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Depósito de água mineral em Campinas: exploração comercial de poços só é possível depois de rigoroso processo regulatório
Depósito de água mineral em Campinas: exploração comercial de poços só é possível depois de rigoroso processo regulatório

Direto na fonte

Modelos matemáticos fundamentam pesquisa que investiga segurança microbiológica em poços de coleta de água

Depósito de água mineral em Campinas: exploração comercial de poços só é possível depois de rigoroso processo regulatório
Depósito de água mineral em Campinas: exploração comercial de poços só é possível depois de rigoroso processo regulatório

A água mineral comercializada carrega uma imagem de pureza e segurança. No imaginário, pensamos em rios límpidos ou em uma fonte brotando entre pedras, tudo muito natural. Mas o que realmente acontece no processo de extração e engarrafamento até que essa água chegue ao consumidor?

Uma pesquisa de doutorado conduzida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp investigou a segurança microbiológica das fontes subterrâneas, ou seja, os poços nos quais a água é coletada e que representa a primeira etapa de sua produção. A análise incluiu amostras da água bruta e do entorno desses poços.

Danilo Moreira Vilas Boas, formado em farmácia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), realizou a pesquisa. Vilas Boas iniciou sua trajetória profissional em um laboratório de controle de qualidade de alimentos e água ainda na graduação. “Desde cedo, me interessei pelo controle da qualidade da água. No laboratório, percebi a complexidade envolvida na análise e na questão da segurança desse produto que consumimos diariamente”, conta. No mestrado, seguiu explorando o tema e buscou a Unicamp para avançar em seus estudos com o professor Anderson Sant’Ana, referência no Brasil em microbiologia preditiva, área na qual queria se aprofundar. No doutorado, buscou identificar a origem da contaminação microbiológica e determinar formas de preveni-la.

Danilo Moreira Vilas Boas, autor da tese: análise do comportamento de bactérias em diferentes temperaturas e condições ambientais
Danilo Moreira Vilas Boas, autor da tese: análise do comportamento de bactérias em diferentes temperaturas e condições ambientais
Danilo Moreira Vilas Boas, autor da tese: análise do comportamento de bactérias em diferentes temperaturas e condições ambientais
Danilo Moreira Vilas Boas, autor da tese: análise do comportamento de bactérias em diferentes temperaturas e condições ambientais

Diferentemente do que muitos imaginam, não se coleta simplesmente a água mineral de uma fonte natural para depois engarrafá-la. “Ela é subterrânea, proveniente de aquíferos, e seu percurso influencia diretamente suas propriedades minerais”, explica o farmacêutico. Para explorar um poço comercialmente, faz-se necessário um rigoroso processo regulatório e, apenas após a aprovação do produto pelo Estado, a água pode ser classificada como mineral.

A pesquisa analisou inicialmente a água bruta de dez poços subterrâneos, coletando amostras diretamente da fonte antes do envase. Os resultados mostraram que a microbiota da água se assemelha à do solo ao redor, indicando uma interação direta entre ambos. Com essa primeira análise, o estudo se aprofundou em três poços específicos.

Entre os micro-organismos encontrados na água colhida dos poços, a Pseudomonas aeruginosa chamou atenção. Essa bactéria, que, segundo a legislação vigente no Brasil, não pode estar presente na água mineral comercializada, figura entre os principais motivos de preocupação da indústria. “Encontramos indícios dela na fonte, o que levantou questões sobre a segurança desde a captação”, explica o autor da tese.

Para aprofundar a investigação, Vilas Boas lançou mão de testes de microbiologia preditiva, analisando o comportamento da bactéria em diferentes temperaturas e condições ambientais, além de estudar a formação de biofilmes em superfícies comuns no processo industrial. A pesquisa confirmou que a contaminação pode ocorrer já na fonte de extração, reforçando a importância do monitoramento e da adoção de medidas preventivas desde a captação.

Sant’Ana destaca que o estudo inovou ao focar a qualidade microbiológica da água no poço e não apenas o produto final engarrafado, como costuma acontecer. “Ao correlacionar os aspectos microbiológicos com as condições do solo e os parâmetros físico-químicos do poço, o estudo identificou com maior precisão as origens das contaminações. Essa abordagem integrada não apenas revela as fontes de risco, mas também permite propor medidas concretas para sua mitigação”, explica.

A pesquisa desenrolou-se em parceria com uma empresa do setor de águas, que procurou a Unicamp para entender melhor a segurança do produto desde sua origem. “Estudos anteriores costumavam avaliar apenas a água já engarrafada. Queríamos saber: os microrganismos estavam presentes desde a fonte ou surgiram no processo de industrialização?”, conta Vilas Boas.

Uma das inovações do trabalho consistiu na aplicação da microbiologia preditiva, que usa modelos matemáticos e experimentos laboratoriais para prever o comportamento de microrganismos em diferentes condições, como em variadas temperaturas. “Esse método permite antecipar e controlar os riscos de contaminação, oferecendo uma ferramenta valiosa para a indústria”, diz o pesquisador.

O professor Anderson Sant’Ana, orientador da pesquisa: abordagem integrada abre caminho para medidas concretas
O professor Anderson Sant’Ana, orientador da pesquisa: abordagem integrada abre caminho para medidas concretas
O professor Anderson Sant’Ana, orientador da pesquisa: abordagem integrada abre caminho para medidas concretas
O professor Anderson Sant’Ana, orientador da pesquisa: abordagem integrada abre caminho para medidas concretas

Entre os desafios encontrados durante o doutorado, estava o acesso limitado aos poços, pois as empresas do setor impõem fortes restrições nesse quesito e exigem a assinatura de termos de confidencialidade. A pandemia de covid-19 também dificultou a coleta de amostras já que houve um controle mais rígido sobre a circulação de pessoas de acordo com as orientações do período. “Tínhamos uma logística complicada: em alguns momentos, precisávamos acessar os poços sem o auxílio dos funcionários locais, o que tornava a coleta ainda mais desafiadora”, relembra.

Além disso, como seria difícil reproduzir as condições reais dos poços em laboratório, Vilas Boas criou um projeto para a construção de um protótipo de poço tubular profundo. “O desafio era criar um ambiente que reproduzisse fielmente o que acontece dentro de um poço artesiano. Isso nos permitirá testar diferentes cenários e antecipar problemas que poderiam ocorrer na prática”, afirma Vilas Boas.

“Não seria possível testar procedimentos diretamente nos poços reais, pois isso poderia comprometer a qualidade da água. Com o protótipo, conseguiremos simular esses processos de forma controlada”, ressalta o cientista. Esse protótipo permitirá testar diferentes materiais e metodologias de desinfecção sem impactar a extração do produto real.

Atualmente, Vilas Boas participa como sócio de um laboratório de controle de qualidade de água e alimentos, no qual aplica os conhecimentos adquiridos no doutorado. “O meu trabalho acadêmico me deu o suporte de que precisava para começar a empreender.” O farmacêutico também se prepara para um pós-doutorado, no qual pretende aprofundar as descobertas já feitas: “A microbiologia é um campo dinâmico, e ainda temos muito a descobrir sobre a segurança da água mineral”.

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