O envelhecer de cada um
Pesquisador leva em conta diferenças regionais e outros fatores para mensurar envelhecimento do brasileiro
Ter 60 anos hoje é a mesma coisa que em 1980? Há diferença entre ser sexagenário na Região Norte e na Região Sul? Renda, gênero e escolaridade influem sobre o que é ter 60 anos? O que a força das mãos pode revelar sobre alguém? Essas perguntas foram a matéria-prima para a tese de doutorado do professor Anderson Gonçalves, defendida em abril deste ano no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Em seu estudo, o pesquisador demonstrou como a idade pode ser medida de diferentes formas a depender do que se deseja compreender – e defender – e como é preciso pensar novas maneiras de mensurar o envelhecimento da população em um país tão grande, diverso e desigual como o Brasil.
“A idade é um conceito. Podemos pensar na idade ativa, idade inativa. Geralmente, as pessoas associam a idade à idade cronológica. Na minha tese, trabalhei com a bibliografia de [Sergei] Scherbov e [Warren] Sanderson, segundo os quais, as pessoas têm ao menos duas idades”, explica Gonçalves: a idade cronológica – os anos transcorridos desde o nascimento – e a idade prospectiva – os anos que se espera viver.
No entanto nenhuma das duas é suficiente para pensar políticas públicas em um país com o crescimento acelerado da população idosa e um elevado grau de desigualdade socioeconômica como o Brasil, segundo o pesquisador. “Qual conclusão é possível extrair da informação de que uma pessoa tem 60 anos? Hoje, muito pouco. Podemos dizer que se trata de uma pessoa idosa segundo a legislação, mas não é possível fazer afirmações sobre sua condição de saúde, condição laboral ou qualidade de vida. Alguém de 60 anos pode estar acamado, pode praticar esportes ou pode estar lecionando. Por isso, precisamos utilizar dados para estratificar essa população idosa e reconhecer as singularidades.”
A partir dessa reflexão, ele utilizou uma nova medida para compreender o processo de envelhecimento da população brasileira, uma medida batizada de “idade relativa”. Usando modelos matemáticos que consideram dados como região, sexo, escolaridade, renda e força de preensão manual, Gonçalves detectou várias singularidades na população idosa.
“À medida que se amplia a expectativa de vida, ganhamos anos de vida, e a percepção sobre a idade também muda. Hoje podemos dizer que a população com 60 anos tem características de 55 anos, comparado com as condições de 1980”, explica. Fazer esse recorte considerando a média nacional, no entanto, pode não ser suficiente para refletir o Brasil real.
“Dependendo da região na qual se envelhece, haverá um processo de envelhecimento diferente. Quando você calcula a idade relativa de um homem com 55 anos na Região Sul levando em conta suas condições socioeconômicas e seu teste de força de preensão manual, comparado à mediana nacional, é possível constatar que a idade relativa dessa pessoa é de 53,4 anos. Essa pessoa tem uma característica biológica mais jovem. Enquanto na Região Norte, a idade relativa de um homem com as mesmas características é de 64 anos. Trata-se de uma diferença muito grande.”
Para a orientadora de Gonçalves, a professora do Departamento de Demografia do IFCH e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo) Luciana Correia Alves, a tese é um trabalho de pesquisa pioneiro no país e de extrema relevância em um contexto no qual, segundo projeções, até 2060, 32,2% da população brasileira será idosa.
“A grande contribuição da pesquisa do Anderson é mostrar que usar apenas a expectativa de vida como informação não é suficiente, porque existe uma desigualdade muito importante em termos de saúde entre classes socioeconômicas, de níveis de escolaridade, de renda e das regiões brasileiras. O que está posto é que não devemos pautar as políticas apenas por indicadores de nível médio da população. Porque há especificidades. E, se elas não forem consideradas, a desigualdade pode ser ampliada.”
Políticas públicas
Embora a tese não tenha como objetivo principal a elaboração de políticas públicas, é impossível ignorar o tema. Compreender que idade cronológica, expectativa de vida e média nacional são índices pouco abrangentes leva à reflexão sobre como esses índices podem, até mesmo, gerar mais desigualdade. Um exemplo real disso: a reforma da previdência, aponta Gonçalves.
“Quando se utiliza a expectativa de vida como justificativa para a reforma da previdência e se eleva a idade mínima para a aposentadoria, considerando a expectativa de vida nacional, ocorre uma retirada de direitos de uma parcela da população que não experimentou essa ampliação da expectativa de vida”, afirma.
O tema vai além das políticas voltadas para a aposentadoria, segundo Alves, abarcando o papel do Estado no cuidado dispensado a essas pessoas. “A proteção social passa por várias áreas. As pessoas geralmente relacionam o envelhecimento da população com a problemática da previdência social, mas as políticas de saúde e assistência social também são diretamente afetadas por esse processo”, afirma.
Por isso, explica ela, a atuação dos governos deve estar voltada para a redução da desigualdade de uma maneira geral. “Se não forem superadas as condições de desigualdade socioeconômica, o envelhecimento dos subgrupos populacionais mais pobres tende a gerar maior pressão no orçamento público para além da previdência. Ou seja, também serão pressionados os gastos com o Sistema Único de Saúde e com o Sistema Único de Assistência Social. Não há sustentabilidade do sistema de seguridade social brasileiro se não houver envelhecimento saudável e superação da pobreza.”
Tanto para Gonçalves como para Alves, o trabalho não termina com a defesa da tese. Publicações em revistas científicas sobre o tema estão sendo preparadas, além da perspectiva de um pós-doutorado para aprofundar ainda mais uma questão tão complexa, interdisciplinar e transversal como é o processo de envelhecimento da população brasileira. Afinal, 2060 está na esquina e os idosos devem ser então cerca de um terço dos brasileiros.