
Estudo detecta agrotóxicos e outros contaminantes em fórmulas infantis
Estudo detecta agrotóxicos e outros contaminantes em fórmulas infantis

Pesquisadoras da Unicamp alertam para a ausência de normas específicas voltadas ao setor no país
Nas prateleiras das drogarias e dos supermercados, as fórmulas infantis se multiplicam e atendem a diversos públicos e demandas nutricionais. Segundo um estudo de 2024 publicado na revista Globalization and Health, a venda de fórmulas infantis no Brasil, entre 2006 e 2020, aumentou 750%, saltando de R$ 278 milhões para R$ 2,3 bilhões. O aumento expressivo no consumo dos produtos chama atenção para a necessidade de um olhar cuidadoso não apenas em relação aos seus benefícios, mas também em relação aos riscos que contaminantes eventualmente presentes nesses alimentos podem trazer à saúde de recém-nascidos e bebês.
Um estudo realizado na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp com fórmulas infantis confirma a preocupação. Foram analisadas 30 amostras de produtos comercializados no país a fim de investigar a presença de resíduos de agrotóxicos e micotoxinas – compostos tóxicos produzidos por fungos. Em duas análises, apareceram resíduos desses compostos, entre os quais o carbofurano e o metamidofós, de uso proibido no Brasil, além de outras substâncias, como fármacos veterinários.
Apesar de a maior parte dos contaminantes registrar concentrações abaixo dos limites de segurança estabelecidos pelas autoridades sanitárias, sua mera presença acende o alerta para o risco de contaminações indiretas, que podem ocorrer na cadeia de produção das fórmulas, e para a necessidade de o país adotar normas específicas voltadas ao setor. As análises, publicadas em dois artigos, uma no Journal of Chromatography A e outra no Journal of Food Composition and Analysis, fazem parte da pesquisa de doutorado de Marcella Vitória Galindo, com orientação da professora Helena Teixeira Godoy e do pesquisador Wellington da Silva Oliveira e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).


De olho nas fórmulas
A primeira análise baseou-se em uma lista de 23 possíveis contaminantes – 19 agrotóxicos e 4 micotoxinas. Os agrotóxicos foram elencados a partir de uma lista elaborada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que disponibiliza relatórios e monografias periodicamente sobre os compostos mais empregados nos campos de cultivo do país. “Fizemos um levantamento sobre as matérias-primas utilizadas e consideramos quais agrotóxicos poderiam ser encontrados com base nos levantamentos da Anvisa”, explica Galindo. As amostras também passaram por uma verificação, chamada triagem suspeita, para apontar a presença de outros contaminantes além dos 23 iniciais. Para isso, a pesquisadora lançou mão de um banco de dados com mais de 2 mil contaminantes, entre agrotóxicos e seus metabólitos, hormônios, fármacos veterinários e outras substâncias.
Nessa análise inicial, o estudo encontrou, abaixo dos limites de segurança estabelecidos pela União Europeia (UE), cujos parâmetros foram usados devido à ausência de uma legislação específica no país, os pesticidas fenitrotiona, clopirifós e bifentrina, assim como as quatro micotoxinas observadas (alfatoxinas B1, B2, G1 e G2). A pesquisadora alerta que, mesmo estando dentro dos níveis especificados, a questão não deixa de ser preocupante. “Isso não significa que esses compostos vão, necessariamente, trazer malefícios, porque o organismo tem a capacidade de metabolizá-los e eliminá-los. O problema é que o organismo dos bebês não tem esse sistema ainda completamente desenvolvido”, afirma.
Uma questão importante envolveu a detecção do carbofurano, agrotóxico proibido no Brasil em 2017 e identificado em cerca de 10% das amostras. Nesse caso, a hipótese é de que a contaminação tenha ocorrido por bioacumulação. “Mesmo não sendo utilizado, o composto pode ainda permanecer no ambiente por muitos anos e contaminar os alimentos”, esclarece Godoy. Foram identificados, na triagem, 32 compostos, entre agrotóxicos não previstos, hormônios e medicamentos veterinários, algo que pode resultar de contaminações na cadeia de produção de matérias-primas como o leite de vaca e o de cabra.
A segunda análise monitorou os resíduos de agrotóxicos também por meio de uma triagem suspeita, com base em um banco de dados com 278 produtos do tipo. Nessa etapa, seis compostos foram detectados em 86,6% das amostras: ftalimida, cis-1,2,3,6-tetra-hidroftalimida, pyridaben, bupirimate, piperonil butóxido e metamidofós. Desses, destacam-se o pyridaben, a ftalimida e a cis-1,2,3,6-tetra-hidroftalimida por estarem em concentrações acima do limite estabelecido pela UE, e o metamidofós, de uso também proibido no Brasil, desde 2012. De acordo com as pesquisadoras, os resíduos podem ter vindo de várias fontes, desde as matérias-primas até o processamento e embalagem. Godoy destaca que o estudo não busca desencorajar o consumo desses produtos, mas garantir a qualidade dos alimentos fornecidos aos bebês. “O processamento é importante e, desde que feito dentro das normas estabelecidas, garante um alimento de qualidade”, diz.


Regulação já
Uma das motivações que levaram Galindo a trabalhar com a análise de fórmulas infantis é a ausência de normas e legislações específicas para o setor no país, o que dificulta o controle sobre os produtos. Nos últimos anos, o avanço das técnicas de análise, como as empregadas na pesquisa, possibilitou estudos mais detalhados. “Não adianta existirem normas se não for possível sabermos se os produtos atendem ou não a elas”, observa Godoy.
A continuidade da pesquisa deverá incluir a análise de amostras de leite materno, com foco na identificação de contaminantes provenientes do ambiente, de embalagens de alimentos e de produtos de cuidado pessoal que podem chegar ao leite via alimentação e devido ao estilo de vida das mães. Além de evidenciar a necessidade de haver normas rígidas para esse tipo de produto, o doutorado de Galindo identifica os fatores humanos envolvidos no problema. “É fundamental promover uma orientação alimentar adequada para as mães, incentivando-as a evitar o consumo de produtos que supostamente estão contaminados por substâncias potencialmente nocivas. Essa conscientização não só protege a saúde individual, mas também reflete um compromisso com a segurança nutricional, tanto da mãe quanto do bebê”, aponta a pesquisadora. “Trata-se de uma questão social e de saúde pública.”