Microbiota intestinal pode agravar quadro de pacientes com AVC
Microbiota intestinal pode agravar quadro de pacientes com AVC
Além de investigar ação de microrganismos, estudo buscou identificar biomarcadores


Alguns microrganismos encontrados no intestino humano podem agravar o quadro de pessoas que sofrem um acidente vascular cerebral (AVC) e piorar o desfecho da doença, concluiu uma pesquisa de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Realizado com doentes atendidos no Hospital Estadual de Sumaré (HES), que mantém um convênio com a Unicamp, o estudo conduzido pelo médico clínico Claudio Pilon descobriu que indivíduos com quadros graves de AVC isquêmico apresentam mudanças significativas na microbiota intestinal quando comparados àqueles com quadros leves ou moderados, registrando um aumento no número de bactérias causadoras de inflamação, um fator associado ao risco de derrames.
Entre as principais bactérias presentes com maior frequência nesses pacientes estavam as proteobactérias dos gêneros Escherichia, Campylobacter, Intestinimonas e Porphyromonas. Estas últimas, por exemplo, típicas da flora oral, já haviam sido correlacionadas ao AVC e identificadas em placas de ateroma – um depósito de substâncias como gordura na parede interna das artérias –, mas o estudo inovou ao identificá-las no intestino. “Quando você tem uma higiene dental inadequada, há uma chance maior de bactérias da microbiota oral se alojarem no intestino e porções dessas bactérias ou seus metabólitos geram uma inflamação no organismo”, explica o docente Mario Saad, que orientou o estudo.
A presença dos metabólitos, resíduos gerados pelo metabolismo de um determinado organismo, pode ser mensurada no sangue ou nas fezes, ajudando a compreender quais os possíveis indicadores da gravidade de um quadro patológico. Nos casos mais graves de AVC, os autores identificaram um aumento ou uma diminuição na quantidade de metabólitos cuja presença ou ausência já havia sido relacionada a fatores como uma maior resistência à insulina, um maior risco cardiovascular e um processo mais acelerado de formação de placas de ateroma. Esse achado corrobora a ideia de que existem marcadores específicos relacionados aos casos mais graves de AVC. Os pacientes acometidos por quadros mais leves da doença não apresentaram esses biomarcadores.
A pesquisa ainda constatou que os casos mais graves apresentam uma maior resistência à insulina mesmo quando comparados com pacientes diabéticos que sofreram um AVC leve. “Tudo o que observamos na população grave era comparado com a menos grave, e nós vimos que os mais leves não tinham essa população de bactéria, não tinham resistência aumentada à insulina e não tinham um aumento de determinados metabólitos. Então a ausência desses fatores contribui para que o quadro de AVC seja menos grave”, relata Pilon.


Terapias futuras
Coordenador da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do HES, Pilon analisou amostras de sangue e fezes de 75 pacientes que deram entrada no hospital com diferentes graus de AVC entre os anos de 2018 e 2022. A instituição, referência no tratamento de AVC isquêmico para oito municípios da região de Campinas, recebe uma média de 450 pacientes por ano, mas tem dificuldades para fornecer o cuidado ideal nesses casos porque os procedimentos mais eficazes, voltados a reduzir o coágulo ou retirar o trombo, precisam ser realizados nas primeiras horas após o derrame. Como a maioria dos enfermos chega tarde demais ao HES, a alternativa é administrar ácido acetilsalicílico (AAS), que não apresenta resultados tão eficazes.
Por esse motivo, o estudo buscou identificar biomarcadores que possam servir como alvos em futuras terapias, melhorando o prognóstico de pacientes com diferentes graus da doença. “No Brasil, apenas 2% das pessoas que sofrem um AVC recebem o tratamento adequado, enquanto o restante dos pacientes volta para casa com sequelas porque não consegue receber o tratamento a tempo. Então nós começamos a nos questionar se não haveria outros marcadores nessa doença que pudessem trazer uma luz sobre as formas de prevenção e cuidado. E uma das nossas ideias foi estudar a relação do AVC com a microbiota intestinal”, relata o pesquisador.
Há mais de 15 anos, o Laboratório de Investigação Clínica em Resistência à Insulina (Licri), coordenado por Saad, estuda a microbiota intestinal porque essas bactérias desempenham um papel relevante no desencadeamento da resistência à insulina em pessoas obesas e diabéticas. Ao longo dessas pesquisas, os cientistas constataram que a microbiota, em conjunto com o tecido adiposo, também contribui para um fenômeno inflamatório subclínico – mais brando e crônico do que as inflamações clínicas – nesses pacientes. Como a inflamação e a diabetes também representam fatores de risco para o AVC, os autores começaram a se questionar se essa microbiota influenciaria de alguma forma a gravidade dos casos de AVC.
Paradoxalmente, os autores descobriram que, apesar da tendência à inflamação, os casos mais graves da doença também apresentaram um aumento de bactérias e proteínas anti-inflamatórias no intestino. Embora não tenha sido eficaz o suficiente para amenizar o quadro clínico, esse efeito demonstrou que o organismo possui mecanismos de defesa mais ágeis do que se acreditava, uma vez que a coleta de amostras deu-se na fase aguda da doença. “A nossa surpresa foi ver que o grupo com o fenômeno inflamatório mais marcante já tinha uma resposta anti-inflamatória evidente. É impressionante a rapidez com que o organismo se dá conta de que a homeostasia [capacidade de um organismo de manter um ambiente interno constante] rompeu-se e de que precisa responder rapidamente”, comenta Saad.
A partir desses resultados, os autores acreditam ser possível desenvolver formas de prevenção para os casos mais graves de AVC, por meio da modulação da microbiota intestinal e da administração de medicamentos como bloqueadores de citocinas inflamatórias, moléculas produzidas pelo sistema imunológico e que provocam inflamação. No caso da modulação da microbiota, os probióticos existentes hoje em dia ainda não conseguem resolver o problema, mas uma dieta rica em fibras, como a mediterrânea, já empregada na prevenção de doenças vasculares, pode oferecer uma alternativa para desenvolver uma microbiota intestinal menos inflamatória.