema no Brasil. Cerveira traçou um perfil do consumidor de orgânicos a partir de dados coletados na Feira de Produtos Orgânicos do Parque da Água Branca, em São Paulo, por meio de 121 entrevistas. Os dados de 2024 foram coletados na BioBrazil Fair, com 300 pessoas que responderam questões sobre seu perfil, a frequência de consumo, suas motivações e sua percepção a repeito dos preços.
O cientista identificou uma queda no índice de fidelidade dos consumidores e uma diversificação nas motivações para a compra, com um maior interesse na sustentabilidade e na qualidade, além de na saúde. Houve também uma redução na disposição para pagar caro por produtos orgânicos. “Isso é importante para quem produz.”
“Esse é um produto ‘nichado’. Para romper esse nicho, precisamos de abordagens diferentes de modo a atingir outros públicos”, defende o engenheiro agrônomo, que lança muitas questões sobre o futuro do mercado de orgânicos: será que não está na hora de se preocupar com o preço?; será que isso interfere no meu modo de produção?; não está na hora de “estourar” o nicho?; como vou falar com outro público?
No final do século XX, só se conseguia comprar orgânicos em lojas especializadas. Hoje, 70% de todos os produtos do tipo vendidos no Brasil estão no supermercado, diz o orientador. “Tivemos várias mudanças, de informação e de acesso.” Para Cunha, os não orgânicos já tentam conquistar o consumidor de orgânicos. “Daqui a cinco ou dez anos, se [o produto] não for sustentável, nem entrará mais no mercado.”