Unicamp lidera rede de pesquisas sobre ferrovias de carga pesada
Unicamp lidera rede de pesquisas sobre ferrovias de carga pesada
Consórcio de seis universidades reúne especialistas que buscam soluções para os principais gargalos do sistema
Consórcio de seis universidades reúne especialistas que buscam soluções para os principais gargalos do sistema
Reconhecido como um dos mais importantes centros de pesquisa do segmento no Brasil, o Laboratório Ferroviário (Lafer) da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp lidera um grupo de especialistas de seis universidades consorciadas em busca de soluções para alguns dos principais gargalos das empresas operadoras do sistema de transporte ferroviário de cargas no Brasil.
Atendendo a demandas geradas pela Vale S.A. – empresa mineradora multinacional concessionária de cerca de 2 mil quilômetros de malha ferroviária no Brasil, além de manter operações na Indonésia, em Omã, na Malásia e na China –, o consórcio de universidades trabalha em um programa batizado de Cátedra de Vagões, uma rede de pesquisas voltada ao desenvolvimento de soluções para ferrovias de carga pesada (F, em inglês). O grupo pretende encontrar soluções inovadoras por meio do desenvolvimento de modelos representativos e de experimentos em escala laboratorial e real.
Além da Unicamp, participam do consórcio pesquisadores do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da Unisanta, de Santos.
Uma das frentes abertas pelo grupo de universidades trabalha com o desenvolvimento de estratégias e de sistemas capazes de reduzir o consumo de combustível. Outra frente trata de falhas e desgastes em componentes dos vagões. Uma das metas mais ambiciosas, no entanto, está prestes a integrar a cátedra. Essa nova frente terá como missão fornecer base para uma futura decisão da empresa sobre aumentar ou não o número de vagões em cada composição.
Considerada já uma das mais modernas ferrovias do mundo, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) – que faz a integração do interior dos Estados do Pará e Maranhão com o porto de São Luís e é um importante corredor de exportação de grãos e de transporte de minério de ferro do país – opera hoje entre 20 e 25 composições por dia, em um sistema que mistura complexidade e gigantismo.
Cada composição conta com 330 vagões que, enfileirados, ocupam um trecho de mais de 3 quilômetros. Um vagão cheio de minério, por exemplo, suporta a carga de quatro grandes caminhões. Isso significa que, para transportar o mesmo carregamento de uma composição, seriam necessárias 1.300 viagens de caminhões do tipo. Em um dia de pico, a EFC transporta o equivalente a cerca de 33 mil caminhões.
A empresa já tem estudos avançados e testes a fim de aumentar as composições para um total de 440 vagões. A meta, no entanto, não para aí. A Vale estuda a viabilidade de um trem que possa chegar a 660 vagões – o dobro do número atual. Dentre os projetos em discussão para serem desenvolvidos em parceria com a cátedra, há uma proposta que visa desenvolver modelos dessas imensas composições ferroviárias a fim de avaliar quais os impactos sobre os esforços entre os vagões e a segurança.
Um atrás do outro, esses vagões cobririam uma extensão de mais de 6 quilômetros, o que colocaria esse trem entre as maiores composições em operação comercial do mundo.
O professor da FEM Jony Javorski Eckert será um dos pesquisadores dessa frente. Ele diz que a lógica de funcionamento das composições é semelhante – seja na de 330, na de 440 ou mesmo na de 660 vagões. “Podemos imaginar que a composição de 660 vagões terá de trafegar com várias locomotivas, como ocorre hoje”, disse.
Outros aspectos, no entanto, vão exigir soluções novas. Eckert lembra que, por se tratar de uma extensão muito grande, haverá ainda mais situações nas quais parte do trem estará subindo uma rampa, por exemplo, enquanto outra parte estará descendo ou em uma área plana. Esse movimento exigirá combinações perfeitas entre os sistemas de tração, compressão e frenagem. Segundo ele, a vantagem é que todos esses movimentos poderão ser programados.
“O trem fará o trajeto sempre no mesmo trecho, em condições muito bem conhecidas. Portanto, é possível programar todos os movimentos”, explica Eckert. Ele, que afirmou estar estusiasmado com o estudo, diz que o projeto deve durar entre três e cinco anos. “Estamos aqui para trabalhar.”
Outros projetos
Responsável pelos projetos de pesquisa ferroviária e dos laboratórios na FEM, o professor Auteliano Antunes dos Santos Junior afirmou que existem hoje outros importantes projetos sob o guarda-chuva da cátedra.
Todos eles, disse, contam com a participação de outros integrantes da faculdade, como o professor Paulo Kurka – atual coordenador da Cátedra dos Vagões – e o professor Marco Lúcio Bittencourt, que estuda composições de passageiros e ocupa o cargo de coordenador de pós-graduação da FEM.
Uma das linhas de pesquisa é o que os engenheiros chamam de “modelagem dinâmica”. A tarefa, nesse caso, implica avaliar os esforços a serem aplicados em todos os componentes dos vagões e também na interação desses com a via. A área de dinâmica, em especial, permite estudar os sistemas de amortecimento de forma a manter o conforto [no caso dos carros de passageiros], aumentar a segurança e, ao mesmo tempo, fazer com que “o componente dure mais”, explica Kurka.
No âmbito desse mesmo projeto, uma linha sob a coordenação de Santos emprega a dinâmica veicular para estudar os vagões e as locomotivas. Pretende-se assim diminuir o desgaste dos conjuntos de peça e, consequentemente, gastar menos energia. Só de óleo diesel, por exemplo, uma única ferrovia nacional chega a gastar 800 mil litros por dia.
Um terceiro projeto relaciona-se com o processo de inspeção da via. “Hoje, os profissionais das ferrovias inspecionam pessoalmente a via ou empregam sistemas que fazem inspeções com grandes intervalos de tempo [por meio de carros-controle]. Nosso projeto tem a tarefa de fazer isso de forma automática, como já existe em alguns lugares do mundo”, conta. O projeto avança em parceria com o professor Guilherme Santos, da Ufes.
Outros projetos da Cátedra de Vagões avaliam soluções para aumentar a capacidade de carga transportada sem aumentar o número de vagões. Uma delas seria o próprio design dos carros, como lembra Bittencourt.
Outras pesquisas envolvem o estudo dos danos em rotas ferroviárias – pesquisas essas conduzidas pelo professor Cherlio Scandian, da Ufes – e a busca por novos materiais e designs para as conexões entre os vagões de carga pesada – pesquisas essas conduzidas pelos professores Luiz Alves (UFJF) e Yesid Mendoza (UFSC). Uma outra linha de pesquisa consiste na busca por drenos mais eficientes – esse estudo conta com a liderança do professor Felipe Bertelli, da Unisanta.