Conteúdo principal Menu principal Rodapé

Composto de chá é testado em formulações para a pele

Colheita de chá da espécie Camellia sinensis: variedades da bebida estão relacionadas ao tipo de processamento das folhas
Colheita de chá da espécie Camellia sinensis: variedades da bebida estão relacionadas ao tipo de processamento das folhas

Estudo explora potencial antioxidante e cicatrizante de polifenol presente no chá verde

O consumo de chá é uma tradição que se confunde com a história da civilização, havendo registros da prática que remontam a 5 mil anos. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apontam que a produção mundial de chá movimenta US$ 17 bilhões, enquanto seu comércio global gera US$ 9,5 bilhões em faturamento todo ano. Por definição, apenas as infusões de folhas da espécie Camellia sinensis podem ser chamadas de chá. As variedades da bebida – chá preto, verde, oolong, branco etc. – nascem dos diferentes tipos de processamento das folhas daquela espécie de planta. Entre essas variedades, o chá verde é um dos mais reconhecidos por suas propriedades antioxidantes, anticancerígenas, anti-inflamatórias e de combate ao colesterol LDL, contribuindo para a saúde cardiovascular e para a atividade cerebral.

Os benefícios do chá verde devem-se à presença das catequinas, classe de polifenóis com grande potencial antioxidante. Dessas, a epigalocatequina-3-galato (EGCG) mostra-se a mais abundante, correspondendo a algo entre 50% e 80% das catequinas presentes na bebida. Estima-se que uma xícara de chá verde contenha de 200 mg a 300 mg de EGCG. A forma mais simples de auferir os benefícios desse polifenol é pela ingestão do chá. Porém uma pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp explorou maneiras de aplicar a EGCG do chá verde em formulações tópicas, a serem usadas diretamente na pele, e isso por conta de suas propriedades antioxidantes e cicatrizantes. A dissertação de mestrado sobre o assunto foi realizada por Lucélia Luísa da Silva com orientação do professor da FCF Paulo César Pires Rosa e coorientação da professora Iara Lúcia Tescarollo, da Universidade São Francisco (USF).

Lucélia Luísa da Silva, autora da dissertação: testes com membrana sintética que simula a pele
Lucélia Luísa da Silva, autora da dissertação: testes com membrana sintética que simula a pele

Poderoso antioxidante

O consumo de alimentos antioxidantes revela-se importante porque essas substâncias neutralizam a ação de radicais livres, moléculas geradas pelo metabolismo do organismo ou por conta de estímulos externos. Esses radicais livres possuem um alto potencial de reação com outras moléculas, como as proteínas, os lipídios e o DNA, o que pode acelerar o envelhecimento celular e comprometer a atividade de órgãos e do sistema imunológico. Os antioxidantes neutralizam os radicais livres porque também são moléculas altamente reativas. Nessa reação, eles transformam esses radicais em moléculas estáveis, impedindo que reajam com outras. Por isso é comum vê-los incorporados a medicamentos e produtos cosméticos. “Na medida em que um produto é antioxidante, ele mantém intacto os componentes com ação benéfica para a pele, por exemplo, ao mesmo tempo que ele mesmo se oxida”, explica Rosa.
Por se tratar de um poderoso antioxidante, as moléculas da EGCG também são altamente reativas, o que torna sua incorporação a produtos tópicos um desafio.

No entanto o desenvolvimento de medicamentos para aplicação direta na pele pode garantir a ação da molécula eliminando o risco de ela sofrer modificações que comprometam seu efeito. “Quando ingerimos a EGCG pelo consumo do chá, por exemplo, ela não necessariamente terá um efeito antioxidante no local desejado”, informa Silva. “Com a aplicação tópica, conseguimos disponibilizar o composto diretamente no local de ação.”

A pesquisadora analisou as propriedades e a estabilidade de cinco formulações que levavam 1% de EGCG na sua composição: dois géis, dois cremes e uma pomada. Ao longo de intervalos de um mês, três meses e seis meses, Silva registrou dados como a densidade, o pH e o aspecto do produto e o teor de EGCG preservado na formulação. Por meio de testes in vitro, utilizando uma membrana sintética que simula a pele, a então mestranda também observou quais delas liberavam maior quantidade do composto.

Os resultados mostraram que, nos géis e nos cremes, as formulações apresentaram um pH entre 4,6 e 5,4, compatível com o da pele – por ter sido formulada apenas com compostos oleosos, não foi possível medir o pH da pomada. Nos géis e nos cremes, a EGCG ficou dissolvida, enquanto que, na pomada, ficou dispersa. Segundo a pesquisadora, isso possivelmente acarreta mudanças em outros parâmetros ligados ao desempenho dos produtos. Entretanto ressalta que não houve cristalização do composto previamente dissolvido ou alterações na morfologia após os seis meses, nem alterações nas fórmulas, o que é positivo. Nos testes de estabilidade realizados, transcorrido um semestre, a pomada manteve 98% do teor inicial de EGCG, seguida do creme 2, que manteve 76% do composto, e do gel 2, com 58% da concentração inicial.

Contudo o teste de liberação de EGCG mostrou que, na pomada, a liberação era quase insignificante, de apenas 0,05%. O gel 2 registrou uma liberação de 58,85% e o creme 2, de 3,61%. Ao ponderar o balanço entre a estabilidade da formulação e a liberação do composto, Silva concluiu que o creme 2 revelou-se o mais promissor nos testes in vitro. “O creme também apresentou uma textura mais agradável, o que é importante no contexto de um tratamento, por exemplo”, detalha.

O professor Paulo César Pires Rosa, orientador do estudo: no horizonte, testes com pacientes diabéticos
O professor Paulo César Pires Rosa, orientador do estudo: no horizonte, testes com pacientes diabéticos

Diabetes

A partir do potencial de aplicação da EGCG em produtos tópicos e das características dos produtos desenvolvidos no estudo, os pesquisadores consideram promissora a formulação de medicamentos que utilizem as funções cicatrizantes do composto. “Ainda não existem tantos estudos a respeito disso, tanto em relação às formulações como aos testes in vivo”, ressalta o orientador. Uma possibilidade é realizar testes com pacientes diabéticos, doença que causa problemas de cicatrização de feridas e que, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, afeta mais de 13 milhões de pessoas hoje no país.

Pensando em facilitar a continuidade das pesquisas com as formulações e uma futura aceitação desses produtos pelo mercado, todos os testes foram realizados já de acordo com as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto ao processo de desenvolvimento de medicamentos. Outra preocupação foi manter as formulações clean label, evitando o uso de compostos que podem causar malefícios à saúde, como os parabenos. Silva também destaca que, por se tratar de uma molécula conhecida e por utilizar excipientes amplamente empregados, grande parte dos processos já foi realizada. “É provável que testes futuros com diabéticos sejam facilmente aprovados”, projeta.

Ir para o topo