Tecnologia controla coral-sol e protege a costa brasileira
Em um avanço para a ciência marinha, hidrogel aplicado por drones reduz riscos e preserva espécies nativas
Na década de 1980, navios oriundos do Oceano Índico e do Oceano Pacífico trouxeram para o mar brasileiro mais do que sua carga. Aderida às embarcações havia uma espécie exótica de coral que primeiro se estabeleceu no Rio de Janeiro e depois se alastrou pelo litoral, chegando a estruturas naturais e artificiais de quase toda a costa do país. Sua cor amarela ou laranja vibrante rendeu-lhe o nome de coral-sol. Por trás de sua beleza, no entanto, se esconde um grave risco ambiental: esse organismo domina as áreas invadidas, matando ou deslocando as espécies nativas e ameaçando a biodiversidade da região, que sofre uma série de impactos sociais e econômicos.
Pensando em mitigar esses efeitos, pesquisadores da Unicamp e da Petrobras desenvolveram um hidrogel contra a espécie invasora a ser aplicado por drones subaquáticos. A tecnologia, elaborada sob a coordenação do engenheiro Carlos Speglich, do Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da estatal brasileira, visa atender ao Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-Sol no Brasil, um plano criado pelo governo federal em 2018.
Além disso, a medida busca cumprir algumas das normas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que exige a limpeza de embarcações descomissionadas antes do seu deslocamento para outras regiões. A meta é impedir que o coral-sol (Tubastraea spp.) continue se alastrando pelo litoral e alcance locais ainda não invadidos, como a Ilha de Fernando de Noronha, no Estado de Pernambuco.
De acordo com Edvaldo Sabadini, docente do Instituto de Química (IQ) e coordenador do projeto na Unicamp, a invenção pretende substituir o trabalho de limpeza realizado atualmente por mergulhadores, que utilizam martelos e cinzéis. Essa remoção manual pode levar meses para ser finalizada, a depender do tamanho da contaminação, e tem uma eficácia reduzida porque, ao bater nos corais, o martelo libera larvas que podem se instalar em outros locais. Além disso, a tarefa é muito perigosa para os seres humanos.
“Há um problema de descompressão embaixo da água e o movimento do mar pode jogar o mergulhador contra o casco da embarcação. Há relatos de mortes de mergulhadores e, em vista dos riscos, eles só podem ficar na água por 30 minutos, duas vezes ao dia”, relata o pesquisador.
Desenvolvimento
O desenvolvimento do sistema automatizado deu-se em duas etapas. A primeira delas envolveu a produção do hidrogel – um tipo de gelatina – a partir do alginato, composto extraído de algas e bastante empregado na indústria alimentícia para a produção de cerejas artificiais e sorvetes. A esse material os pesquisadores acrescentaram vinagre de álcool, ingrediente que atua como o biocida dos corais, bastante sensíveis à acidez. A segunda etapa envolveu a construção de uma planta-piloto para a produção do hidrogel, em parceria com a empresa de engenharia Omega Tal. Esse hidrogel é então bombeado por tubos acoplados a um drone, cobrindo as colônias de coral-sol.
Experimentos em laboratório realizados com a equipe do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), em uma base da Marinha localizada em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro (RJ), registraram uma letalidade de 100% do coral-sol quando recoberto com o hidrogel. Na etapa seguinte, ocorreram estudos de campo, aplicando o hidrogel com o drone no porto do IEAPM, infestado pelo coral-sol. Posteriormente, um novo ensaio aconteceu em Angra dos Reis (RJ), em uma plataforma de perfuração de petróleo com a parte subaquática completamente coberta por colônias de coral-sol. Os experimentos de campo permitiram aprimorar a metodologia de aplicação do produto bem como testar a tecnologia em condições operacionais bastante distintas.
Em Arraial do Cabo, a aplicação simulou uma estrutura portuária submersa, com pouco movimento do mar, água translúcida e colônias de tamanhos razoáveis. Já em Angra dos Reis, a aplicação ocorreu em uma plataforma de perfuração extensamente contaminada, em um porto com mar turvo e agitado.
Os resultados apontaram um bom índice de controle do veículo na aplicação e um recobrimento homogêneo e eficiente do hidrogel, além de uma alta mortalidade dos corais. “Visitando o local sete dias após a aplicação, em ambos os experimentos de campo, conseguimos observar a permanência do hidrogel por tempo suficiente para causar a morte do coral. Esse resultado foi confirmado por meio da constatação da presença de corais brancos nos locais da aplicação”, explica Matheus Barbosa, aluno de doutorado de Sabadini.
Impacto ambiental
Ao longo do desenvolvimento do hidrogel, os pesquisadores buscaram garantir o maior grau de segurança possível para o meio ambiente, de forma a gerar poucos impactos nos organismos que coabitam a região contaminada pelo coral-sol. Os cientistas optaram pelo alginato porque se trata de um produto alimentício biodegradável e reconhecidamente seguro para os demais seres vivos. Por outro lado, ainda era necessário avaliar qual seria a zona de sacrifício, isto é, a área em que o pH estaria mais ácido após a aplicação do gel, podendo afetar outros organismos. Essa necessidade levou a uma parceria dos especialistas com a professora Gisela de Aragão Umbuzeiro, coordenadora do Laboratório de Ecotoxicologia e Genotoxicidade (Laeg) da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, localizada em Limeira.
No projeto de pesquisa realizado pela pós-doutoranda Amanda dos Santos aconteceram ensaios de toxicidade utilizando a Parhyale hawaiensis, um pequeno crustáceo semelhante a um minicamarão, presente na costa brasileira. Os resultados demonstraram que os efeitos tóxicos do hidrogel para a P. hawaiensis ficaram mais restritos à área de aplicação e que, devido à alta taxa de diluição do produto na água do mar, esses efeitos mostraram-se limitados no caso dos organismos não alvo. “Esses crustáceos são organismos muito sensíveis e um elo da cadeia alimentar, então a diminuição de sua população poderia levar a um desequilíbrio do ambiente marinho”, comenta a docente.
Atualmente, o grupo da FT investiga o que pode acontecer na região contaminada após a aplicação do gel e a morte do coral-sol, bem como os possíveis efeitos dos resíduos gerados. Essa parte da pesquisa está sendo realizada pela pós-doutoranda Natália de Farias, que já observou que a P. hawaiensis é capaz de ingerir o hidrogel. “Nesse cenário, a Parhyale vai nos ajudar a entender como os organismos não alvo vão interagir com o resíduo de hidrogel disponível e a matéria orgânica gerada pela morte do coral-sol, além dos efeitos disso a longo prazo”, explica Farias
Em vista dos bons resultados quanto à eficiência do hidrogel, à facilidade de aplicação, ao impacto ambiental reduzido e ao fato de os ingredientes do produto serem encontrados em larga escala, os pesquisadores acreditam que o uso da tecnologia poderá em breve contribuir para o manejo dessa espécie invasora.