ESCOLA 4.0
Projeto pedagógico reúne teoria e aprendizado prático nas salas de aula
Historicamente, estudantes brasileiros apresentam um desempenho aquém do esperado em ciências e matemática, conforme revela o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Na mais recente avaliação, o Brasil figurou nas últimas posições e abaixo da média entre os 81 países participantes.
Os desafios para melhorar o aprendizado nessas áreas são diversos, e o professor Fabiano Fruett, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp, vivencia isso de perto. Sua esposa, ex-professora de ciências em escola pública, cotidianamente compartilhava a dificuldade para realizar experimentos que permitissem aos alunos enxergar a relação entre o conteúdo estudado e a vida real, muitas vezes pela falta de estrutura e de equipamentos.
Pensando nisso, Fruett e sua equipe desenvolveram a Escola 4.0, um projeto de ensino, pesquisa e extensão que visa despertar, de forma menos tradicional, a curiosidade dos estudantes do ensino fundamental e médio em relação aos conteúdos escolares programáticos. A partir de experimentos feitos em sala de aula, como uma placa eletrônica com múltiplas funções, tornou-se possível conectar a teoria dos livros com aplicações práticas, e abordando vários temas: o funcionamento da natureza, o funcionamento de equipamentos eletrônicos ou mesmo o raciocínio lógico que leva ao desenvolvimento de softwares.
“A proposta é reduzir ao máximo as chances de insucesso durante a realização de experimentos práticos em sala de aula. Nosso objetivo consiste em proporcionar uma experiência enriquecedora nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, conhecidas pela sigla [em inglês] Stem, criando oportunidades para que os jovens despertem e desenvolvam habilidades essenciais nessas disciplinas”, explica Fruett.
O Stem oferece uma abordagem educacional que visa preparar os estudantes para resolver problemas reais e enfrentar os desafios do mercado de trabalho. Para Fruett, é crucial integrar os dois mundos. “Saber resolver uma equação de segundo grau é útil. Mas é ao manipular robôs e outros dispositivos que o aluno aplica esse conhecimento em situações do dia a dia.”
O projeto Escola 4.0 conta com algumas frentes. A primeira e principal é a formação dos professores de escolas públicas no conhecimento sobre robótica educacional. A fim de alcançar esse objetivo, o pesquisador e sua equipe, entre mestrandos e doutorandos, criaram um curso online no qual ensinam os elementos básicos e necessários para que o professor transforme sua aula em um espaço de experimentação.
O curso, disponível gratuitamente na página do Coursera da Unicamp, já foi realizado por mais de 3 mil pessoas desde 2022, ano de seu lançamento. “O objetivo consiste em empoderar o professor de maneira que ele entenda a tecnologia e que possa usá-la a seu favor na sala de aula”, afirma Fruett.
A formação dos professores não termina quando se conclui o curso. Na página web do projeto, um assistente virtual fornece o suporte necessário para dar continuidade ao desenvolvimento de experimentos educacionais, e isso por meio de conteúdos como montar uma placa eletrônica de baixo custo a fim de levar à escola e propostas de aula alinhadas com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento do Ministério da Educação com as diretrizes para a educação básica brasileira.
O destaque do projeto é a BitDogLab, uma placa educacional – totalmente baseada em tecnologia aberta – que combina microcontroladores, sensores e componentes eletrônicos para facilitar o aprendizado. Entre as propostas possíveis de experimento constam: medir experimentalmente a gravidade da Terra para engajar os estudantes durante as aulas de física e ciências; usar uma aquarela digital exercitando proporção e matemática para misturar cores primárias, obtendo cores secundárias, em uma aula de artes; e ainda medir e transmitir para um dispositivo móvel a temperatura e a umidade relativa do ar, nos ambientes de interesse dos estudantes, para abordar temas como as mudanças climáticas.
Outra frente, não menos importante, avança por meio de oficinas que a equipe oferece para escolas públicas. Geralmente, essas oficinas acontecem a convite de um professor que toma conhecimento da Escola 4.0. Na atividade, Fruett e sua equipe levam às salas de aula placas BitDogLab e, junto com os professores, escolhem as atividades a serem realizadas.
Uma dessas oficinas pretende despertar o pensamento lógico. Nela, os estudantes utilizam inteligência artificial para ter os primeiros contatos com a lógica de programação. “A sintaxe vem em segundo plano. Muita gente quer ensinar tudo ao mesmo tempo e isso pode gerar uma experiência frustrante. A gente quer facilitar isso. Então, com a inteligência artificial, muitas vezes o aluno faz o esquema de um fluxograma, apresenta o esquema do fluxograma para o software de inteligência artificial e executa o esquema na placa.”
Neste ano, dentro do Ciência & Arte no Inverno (Cafin), programa da Unicamp realizado em parceria com a prefeitura de Campinas que busca despertar jovens talentos para a pesquisa científica e atividades artísticas, a Escola 4.0 ofereceu suas atividades a estudantes do oitavo e nono anos do ensino público fundamental da cidade. Fruett diz não querer parar por aí e busca outras iniciativas governamentais que possam expandir essa oportunidade de maneira sistemática.
Na parte acadêmica, a Escola 4.0 oferece disciplinas de extensão para estudantes de graduação e de pós-graduação com o objetivo de fortalecer seus conhecimentos na área de eletrônica e robótica bem como desenvolver suas capacidades pedagógicas, competências fundamentais em ambientes escolares e não escolares.
Os próximos passos do projeto, que teve apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Tecnologias Habilitadoras (INCT Namitec) e da Pró-Reitoria de Extensão, Esporte e Cultura (Proeec) da Unicamp, incluem ampliar as atividades para a rede pública de maneira estruturada e com o apoio de governos locais. Com tal apoio, explica Fruett, é possível fazer da Escola 4.0 um projeto dentro de um contexto de política pública de modo a transformar a educação em um modelo interdisciplinar mais atraente, preparando os jovens para resolver problemas reais.