Vida e morte de empresas em São Paulo
Vida e morte de empresas em São Paulo
Pesquisa utiliza métodos demográficos para investigar o ciclo de vida de empresas paulistanas entre 1990 e 2020
Pesquisa utiliza métodos demográficos para investigar o ciclo de vida de empresas paulistanas entre 1990 e 2020
O ciclo da vida humana atravessa as fases de nascimento, crescimento e morte – um processo analisado pela demografia. Uma tese defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, no entanto, abraçou o desafio de adaptar os modelos demográficos para a área dos negócios, valendo-se da chamada demografia das empresas, a fim de investigar os índices de mortalidade e longevidade dos empreendimentos sediados na cidade de São Paulo no período de 1990 a 2020.
Apesar de não ser uma corrente de estudo nova – o cientista norte-americano James Vaupel aplicou o conceito de biodemografia em um estudo comparativo sobre a longevidade dos seres humanos, vermes, insetos e carros ainda em 1998 –, a análise sobre as empresas por meio de parâmetros demográficos ainda é um campo pouco explorado em solo brasileiro. A tese abre portas para novos estudos, introduzindo a demografia empresarial e correlacionando-a com outras áreas de pesquisa.
O orientador da tese, Everton Lima, professor do IFCH e pesquisador do Núcleo de Estudo de População Elza Berquó (Nepo), destaca que o trabalho testou variações do modelo demográfico Lee-Carter e obteve resultados satisfatórios, provando ser possível fazer derivações para populações não humanas.
Rignaldo Rodrigues Carvalho, autor da pesquisa e estatístico de formação, já une as duas áreas em sua atuação profissional, no ramo de consultoria, e buscou validar a prática na academia. O grande desafio consistiu em estabelecer o que significam os três componentes demográficos – nascimentos, mortes e migração – no caso de empresas. “Algumas regras não se aplicam aos seres humanos. A empresa pode ser imortal ou ressuscitar, por exemplo”, explica Lima.
O nascimento, esclarece Carvalho, ocorre de diversas formas, seja por meio da fundação, da fusão, da cisão ou da reentrada da empresa nos negócios. Por isso, a pesquisa considerou a primeira aparição de um número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) na base de dados para caracterizar essa etapa. Assim como o desaparecimento do CNPJ representa a morte, que pode ser permanente (encerramento formal) ou temporária (interrupção das atividades). A migração não foi objeto da análise.
A tese se destaca por lançar mão de uma base de dados ainda pouco utilizada pela demografia, a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), organizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e que traz informações sobre a atividade trabalhista do país, tendo como limitação o fato de apenas o trabalho formal fazer parte do registro.
Para Carvalho, a abordagem demográfica colaborou para a pesquisa devido à sua preocupação com a avaliação da qualidade dos dados, levando em consideração possíveis omissões, sub-registro de informações e inconsistências de registro nas análises. O pesquisador cita o exemplo da adoção, em 2006, da Classificação Nacional das Atividades Econômicas 2.0 (Cnae), em detrimento da Cnae 95, utilizada até o ano anterior. “A demografia tem o cuidado de saber o que está acontecendo com o dado e deixar isso claro para o leitor. Então, para comparar [as informações] daí em diante, é preciso saber que houve essa mudança.”
Panorama dos dados
São Paulo revelou-se a cidade ideal para a análise por ser considerada um microcosmo do Brasil, reunindo diversidade de negócios e variedade socioeconômica dos habitantes. A tese pretendeu visualizar o desenvolvimento e a probabilidade de sobrevivência de empresas avaliando seu porte, seu setor de atividade e sua idade.
Os pesquisadores perceberam semelhanças e diferenças em relação às tendências registradas no caso das populações humanas. Por exemplo, muitas empresas nascem e, logo, morrem. Há o mesmo padrão em locais com alta taxa de natalidade de pessoas, onde também se percebe uma grande mortalidade.
Os resultados mostraram que os quatro primeiros anos de existência configuram um período crítico para os negócios, com maiores chances de morte. Depois disso, há um intervalo positivo, no qual “provavelmente a empresa se especializa e consegue viver bem”, aponta Carvalho. Contudo chama a atenção o fato de surgir um novo desafio quando a empresa atinge entre 28 e 38 anos de existência. Isso pode indicar o momento ideal para inovar o negócio. Se sobreviver a esse período, a pessoa jurídica tende a ter uma longevidade maior, tornando-se potencialmente imortal.
Verificou-se, sobre o tamanho da empresa, uma relação segundo a qual quanto maior a empresa, menor sua mortalidade – as microempresas apresentam um patamar de mortalidade superior às de outras dimensões, o que pode estar relacionado à inclusão de microempreendedores individuais nessa categoria.
Carvalho surpreendeu-se, porém, com os resultados a respeito do setor de atividade da tecnologia: baseando-se em um estudo realizado na Holanda, o pesquisador partiu da hipótese de que as empresas tecnológicas teriam uma taxa de sobrevivência maior. No entanto, em São Paulo, esses negócios não destoaram do padrão dos demais.
Uma das possíveis causas é a cultura de startups. “A ideia é você criar um nome, depois passá-lo para frente e criar outra startup”, argumenta Lima. Nesse caso, a empresa vendida pode mudar de CNPJ, experimentando um processo de migração, e, pouco depois, “morrer”, segundo os parâmetros da pesquisa. Os dados mostram, ainda, que o encerramento de empresas aumentou continuamente a partir dos anos 2000, havendo uma correlação entre a mortalidade de empresas e a instabilidade política – com picos de morte em 2005, 2007 e 2014.
Aconteceu um aumento expressivo de empreendimentos ativos entre 1994 e 1995, quando o registro de empresas na Rais passou a ser feito de forma online, período também da implantação do Plano Real. Depois disso, o número de nascimentos continuou a crescer ao longo dos anos 2000, exceto em 2008 (possivelmente por conta da crise financeira global). Após 2008, intensificou-se a abertura de empresas, com quedas em 2012 e 2014. Entre 2019 e 2020, as entradas na base se mantiveram estáveis, precedendo nova queda devido à pandemia de covid-19.
Projetar o crescimento da população de um determinado local é algo essencial para a elaboração de políticas públicas e para o planejamento urbano. O mesmo vale para as empresas instaladas nesse local. “Isso é o motor econômico”, afirma Carvalho.
Essa previsão pode auxiliar a compreender quais setores estão se desenvolvendo e pensar, por exemplo, na melhoria de infraestrutura ou na capacitação de mão de obra especializada. E também pode fornecer insumos a empreendedores e gerar novas oportunidades de mercado. “Podemos saber em que áreas as empresas estão morrendo mais, indicando que elas são menos saudáveis e que há algo para ser sanado”, explica Lima.