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Pesquisa retrata experiência escolar de crianças com doenças crônicas

Estudo foi realizado no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas da Unicamp

Ambulatório de pediatria do HC: 22 crianças com necessidades especiais, com idades entre 6 e 12 anos, participaram da pesquisa
Ambulatório de pediatria do HC: 22 crianças com necessidades especiais, com idades entre 6 e 12 anos, participaram da pesquisa

O Messi, o Homem-Aranha, a Rapunzel, o Unicórnio de Gelo, o Coringa, a Cinderela, o Bob Esponja e a Lady Bug (nomes fictícios) são algumas das crianças com hepatite autoimune, diabetes, reumatismo, lúpus, dermatite atópica, síndrome de Marfan, fibrose cística, cardiopatia congênita e HIV atendidas no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Esses pacientes participaram de um estudo realizado com o objetivo de entender como as hospitalizações, as consultas médicas frequentes ou a própria doença interferem na ida às aulas, na adaptação escolar e no processo de aprendizagem.

Os avanços tecnológicos na área da saúde e as novas terapias garantiram um aumento na sobrevida de crianças clinicamente frágeis. Isso levou ao surgimento de um grupo de menores de idade dependentes de tecnologia e dos cuidados com a saúde, denominadas crianças com necessidades especiais de saúde (Crianes). Em 2022, realizou-se o primeiro levantamento epidemiológico sobre a prevalência de Crianes no Brasil. Esse levantamento mostrou que uma em cada quatro famílias tem uma criança de 0 a 11 anos com necessidades especiais de saúde.

O estudo, intitulado “Dando Voz à Criança: a Experiência de Crianças com Necessidades Especiais de Saúde na Escola”, foi conduzido pela enfermeira do HC Álida Maria de Oliveira Andreato em seu mestrado, defendido no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Enfermagem (Fenf) da Universidade, sob orientação da professora Maira Deguer Misko.

A pesquisa também resultou no artigo científico “O ambiente escolar na experiência de crianças com necessidades de saúde especiais: um estudo qualitativo”, publicado na Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), em janeiro de 2025. (https://www.scielo.br/j/reeusp/a/PNWz6Bwrs9rw5DCTHfx6GNz/?lang=pt)

Com o consentimento dos pais e das próprias crianças, participaram da pesquisa 22 pacientes com necessidades especiais de saúde, em idade escolar e que frequentavam a escola. A idade deles variou entre 6 e 12 anos. A análise dos dados permitiu compreender a experiência da criança com necessidades especiais de saúde no ambiente escolar.

“A escola e os relacionamentos sociais são importantes para o desenvolvimento dessas crianças. Contudo as medicações, as limitações físicas e as ausências devido a hospitalizações ou a uma consulta médica interferem no comparecimento às aulas, dificultando a adaptação escolar e seu processo de aprendizagem”, explica Andreato.

A enfermeira Álida Maria de Oliveira Andreato, autora do estudo: crianças elaboram estratégias para se adaptar
A enfermeira Álida Maria de Oliveira Andreato, autora do estudo: crianças elaboram estratégias para se adaptar
A enfermeira Álida Maria de Oliveira Andreato, autora do estudo: crianças elaboram estratégias para se adaptar
A enfermeira Álida Maria de Oliveira Andreato, autora do estudo: crianças elaboram estratégias para se adaptar

Percepções

De acordo com a pesquisa da Unicamp, as crianças veem na escola um ambiente importante para seu desenvolvimento, no qual interagem com outras pessoas de sua idade, fazem amizades e brincam. Elas também sabem que a doença oferece um fator limitante, principalmente nas fases agudas, e que isso interfere no seu desenvolvimento escolar. Mesmo assim, as crianças encontram estratégias para lidar com as dificuldades e para dar continuidade a seu aprendizado.

“Acho que já, várias vezes [referindo-se a perder aula para ir ao hospital ou a uma consulta médica]. Eu tinha que ficar pegando lição para casa”, diz o Coringa. “Sim, eu tive que faltar da escola não era porque eu estava doente. Era porque eu tinha que vir para a Unicamp”, conta a Cinderela. “Ah, ir até a escola para mim é normal. Eu acho que, para mim, é qualidade de vida, porque quando estou na escola é porque eu estou bem da minha doença. […] Então, eu acho que é normal assim, sabe?”, comenta a Rapunzel.

Nas falas registradas pela pesquisa, as crianças também citam as situações incômodas que surgem no contato com as pessoas da escola e manifestam de forma enfática o desagrado sentido quando colegas de aula, por meio de seu comportamento ou de palavras, confrontam-nas a respeito de suas limitações ou identificam-nas como doentes, como se seu estado de saúde as definisse.

“Um dia eu estava na fila do ônibus, aí a menina me xingou de magrelo. […] Ela sabia que eu não engordo por causa da minha doença e mesmo assim ficava me xingando de magrelo. […] Eu não gosto quando acontece isso na escola”, diz o Hulk.“[…] Porque é muito feio ficar com isso aqui [mostra as lesões na pele], mas meu pai e minha mãe me incentivam e isso não é feio. E eu me acostumei a ficar com isso e eu tive força para ir para escola”, relata o Dragon Ball.

“Tomo injeção e mais alguns remédios. Quando tomo injeção, eu não choro, não vou passar vergonha na frente de todo mundo”, explica o Bob Esponja.

Resiliência

A pesquisa mostrou que essas crianças, ao perceberem que têm necessidades diferentes das demais, criam estratégias para se adaptar à escola e, resilientes, encontram caminhos para se aproximar de outras. Não se trata de uma tarefa fácil, e parece ser necessário um tempo de adaptação para que consigam ter essa nova percepção sobre si próprias e sobre as dificuldades impostas pela doença.

“Não, tinha uma caixa. Fizeram uma caixa própria pra mim”, conta o Flecha, descrevendo como pegava livro na biblioteca da escola, já que o local não contava com acesso para cadeirante.

“Eu, quando ia para a escola, não podia jogar futebol. Então eu ficava na arquibancada e aí eu via meus amigos jogar bola. […] Porque eu tinha um problema no coração, que tem um fio a mais, e, se eu corresse um pouco, meu coração acelerava […] parava, ficava calmo e depois melhorava”, diz o Messi.

De acordo com Andreato, a pesquisa aponta esses como fatos marcantes e decisivos para os tipos de relacionamento que se formam ou não no ambiente escolar. O estudo, segundo a enfermeira do HC, corrobora a necessidade de se incluir a criança com necessidades especiais de saúde em seu próprio tratamento, dando-lhe voz.

“Isso terá um impacto direto em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem e também interferirá em sua trajetória de autocuidado, o que lhe dará certo grau de independência e autonomia para seguir sua trajetória escolar apesar da doença.”

Qualidade de vida

De acordo com a pesquisadora, cada criança é única e se faz necessário explorar e exaltar seus dons e habilidades para que haja uma efetiva e assertiva inserção na sociedade, para que haja uma melhora não só em seu desenvolvimento escolar, mas sobretudo em sua qualidade de vida.

Com isso em mente, o estudo defende aprimorar os planos de alta bem como fazer avançar os cuidados e o trabalho conjunto realizados pelos setores da saúde e da educação. Uma das estratégias consistiria em mobilizar o enfermeiro das escolas nas quais se encontram as Crianes.

“O enfermeiro poderá traçar um plano de cuidados individual de saúde que atenda as demandas de cuidados especiais de saúde e capacitar não só as crianças e as famílias, mas a rede de educação, no intuito de implementar estratégias de educação em saúde que favoreçam o convívio social dessas crianças”, finaliza Andreato.

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