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Ometto
Integrantes da família Ometto, um das três retratadas na pesquisa: interface entre a agricultura e a indústria

Agronegócio como projeto de nação

Tese explora os caminhos da elite agrária paulista em sua busca pelo protagonismo na política nacional

O agronegócio vai muito além dos limites da porteira da fazenda. Tomando essa ideia como uma das suas premissas de pesquisa, o cientista social Felipe Ferrari da Costa dedicou-se a investigar as articulações do setor rural e agroindustrial paulista na conquista de protagonismo na política nacional. “Quando pensamos em agronegócio, não podemos ficar restritos à propriedade da terra”, adianta-se Costa, que busca desvendar, em sua tese de doutorado, alguns dos mecanismos de dominação dessas elites agrárias e agroindustriais. O agronegócio é um projeto de nação articulado por entidades representativas e por famílias tradicionais, constata o pesquisador.

O estudo parte de 1919, no contexto da criação da Sociedade Rural Brasileira (SRB), e se estende até a criação do Conselho Superior de Agronegócio (Cosag) dentro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em meados da primeira década do século 21. A tese intitulada “São Paulo é essa locomotiva: interfaces entre agricultura e indústria e a afirmação hegemônica de frações dirigentes do agronegócio paulista” contou com a orientação da professora Marilda Aparecida de Menezes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

“Como já disseram outros autores, o agronegócio é um processo produtivo, mas é também uma bandeira de organização política e vai muito além dos limites da própria produção agrícola, porque há uma articulação intersetorial entre atores políticos e organizações que se fazem representar de diferentes formas”, afirma Costa. “A partir de um conjunto de conflitos internos, esses agentes estruturam as suas posições por meio de articulações que potencializam a força e o peso político dos próprios agentes.”

Uma das marcas da representação política do agronegócio no período contemporâneo é a organização do setor por meio de diferentes agentes. “Eles atuam concomitantemente a partir de várias entidades”, diz o pesquisador, que, além de estudar a atuação da SRB e do Cosag, analisou outras entidades representativas, como a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira (Faab).

Costa buscou entender o conjunto de atores presentes em uma configuração de poder que formata o mundo rural brasileiro e a sociedade como um todo ao longo de quase um século. “Trata-se de várias formas de construção dessa dominação por parte das elites rurais e agroindustriais, e uma delas acontece no âmbito das famílias”, diz o pesquisador.

O cientista social Felipe Ferrari da Costa, autor da tese, e sua orientadora, professora Marilda de Menezes: agronegócio como campo de poder
O cientista social Felipe Ferrari da Costa, autor da tese, e sua orientadora, professora Marilda de Menezes: agronegócio como campo de poder

Famílias

Além das entidades, Costa analisou mais detidamente a trajetória social de três famílias paulistas: os Rodrigues, os Sampaio e os Ometto, cujos integrantes estão presentes, ocupando diferentes espaços de liderança, em diversos momentos do enredo de quase cem anos analisado pelo pesquisador. Essa rede de relações consolida a interface entre a agricultura e a indústria

A abordagem da esfera familiar costuma não ser comum nessa área de estudo. “Essa é uma pesquisa muito relevante, porque trabalha as organizações de toda a estruturação do agronegócio enquanto campo de poder e, em termos metodológicos, vai além na análise das trajetórias de três importantes famílias, desde o século 19”, observou a orientadora da tese.

Ao debruçar-se sobre o cenário contemporâneo da representação pública do agronegócio, Costa identificou uma forte presença, desde 1919, de algumas dessas famílias, incluindo na criação da SRB. “Esses são sobrenomes de destaque em vários processos históricos que articulam a agricultura e a agroindústria do Estado de São Paulo”, diz o pesquisador.

Trata-se de atores também que marcaram presença em vários processos históricos do país. “Eles tiveram centralidade na reconversão produtiva pela qual passou a agricultura paulista a partir da crise de 1929 e na mudança do café para a cana-de-açúcar em termos de organização dessa agroindústria. E tiveram um papel relevante na defesa do golpe civil-militar de 1964 e na articulação do corporativismo rural, um dos pilares da representação patronal rural agroindustrial no Brasil dos anos 1970, 1980 e 1990, além da organização do setor na Constituinte [de 1988] a na transição para a Nova República. Diga-se ainda que esses são atores cujo poder político local se destaca em várias regiões e municípios do Estado de São Paulo”, afirma o pesquisador.

