Nova técnica de microscopia desvenda geometria de nanoestrelas
Nova técnica de microscopia desvenda geometria de nanoestrelas
Método desenvolvido no IFGW contribui com tecnologias empregadas na saúde
A importância das nanopartículas para a ciência e a tecnologia é inversamente proporcional ao seu tamanho. Com dimensões que variam entre 1 nanômetro (nm) e cerca de 100 nm – para efeito de comparação, a espessura de uma folha de papel sulfite tem cerca de 100 mil nm –, essas nanopartículas servem amplamente aos serviços de saúde como métodos de diagnóstico por imagem e em terapias, compõem chips e circuitos que tornam o armazenamento e a transmissão de dados mais eficientes, e podem ser empregadas em células solares para a geração de energia fotovoltaica, entre outros usos.
As vantagens advindas do emprego de nanomateriais dependem de aspectos como a composição das partículas, a geometria de suas estruturas, o arranjo dos átomos que as compõem e outras características que, para se tornarem conhecidas, precisam ser observadas bem de perto, por meio de técnicas de microscopia eletrônica baseadas na interação entre feixes de elétrons e os átomos das nanopartículas. O problema apresenta-se quando, em alguns casos, os elétrons empregados afetam e danificam a estrutura em que os átomos se organizam, comprometendo a integridade das amostras.
Em busca de alternativas que possibilitem a investigação sobre os nanomateriais, o Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp desenvolveu uma nova técnica de microscopia eletrônica que utiliza uma dose menor de elétrons para estudar a estrutura de nanocristais. Com essa técnica, os cientistas conseguiram explorar a geometria e o arranjo de nanoestrelas compostas por ouro e prata, um tipo de nanocristal muito utilizado em métodos de análise por lasers e em outros recursos ópticos. O trabalho integra a pesquisa de doutorado em física de Leonardo Corrêa, com orientação do professor Daniel Ugarte, e foi publicado na revista ACS Nano. Coordenados pelos pesquisadores da Unicamp, os experimentos foram realizados no Instituto Politécnico de Turim (Itália) e na Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Escrito nas estrelas
As nanoestrelas compreendem um tipo de nanopartícula formado por um núcleo e por ramificações afiladas, formato que lembra o de uma estrela. Essas estruturas possuem importância para tecnologias usadas na área da saúde, como na detecção de biomarcadores, entre os quais proteínas e vírus, e em exames de imagem, baseados na detecção de frequências de luz específicas.
Uma dessas técnicas, a chamada espectroscopia Raman intensificada por superfície (em inglês, surface enhanced Raman spectroscopy, Sers), utiliza lasers para analisar moléculas em escala individual. Para aplicar a técnica, usam-se as nanoestrelas, que atuam como uma espécie de “antena” responsável por amplificar o efeito dos lasers em milhões de vezes. Isso ocorre porque a luz que incide nessas estruturas faz vibrarem seus átomos, intensificando o campo eletromagnético e permitindo a identificação precisa das moléculas ao seu redor. Tanto a produção otimizada dessas nanoestrelas, que ocorre por meio de processos químicos, como seu uso dependem do conhecimento de sua geometria e de seu arranjo atômico. O desafio reside, porém, na possibilidade de aplicar as técnicas disponíveis sem danificar as amostras, sobretudo as orgânicas, como fármacos e proteínas, ou aquelas de dimensão muito reduzida.
A pesquisa de Corrêa dedicou-se a aperfeiçoar as técnicas existentes – no caso, a cristalografia por difração de elétrons –, permitindo um olhar mais aprofundado quanto às nanoestruturas. “Ao propormos um método para investigar a forma e a estrutura atômica das nanopartículas de forma simultânea, trazemos novas informações sobre essas partículas”, disse o físico.
As nanoestrelas surgiram no decorrer da pesquisa como um recurso útil para testar o método desenvolvido na Unicamp. Coube a um grupo de pesquisadores coordenado pela professora Laura Fabris, do Instituto Politécnico de Turim (Itália), produzir as nanoestrelas. Já a aplicação da técnica e a identificação de sua geometria deram-se na Universidade de Cambridge, que possui um microscópio capaz de medir a dosagem de irradiação de elétrons. “Os resultados desse trabalho pemitirão ao meu grupo entender o mecanismo de crescimento das nanoestrelas. Com esse conhecimento, poderemos estudar o crescimento, em princípio, de qualquer nanomaterial”, comentou, por email, Fabris, que espera dar continuidade à parceria com a Unicamp.
Além de obterem avanços em relação às tecnologias hoje disponíveis, os resultados trouxeram novidades a respeito das nanoestrelas e uma visão precisa sobre seus mecanismos de formação. Os cientistas conseguiram determinar que os núcleos de ouro, com diâmetro de 10 nm a 20 nm e que antes se pensava formarem decaedros, na verdade têm formato de icosaedros. Já suas pernas, de liga metálica de ouro e prata, equivalem a nanofios de formato pentagonal, com cerca de 70 nm a 100 nm de comprimento e 7 nm a 10 nm de diâmetro. Outra curiosidade encontrada é a disposição das pernas, que ficam mais próximas de um mesmo plano, diferente da ideia anterior, segundo a qual essas pernas apontavam para várias direções no espaço. A partir desses dados inéditos, torna-se, potencialmente, mais eficiente a síntese de novas nanoestrelas e sua aplicação.
Novo microscópio
Em breve, análises de microscopia avançada, como as realizadas na Universidade de Cambridge, poderão acontecer na própria Unicamp. Em 2025, o IFGW instalará um novo microscópio eletrônico de transmissão, com recursos avançados de mapeamento de difração, detectores de elétrons de última geração e um sistema de difração por precessão de elétrons, que permite dosar o feixe de elétrons incidente nas amostras.
O equipamento, comprado com recursos do Programa de Equipamentos Multiusuários (EMU) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), recebeu investimentos de R$ 15 milhões. “Esperamos que, a partir da implantação do laboratório, possamos ‘conectar’ todos os laboratórios de microscopia eletrônica da Unicamp, de modo a fornecer treinamento para futuros microscopistas e usuários”, comenta Mônica Cotta, diretora do IFGW.
Segundo os pesquisadores, a contribuição da tese para os estudos sobre nanomateriais comprova a importância de a ciência brasileira investir esforços em desafios. “É essencial aprofundarmos os conhecimentos existentes a respeito dessas técnicas, pois mesmo que muitos recursos sejam investidos em equipamentos, é necessário saber como inovar no uso das tecnologias”, reflete Corrêa.