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Covid agravou quadro de mortalidade materna entre gestantes adolescentes

A taxa de mortalidade materna de gestantes com até 19 anos saltou de 46,75 a cada 100 mil nascidos em 2019 para 62,79 em 2021
A taxa de mortalidade materna de gestantes com até 19 anos saltou de 46,75 a cada 100 mil nascidos em 2019 para 62,79 em 2021

Autores de artigo comparam dados de 2019 e 2021 e revelam aumento no número de mortes e de cesáreas

A pandemia de covid-19 colocou sob estresse os cuidados em saúde no caso de diversos estratos sociais, em especial o das gestantes, consideradas grupo de risco para a doença. Utilizando bancos de dados públicos brasileiros, autores de um artigo publicado na International Journal of Adolescence and Youth compararam os anos de 2019 e 2021 a fim de entender os efeitos da pandemia global especificamente para as grávidas adolescentes com idades entre 10 e 19 anos. O trabalho revelou uma piora em um quadro antes já preocupante quando se levam em conta a mortalidade materna e a realização de partos por cesárea no Brasil.

Um dos autores do trabalho, o médico e professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp José Paulo de Siqueira Guida, esclarece que, por se tratarem de pessoas jovens, a premissa é: elas não devem morrer em razão de complicações relacionadas à gravidez. Entretanto a taxa de mortalidade materna – calculada somando-se as mortes ocorridas entre o pré-natal e os 42 dias seguintes ao parto – cresceu para as gestantes em geral e também para aquelas com até 19 anos, saltando de 46,75 mortes a cada 100 mil nascidos em 2019 para 62,79 mortes em 2021 (um aumento de 42,86%).

Isso indica uma piora na assistência à saúde durante a pandemia e mostra que “nenhum grupo ficou protegido”, aponta o profissional, que assina o trabalho com Maite dos Santos Borges, Clarissa Suzart, Maria Paula Perroca Lipi, Fernanda Garanhani Surita e Diama Bhadra Vale, todos integrantes do grupo de pesquisa da Divisão de Obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia da FCM.

O recorte racial demonstrou ainda um aumento de quase 80% no número de mortes de adolescentes negras. Contudo o pesquisador aponta que o grupo de gestantes pardas e indígenas também registrou um crescimento, ainda que não estatisticamente significativo, mostrando que “as populações vulneráveis seguem sendo vulneráveis”.

Geograficamente, todas as regiões brasileiras tiveram uma maior quantidade de mortes maternas na pandemia, com destaque para a Região Nordeste e a Região Sul. O estudo mostrou, ainda, que as causas diretas de morte – como hemorragias e infecções – não sofreram variação no período analisado. Já as indiretas, causadas, também, por infecções do sistema respiratório, representaram 43,67% do total em 2021 – quase o dobro das ocorrências registradas em 2019, indicando haver uma correlação entre a covid-19 e a mortalidade de gestantes adolescentes de todas as raças e regiões.

O artigo evidenciou o agravamento de um cenário que já se encontrava longe do ideal no Brasil, país que firmou um compromisso com a Organização das Nações Unidas (ONU) para reduzir, até 2030, a taxa de mortalidade materna para 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos. “Nossa taxa [geral] varia em torno de 55 a 60 mortes/nascidos vivos – e explodiu na pandemia [chegando a 113,18]. Estamos estacionados há cerca de dez anos e não conseguimos jogar nossa curva para baixo”, ressalta Guida, assinalando que a maior parte dos óbitos resulta de causas evitáveis, como hipertensão.

Para chegar a esses dados, os pesquisadores analisaram os dados de mais de 5,5 milhões de nascimentos no Brasil – desses, 14,19% dizem respeito a mães da faixa etária estudada. Conseguiu-se assim identificar uma queda já esperada da taxa de fertilidade, como havia ocorrido em outras situações do tipo, a exemplo da epidemia do vírus zika em 2015-2016.

Os dados integram os Painéis de Monitoramento de Nascidos Vivos e de Mortalidade Materna, mantidos pelo governo brasileiro. O pesquisador fala da importância de se entender as causas de morte das jovens mães e aponta dois caminhos para a melhoria do quadro: educação sexual e acesso a um pré-natal de qualidade. “Não adianta a consulta ser protocolar: a paciente senta, preenche um cartãozinho e acabou.” Para Guida, também é preciso reconhecer que a gravidez nessa faixa etária pode ser fruto de violência e dar-se conta das implicações disso.

O médico e professor José Paulo de Siqueira Guida, um dos autores do artigo: “Nenhum grupo ficou protegido”
O médico e professor José Paulo de Siqueira Guida, um dos autores do artigo: “Nenhum grupo ficou protegido”

Explosão de partos por cesárea

Entre os indicadores analisados sobre a qualidade dos cuidados obstétricos, estão as taxas de parto por cesárea em 2019 e 2021. Trata-se de um dado importante, destaca Guida, pois essa intervenção cirúrgica só deve ser efetuada quando necessário, visto que ela aumenta os riscos de complicações em futuras gestações.

Os pesquisadores usaram a Classificação de Robson para categorizar os dados, um instrumento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que agrupa as gestações em dez grupos de análise – considerando, por exemplo, a quantidade de gestações da paciente, se já realizou cesárea anteriormente e a quantidade de semanas da gestação. Isso permitiu notar que a quantidade de cesarianas cresceu para todos os grupos, inclusive para os de baixo risco, em que o parto normal deveria ser predominante. “A pandemia foi mais uma justificativa para se realizarem cesáreas no país, e nós já somos um dos campões mundiais desse tipo de parto, sem que todas as cirurgias tenham sido de fato necessárias”, afirma o professor.

As incertezas provocadas pelo desconhecimento a respeito da covid-19 figura entre os fatores que explicam esse resultado, assim como a realocação de leitos de maternidade para o atendimento da população em geral. Segundo Guida, o alto índice desse tipo de procedimento no Brasil – número que chegou a ultrapassar 50% dos partos em alguns grupos antes e durante a pandemia – tem raízes culturais que precisam ser enfrentadas. “Acredito que chegamos a um ápice e, agora – a partir do movimento das mulheres, de melhorias na assistência ao parto, de investimentos em saúde –, muitas gestantes se questionam se realmente precisam realizar uma cesariana sem pelo menos tentar o trabalho de parto”, opina.

A partir dos resultados apresentados, os pesquisadores reconhecem a necessidade de se priorizar a saúde materna durante situações de emergência de saúde, e isso devido às vulnerabilidades típicas da gestação, considerando esse grupo como prioritário em pesquisas sobre vacinas e novos medicamentos.

“Vimos que, a partir do momento que as gestantes começaram a se vacinar [contra a covid-19], derrubamos novamente a nossa taxa de mortalidade. Essa intervenção, então, claramente, funcionou. A morte materna é sempre uma tragédia, e a família perde completamente a confiança no sistema de saúde. Sendo assim, precisamos valorizar o cuidado em saúde com a gestante”, conclui o médico.

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