Os paulistas tiveram papel relevante, ainda, na organização política do agronegócio no Brasil. Esse conceito, formulado na Universidade Harvard (Estados Unidos), na década de 1950, acabou importado, a partir dos anos 1980-1990, para o Brasil na qualidade de um processo político que organiza a diversidade desses setores patronais. Entre os atores políticos desse acontecimento, a pesquisa aponta ainda a importância dos centros de pesquisa e das universidades paulistas.

Algumas das famílias pesquisadas estão presentes, por exemplo, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) há pelo menos cinco gerações. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, entrevistado por Costa, figura entre os egressos da universidade, além de seu pai, de filhos e de um neto.

“É importante desvendarmos as estruturas de poder em torno do projeto político do agronegócio no Brasil. O estudo se constitui como uma contribuição nesse campo”, acredita o pesquisador, que identificou, durante a pesquisa, um conjunto de ações desses agentes no sentido de executar e pensar o desenvolvimento da expansão da fronteira agrícola para outras regiões do Brasil, ou seja, para além de São Paulo.

“Isso aparece em diversos momentos no século 20. A atualização da figura do bandeirante está posta em um plano simbólico de afirmação de um projeto de agricultura e em um projeto de país cuja importância, aos olhos dessas elites do agronegócio paulista, é bastante pronunciada.”

A própria simbologia da locomotiva como representação do protagonismo do Estado de São Paulo na política e na economia nacionais despertaram a curiosidade do pesquisador, que desenvolveu seu mestrado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), analisando as representações políticas das elites rurais do Rio Grande do Sul.

Sua inquietação em torno de entender as configurações de poder que formam o ambiente rural brasileiro levou-o ao doutorado, quando concluiu que o agronegócio é “um arranjo político, social e simbólico cuja eficiência está presente em várias dimensões da realidade social” e que as frações dominantes – cujo centro de decisão estratégica se localiza no Estado de São Paulo – cumprem, nesse arranjo, um papel importante.

Fundo ilustrativo
Família Ometto
Integrantes da família Ometto, um das três retratadas na pesquisa: interface entre a agricultura e a indústria

Agronegócio como projeto de nação

Tese explora os caminhos da elite agrária paulista em sua busca pelo protagonismo na política nacional

O agronegócio vai muito além dos limites da porteira da fazenda. Tomando essa ideia como uma das suas premissas de pesquisa, o cientista social Felipe Ferrari da Costa dedicou-se a investigar as articulações do setor rural e agroindustrial paulista na conquista de protagonismo na política nacional. “Quando pensamos em agronegócio, não podemos ficar restritos à propriedade da terra”, adianta-se Costa, que busca desvendar, em sua tese de doutorado, alguns dos mecanismos de dominação dessas elites agrárias e agroindustriais. O agronegócio é um projeto de nação articulado por entidades representativas e por famílias tradicionais, constata o pesquisador.

O estudo parte de 1919, no contexto da criação da Sociedade Rural Brasileira (SRB), e se estende até a criação do Conselho Superior de Agronegócio (Cosag) dentro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em meados da primeira década do século 21. A tese intitulada “São Paulo é essa locomotiva: interfaces entre agricultura e indústria e a afirmação hegemônica de frações dirigentes do agronegócio paulista” contou com a orientação da professora Marilda Aparecida de Menezes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

“Como já disseram outros autores, o agronegócio é um processo produtivo, mas é também uma bandeira de organização política e vai muito além dos limites da própria produção agrícola, porque há uma articulação intersetorial entre atores políticos e organizações que se fazem representar de diferentes formas”, afirma Costa. “A partir de um conjunto de conflitos internos, esses agentes estruturam as suas posições por meio de articulações que potencializam a força e o peso político dos próprios agentes.”

Uma das marcas da representação política do agronegócio no período contemporâneo é a organização do setor por meio de diferentes agentes. “Eles atuam concomitantemente a partir de várias entidades”, diz o pesquisador, que, além de estudar a atuação da SRB e do Cosag, analisou outras entidades representativas, como a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira (Faab).

