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Microalgas e soro de queijo oferecem fontes de bioenergia

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O professor Gustavo Mockaitis, orientador da tese, em laboratório da Feagri: demanda energética e mitigação de problema ambiental
Vista parcial do Laboratório de Biotecnologia Aplicada à Bioenergia e ao Meio Ambiente
Vista parcial do Laboratório de Biotecnologia Aplicada à Bioenergia e ao Meio Ambiente

Método usado por pesquisadores obtém biogás e outros produtos de valor agregado derivados de resíduos

Quando a bióloga Maria Paula Giulianetti de Almeida propôs fazer um estudo com microalgas e seu orientador de doutorado, o professor Gustavo Mockaitis, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, acrescentou à sua proposta a digestão anaeróbia, faltava apenas definir o resíduo. No momento em que ambos se confrontaram com o excessivo descarte do soro de queijo no Brasil, levando em consideração a dificuldade de obter informações oficiais sobre o produto e os efeitos do despejo do soro no meio ambiente, não tiveram dúvida de que esse deveria ser o resíduo objeto da pesquisa.

Como resultado, comprovaram o conceito de que é possível utilizar o soro de queijo para obter, além de biogás, outros produtos de valor agregado, a partir do processo de produção de biogás modificado. “Tudo isso com o pé calcado na aplicação de baixo custo”, destaca Mockaitis, especialmente no caso de médios e pequenos laticínios ou produtores de queijo, sem acesso à tecnologia para reaproveitar todo o soro. Na prática, a principal contribuição da pesquisa consistiu em oferecer uma forma de tratar o soro a fim de esses produtores conseguirem obter produtos de valor agregado.

Nos grandes laticínios de todo o mundo, esse aproveitamento já acontece. “A tecnologia existe, mas é cara. Uma indústria de grande porte tem o leite, o queijo e o soro. Se você observar o rótulo de um chocolate, de um requeijão, de um iogurte, de um whey protein, você vai ler ‘soro de leite’ ou apenas ‘soro’, porque eles inserem o soro nos produtos ou criam novos produtos, como ‘mistura láctea’ ao invés de creme de leite”, diz Almeida.

“Fizemos a digestão anaeróbia do soro, um processo de fermentação escura [dark fermentation] – ou acidogênica, sem produção de hidrogênio – na qual focamos os ácidos como acetato. Depois fizemos a fermentação do acetato com as microalgas”, descreve a pesquisadora, que identificou altas concentrações de ácido acético e outras moléculas de valor agregado.

Vista parcial do Laboratório de Biotecnologia Aplicada à Bioenergia e ao Meio Ambiente
Vista parcial do Laboratório de Biotecnologia Aplicada à Bioenergia e ao Meio Ambiente

Biorrefinaria

Para Almeida e Mockaitis, o processo poderia se tornar eficiente se fizesse parte de uma biorrefinaria, tal qual uma refinaria de petróleo em que, desde o refino, muitos subprodutos são processados. “A partir do beneficiamento do resíduo inicial, você pode produzir por meio de processos fermentativos a biomassa de microalga e outros inúmeros componentes, os quais podem ser precursores do bioplástico ou serem utilizados nas indústrias farmacêutica, de cosmético e alimentícia.”

Dizendo-se apaixonada por algas, a cientista mineira já havia, em seu mestrado, trabalhado com as microalgas na produção de biocombustível. Segundo a hipótese da pesquisadora, o processo de digestão anaeróbia com as microalgas, evitando a produção de metano, gera outros componentes, como ácidos voláteis e bio-hidrogênio, entre várias moléculas. “A própria microalga é uma fonte de energia possível, porque por si só ela é uma biomassa que pode ser convertida em bioenergia”, complementa o orientador.

Para Almeida, em um processo de digestão anaeróbia visa-se produzir biometano. “Os microrganismos passam por um pré-tratamento ácido a fim de desviar a produção de metano para a produção de moléculas mais complexas e com valor agregado, como os ácidos voláteis. Entre eles, pegamos o acetato, componente produzido em maior quantidade, e alimentamos a cultura de microalgas, que cresceram. Observamos uma interação entre os microorganismos e produzimos um pouco de biomassa”, descreveram os pesquisadores.

A bióloga Maria Paula Giulianetti de Almeida, autora da tese, e David G. Weissbrodt, coorientador: parte da pesquisa foi feita na Holanda
A bióloga Maria Paula Giulianetti de Almeida, autora da tese, e David G. Weissbrodt, coorientador: parte da pesquisa foi feita na Holanda

Descarte

É comum pequenos e médios produtores utilizarem o resíduo do queijo como fertilizante do solo ou na alimentação animal, mas grande parte do soro excedente, em muitos casos, acaba descartada em rios e córregos. “A água leva para longe o problema.” O soro, proteico, é muito ácido e pode acidificar o solo, afirma Almeida. O excesso do produto no solo e nas águas, portanto, pode causar sérios danos ao meio ambiente. A produção de 12 quilos de queijo demanda 100 litros de leite e gera 87 litros de soro, por exemplo.

De acordo com a pesquisadora, a produção de soro no mundo aumentou em 5% entre 2023 e 2024 e tende a crescer, “por mais que estejamos indo para a vertente de um substitutivo, porque ainda há grande consumo de laticínios e não se absorve todo o soro”. Apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores de queijo do mundo, Almeida não conseguiu obter os números sobre o descarte de soro quando fez contato com a Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq). Os produtores de queijo contatados tampouco forneceram esses dados.

“Nós temos legislação e fiscalização, porém faltam incentivos e programas de pesquisa e desenvolvimento [P&D] para facilitar e incentivar o manejo do soro.  Faltam interligar áreas produtoras em todo o país, baratear o transporte do resíduo para a cooperativa e tecnologias para o beneficiamento do soro no caso de pequenos e médios produtores”, afirma Almeida. Na União Europeia (EU), são comuns os programas de incentivo dos governos para o reaproveitamento do soro.

Com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a bióloga desenvolveu parte de sua pesquisa na Delft University of Technology (Holanda), com o coorientador David G. Weissbrodt. “Demorei um mês para conseguir soro a fim de fazer meu experimento, porque eles reaproveitam toda a produção e também importam. Mas toda a etapa de reatores de microalgas eu fiz na Holanda”, lembra a bióloga. O próximo passo da pesquisa é aumentar a escala do processo.

Almeida já publicou dois artigos sobre sua pesquisa e prevê a publicação de pelo menos mais três resultantes de sua tese, já disponível no repositório de pesquisas da Unicamp. “Sempre achei as microalgas fascinantes. A gente fala muito que as árvores são o pulmão do universo, mas na verdade são as microalgas”, declara a bióloga, que desenvolveu seu doutorado dentro de um programa de bioenergia integralizado, envolvendo a Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Para Mockaitis, coordenador do Laboratório de Biotecnologia Aplicada à Bioenergia e ao Meio Ambiente da Feagri, o projeto pretende atender a uma demanda energética e, ao mesmo tempo, dar uma opção para a mitigação de um problema ambiental. “Isso é muito mais que um trabalho de doutorado. Esse é o trabalho de uma vida.”

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