Com vista para a sustentabilidade
Presença de varandas em prédios de escritórios economiza energia e recursos, proporcionando maior conforto
Quando pensamos na Avenida Paulista, em São Paulo, imaginamos grandes arranha-céus com janelas espelhadas e seladas. No interior, escritórios com vidros esfumaçados bloqueiam a iluminação natural, substituída por luzes brancas artificiais. O ar-condicionado está sempre ligado “a todo vapor”, garantindo uma temperatura em geral extremamente baixa.
Essa descrição apresenta uma edificação “clássica”, tanto na vida real como em nosso imaginário. No entanto esses edifícios podem estar com os dias contados, fadados a dar lugar a estruturas que buscam elementos mais sustentáveis e um melhor aproveitamento dos recursos naturais.
Sob essa perspectiva, Iris Loche desenvolveu sua tese de doutorado, na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau) da Unicamp. O estudo, que contou com verbas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), analisou como a presença de varandas em edifícios de escritório em São Paulo pode contribuir para a economia de energia e, consequentemente, de recursos financeiros, além de proporcionar maior conforto aos usuários.
A pesquisa de Loche surgiu de um estudo anterior realizado por sua orientadora, a professora Letícia de Oliveira Neves, do Departamento de Arquitetura e Construção da Fecfau. Durante sua pesquisa de campo, Neves construiu uma base de dados com as principais características de edifícios com sistemas mistos de climatização – que utilizam tanto ventilação natural quanto ar-condicionado –, detalhando as diferentes varandas construídas.
“Observamos um aumento no uso de varandas em edifícios de escritório, mas muitas vezes elas não eram projetadas de maneira adequada para atuar como elementos de sombreamento ou como espaços utilizáveis pelos usuários. Foi então que surgiu a ideia de explorar o uso das varandas não apenas como áreas de serviço, mas também como elementos que contribuem para melhorar o desempenho térmico e energético, a ventilação natural e a iluminação natural desses edifícios”, explica Loche.
Para definir os parâmetros da varanda ideal, a pesquisadora trabalhou com dados como profundidade, largura, tipo de parapeito, características das janelas, profundidade da sala, localização dos pavimentos e orientação solar.
Utilizando um software de análise que combinava essas características, Loche chegou a cerca de 5 mil opções, depois analisadas para encontrar os melhores parâmetros a fim de otimizar o desempenho térmico e energético, a ventilação natural e a iluminação dos edifícios de escritórios. De acordo com a pesquisadora, que atualmente faz pós-doutorado na Holanda, uma varanda bem projetada pode reduzir o uso de ar-condicionado em até 40%.
A tese de Loche está inserida na linha de pesquisa de sua orientadora, centrada no desempenho térmico e na eficiência energética das edificações. “Nosso enfoque são os aspectos arquitetônicos, incluindo a ventilação natural e as estratégias passivas de climatização. Ou seja, buscamos garantir que o edifício tenha o melhor desempenho térmico possível, reduzindo o consumo de energia, como o de ar-condicionado, que é o foco da pesquisa de Iris”, explica Neves.
Para a orientadora e a orientanda, entender as mudanças climáticas atuais e como a arquitetura e a engenharia podem contribuir para mitigar seus impactos é um tema urgente. “O debate sobre mudanças climáticas está crescendo, e estamos sentindo na pele ondas de calor cada vez mais frequentes. É crucial que estratégias de sombreamento e arquitetura passiva sejam incorporadas a edifícios de escritórios, especialmente no nosso clima subtropical”, comenta Loche.
No entanto, para que as descobertas realmente façam a diferença e beneficiem a sociedade, faz-se necessário que os tomadores de decisão considerem os estudos acadêmicos. “Para mudar a forma como as edificações são construídas, necessitamos de incentivos, além de alterações nos códigos de construção da cidade”, acrescenta a autora da tese.
Neves concorda: “Além das questões de uso, é preciso haver mudanças na legislação, incentivos fiscais ou programas de certificação. O mercado tende a não se movimentar sem incentivos externos”.
A pesquisa de Loche já gerou frutos significativos. Atualmente, uma estudante de iniciação científica e outra de mestrado estão dedicadas a aprofundarem-se em aspectos que merecem mais pesquisa. E não para por aí: a experiência adquirida durante o doutorado levou Loche a um pós-doutorado na Eindhoven University of Technology (Holanda), antes mesmo da defesa da tese.
“O trabalho de Iris é pioneiro e abriu muitas frentes de pesquisa, especialmente no contexto das mudanças climáticas”, explica Neves. “Precisamos focar a sustentabilidade e as mudanças climáticas, e a pesquisa de Iris aborda esses temas de forma abrangente.”
No pós-doutorado, Loche participa de um projeto multidisciplinar envolvendo outras três universidades holandesas e dedicado ao estudo do desempenho de edificações, particularmente de habitações sociais em quatro municípios específicos.
O objetivo da Holanda é alcançar a neutralidade na emissão de gás carbônico até 2050. Para contribuir com essa meta, municípios do país planejam reformar habitações sociais a fim de reduzir a dependência em relação ao gás natural, responsável por mais de 43% das emissões de carbono. “Há um aspecto social importante, pois reformas extensas podem impactar os preços dos aluguéis”, afirma Loche. Portanto, soluções passivas e de baixo custo, como as que ela tem pesquisado nos últimos cinco anos, mostram-se fundamentais.
Para Neves e Loche, a perspectiva dos estudiosos do Sul Global pode enriquecer significativamente a pesquisa na Europa.
“Os projetos dos meus colegas na Europa são mais focados em tecnologias avançadas para resolver os problemas das edificações. No meu doutorado, abordei algo mais simples, como as varandas. Mesmo soluções simples podem reduzir o consumo de energia nas edificações sem a necessidade de tecnologias complexas”, resume Loche.
“Essa é uma grande contribuição do Sul Global para o Hemisfério Norte”, complementa Neves.