Costa buscou entender o conjunto de atores presentes em uma configuração de poder que formata o mundo rural brasileiro e a sociedade como um todo ao longo de quase um século. “Trata-se de várias formas de construção dessa dominação por parte das elites rurais e agroindustriais, e uma delas acontece no âmbito das famílias”, diz o pesquisador.

O cientista social Felipe Ferrari da Costa, autor da tese, e sua orientadora, professora Marilda de Menezes: agronegócio como campo de poder
O cientista social Felipe Ferrari da Costa, autor da tese, e sua orientadora, professora Marilda de Menezes: agronegócio como campo de poder

Famílias

Além das entidades, Costa analisou mais detidamente a trajetória social de três famílias paulistas: os Rodrigues, os Sampaio e os Ometto, cujos integrantes estão presentes, ocupando diferentes espaços de liderança, em diversos momentos do enredo de quase cem anos analisado pelo pesquisador. Essa rede de relações consolida a interface entre a agricultura e a indústria

A abordagem da esfera familiar costuma não ser comum nessa área de estudo. “Essa é uma pesquisa muito relevante, porque trabalha as organizações de toda a estruturação do agronegócio enquanto campo de poder e, em termos metodológicos, vai além na análise das trajetórias de três importantes famílias, desde o século 19”, observou a orientadora da tese.

Ao debruçar-se sobre o cenário contemporâneo da representação pública do agronegócio, Costa identificou uma forte presença, desde 1919, de algumas dessas famílias, incluindo na criação da SRB. “Esses são sobrenomes de destaque em vários processos históricos que articulam a agricultura e a agroindústria do Estado de São Paulo”, diz o pesquisador.

Trata-se de atores também que marcaram presença em vários processos históricos do país. “Eles tiveram centralidade na reconversão produtiva pela qual passou a agricultura paulista a partir da crise de 1929 e na mudança do café para a cana-de-açúcar em termos de organização dessa agroindústria. E tiveram um papel relevante na defesa do golpe civil-militar de 1964 e na articulação do corporativismo rural, um dos pilares da representação patronal rural agroindustrial no Brasil dos anos 1970, 1980 e 1990, além da organização do setor na Constituinte [de 1988] a na transição para a Nova República. Diga-se ainda que esses são atores cujo poder político local se destaca em várias regiões e municípios do Estado de São Paulo”, afirma o pesquisador.

Os paulistas tiveram papel relevante, ainda, na organização política do agronegócio no Brasil. Esse conceito, formulado na Universidade Harvard (Estados Unidos), na década de 1950, acabou importado, a partir dos anos 1980-1990, para o Brasil na qualidade de um processo político que organiza a diversidade desses setores patronais. Entre os atores políticos desse acontecimento, a pesquisa aponta ainda a importância dos centros de pesquisa e das universidades paulistas.

Algumas das famílias pesquisadas estão presentes, por exemplo, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) há pelo menos cinco gerações. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, entrevistado por Costa, figura entre os egressos da universidade, além de seu pai, de filhos e de um neto.

“É importante desvendarmos as estruturas de poder em torno do projeto político do agronegócio no Brasil. O estudo se constitui como uma contribuição nesse campo”, acredita o pesquisador, que identificou, durante a pesquisa, um conjunto de ações desses agentes no sentido de executar e pensar o desenvolvimento da expansão da fronteira agrícola para outras regiões do Brasil, ou seja, para além de São Paulo.

“Isso aparece em diversos momentos no século 20. A atualização da figura do bandeirante está posta em um plano simbólico de afirmação de um projeto de agricultura e em um projeto de país cuja importância, aos olhos dessas elites do agronegócio paulista, é bastante pronunciada.”

A própria simbologia da locomotiva como representação do protagonismo do Estado de São Paulo na política e na economia nacionais despertaram a curiosidade do pesquisador, que desenvolveu seu mestrado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), analisando as representações políticas das elites rurais do Rio Grande do Sul.

Sua inquietação em torno de entender as configurações de poder que formam o ambiente rural brasileiro levou-o ao doutorado, quando concluiu que o agronegócio é “um arranjo político, social e simbólico cuja eficiência está presente em várias dimensões da realidade social” e que as frações dominantes – cujo centro de decisão estratégica se localiza no Estado de São Paulo – cumprem, nesse arranjo, um papel importante.

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