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Enfermeira analisa 3.390 prontuários e realiza revisão sistemática de 55 artigos para fundamentar pesquisa

País desconhece causa de 40% dos óbitos fetais

Enfermeira analisa 3.390 prontuários e realiza revisão sistemática de 55 artigos para fundamentar pesquisa

País desconhece causa de 40% dos óbitos fetais

Enfermeira analisa 3.390 prontuários e realiza revisão sistemática de 55 artigos para fundamentar pesquisa

Uma pesquisa sobre mortalidade fetal, empreendida no Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, joga luz sobre uma situação negligenciada ao revelar que cerca de 40% dos óbitos registrados no Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) têm causa indefinida. O trabalho compreendeu a realização de três estudos, publicados pelo International Journal of Gynecology & Obstetrics. Orientada pelo professor Renato Souza, a pesquisa conferiu à enfermeira-obstetra Mariana Brasileiro, sua autora, o título de mestra em ciências da saúde.

Para traçar um panorama sobre a produção científica referente ao tema, Brasileiro realizou a revisão sistemática de 55 artigos científicos sobre óbitos fetais no país e se deparou com um cenário heterogêneo, fruto, sobretudo, do uso de padrões diferentes para classificar as causas das mortes. Em seguida, a pesquisadora levantou e analisou as características dos óbitos que aconteceram no país na década de 2010, em um estudo feito com base nos dados nacionais disponibilizados pelo DataSUS. Além de identificar um alto índice de diagnósticos imprecisos, o trabalho evidenciou lacunas significativas – na maior parte dos casos, por exemplo, nem mesmo a etnia materna estava discriminada. Para obter informações mais detalhadas e poder traçar um quadro mais preciso, Brasileiro empreendeu uma investigação caso a caso. No terceiro estudo, a pesquisadora examinou 3.390 prontuários médicos e constatou que, em 44% das mortes, os fetos estavam abaixo do peso previsto para sua fase de desenvolvimento.

A enfermeira-obstetra Mariana Brasileiro: entre os achados, padrões diferentes para classificar as causas das mortes
A enfermeira-obstetra Mariana Brasileiro: entre os achados, padrões diferentes para classificar as causas das mortes

O cenário traçado pela pesquisa, pontua Souza, é desigual e preocupante. Embora a proporção de natimortos no país tenha diminuído no período estudado, a queda mostra-se pouco significativa: de 11,1 óbitos a cada mil nascidos para 10,4. Trata-se, explica o professor, do reflexo de diferentes políticas de saúde materna, implementadas desde os anos 1980. “A razão de óbito fetal é um dos indicadores mais sensíveis da qualidade de acesso à saúde pré-natal e intraparto. A do Brasil é quase duas vezes a de países desenvolvidos; para cada óbito materno, há 17 fetais. Países que tinham razões de seis a oito por mil nascidos vivos reduziram essa cifra em quase 20%, com estratégias consideradas relativamente simples, apenas com o compromisso de implementar um pacote de intervenções.”

A enfermeira-obstetra Mariana Brasileiro: entre os achados, padrões diferentes para classificar as causas das mortes
A enfermeira-obstetra Mariana Brasileiro: entre os achados, padrões diferentes para classificar as causas das mortes

Em grupos mais vulneráveis, a susceptibilidade aumenta. De acordo com o levantamento, a maioria dos casos deu-se entre mulheres negras (55%) e entre aquelas que possuem apenas o ensino fundamental ou nem isso (53%). Brasileiro constatou, ainda, que a queda não se refletiu igualmente em todas as situações. Na Região Norte do país, a razão de óbitos, que era de 10,4 para mil nascidos vivos, subiu para mais de 11 – enquanto que, na Região Sudeste, aconteceu o inverso, no mesmo período. Nos casos em que a gestação ocorreu na adolescência, também houve uma alta: a razão foi de 8,7 para 9,9.

Já a boa notícia veio justamente de locais onde a gravidez é considerada mais arriscada. Embora o problema mostre-se mais significativo no caso da gestação de mulheres com 40 anos ou mais, a pesquisadora observou uma queda percentual média nas mortes de 1,43% ao ano, algo resultante da adoção de políticas públicas de saúde pensadas especificamente para atender às características dessas gestantes. “No pré-natal, seu acompanhamento acaba sendo mais ostensivo”, explica Brasileiro.

Crescimento abaixo do padrão

A dificuldade em encontrar dados suficientes (e padronizados) sobre as causas de morte nos dois primeiros estudos levou a enfermeira a atuar em parceria com os pesquisadores da Rede Perinatal Brasil (https://www.fcm.unicamp.br/perinatalbrasil). O grupo, formado por cientistas de dezenas de entidades nacionais e internacionais, incluindo o Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) da Unicamp, tem como foco a implementação de projetos voltados para a saúde do feto e do bebê.

Graças ao apoio, Brasileiro conseguiu analisar prontuários médicos de dez hospitais – localizados em São Paulo, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, no Ceará e no Rio Grande do Sul. “Até então, não havia nenhum estudo sobre esse tema na envergadura do trabalho feito pela Mariana”, observa Souza. Ao analisar os detalhes de cada ficha, a pesquisadora conseguiu caracterizar o que, de acordo com o DataSUS, não tinha resposta. Detalhando quase metade dos óbitos. “Nós procuramos o peso do natimorto e verificamos se era compatível com o peso daquela idade gestacional.”

O professor Renato Souza, orientador: óbito fetal é indicador da qualidade de acesso à saúde pré-natal
O professor Renato Souza, orientador: óbito fetal é indicador da qualidade de acesso à saúde pré-natal

A constatação pode ter duas justificativas. Em uma das possibilidades, os fetos estariam se desenvolvendo aquém do esperado – uma situação normalmente relacionada com uma restrição de crescimento e com uma insuficiência placentária. Já a segunda opção envolve casos em que ocorreu o óbito fetal em um determinado momento da gestação, mas a morte acabou descoberta somente semanas depois. “Nesse caso, o bebê nasce com o peso do ponto em que parou. E, se foi o que aconteceu, isso mostra a ineficiência em identificar o óbito oportunamente”, diz o professor.

O professor Renato Souza, orientador: óbito fetal é indicador da qualidade de acesso à saúde pré-natal
O professor Renato Souza, orientador: óbito fetal é indicador da qualidade de acesso à saúde pré-natal

Brasileiro percebeu que 90% das mortes aconteceram antes de a mulher entrar em trabalho de parto e que quatro quintos ocorreram durante o último terço da gestação. Embora representem apenas 10%, os óbitos intraparto – ou seja, que acontecem já na vigência do parto –, em quase todos os casos, ocorreram em ambiente hospitalar. “Entender quem é a população de maior risco, em que região prevalece [o problema] e o que acontece já é um bom ponto de partida para a prevenção. Dessa forma, é possível cuidar [desses casos] já no pré-natal.”

Ao apontar quais as populações mais suscetíveis e apresentar características dos óbitos fetais, a enfermeira-obstetra acredita que poderá auxiliar na elaboração de políticas públicas mais focadas na saúde fetal. “Somente padronizando o sistema de investigação e de atribuição de causas vamos entender a situação e tomar as medidas preventivas realmente mais assertivas para cada grupo”, conclui.

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